Dormir na escola melhora desempenho, revela pesquisa
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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2000
Por Lígia Formenti
São Paulo, 26 (AE) - Uma experiência feita em um colégio de São Paulo mostrou que crianças que dormem à tarde melhoram seu desempenho escolar. Estudo inédito feito pela Universidade de São Paulo demonstra que o cochilo beneficia a concentração das crianças. A pesquisa, realizada pelo Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento em Ritmos Biológicos, acompanhou durante o ano passado um grupo de alunos com idade entre 3 e 6 anos, que permanecia na escola por tempo integral. "Notamos que, para algumas das crianças, o sono da tarde é essencial para o bom humor e a concentração", afirma o cronobiologista e coordenador do estudo, Luiz Menna-Barreto.
O resultado foi tão convincente que a escola eleita para a realização do estudo modificou sua programação. Agora, todos os alunos menores de 6 anos são convidados a tirar um cochilo depois do almoço - o que antes era privilégio apenas das crianças de até 3 anos.
"Algumas mães temiam que o período de sono roubaria o tempo de algumas atividades pedagógicas", afirma a diretora do Centro Educacional Brandão, Marta Brandão. O que ocorreu foi justamente o contrário. "As crianças ficam mais relaxadas e fazem as mesmas atividades em um tempo menor." O fenômeno ocorre mesmo com os alunos que, em vez de dormir, preferem ficar em uma sala de descanso, lendo ou jogando.
Menna-Barreto conta que o estudo acompanhou três grupos de crianças, com 15 integrantes cada um. No primeiro semestre, os alunos não cochilavam. Já no segundo semestre, as crianças eram convidadas a fazer uma soneca após o almoço e só depois retomar as atividades. Nesses dois períodos, foram feitos diários de sono das crianças, observação em sala de aula e acompanhamento na área pedagógica.
"No período em que não havia o cochilo, a irritabilidade e outros problemas ligados ao sono eram muito mais comuns", observa Menna-Barreto. Outra constatação foi a de que o cochilo não afetava o sono da noite.O pesquisador salienta que, quando uma pessoa dorme menos do que o necessário, o organismo dá um prazo máximo de dois dias para que o "atraso" seja recompensado. "A história de dormir apenas nos fins de semana não adianta."
Exaustos - O trabalho feito com as crianças mostrou os benefícios de se respeitar as necessidades do organismo. Quando não tiravam a soneca, muitos alunos saíam exaustos do colégio. Irritados, não conseguiam conviver com a família. Em alguns casos, dormiam no carro, acordando somente no dia seguinte.
Constatou-se durante o estudo que, no grupo com crianças entre 3 e 4 anos, quase todas dormiam quando eram convidadas. Entre as crianças da classe mais adiantada, com pouco mais de 4 anos, somente a metade dormia. O grupo com idade entre 5 e 6 anos foi o que apresentou menor vontade de dormir: só um terço cochilava.
"Essa queda já era esperada", afirma o professor. Já se observou que a necessidade do sono diminui com o passar dos anos. Mas, embora essa seja a regra geral, cada pessoa tem características peculiares, que precisam ser respeitadas, segundo Menna-Barreto. "Nesse assunto não há um modelo único."
Essas variações, porém, frequentemente são vistas de forma preconceituosa, lembra o professor. "Pessoas que dormem e acordam tarde muitas vezes são consideradas indolentes, o que não é verdade."
Para a ciência, os danos causados pela falta de sono ainda não estão completamente esclarecidos, embora haja consenso a respeito de sua existência. Segundo Menna-Barreto, os prejuízos nem sempre são visíveis, o que leva muitas pessoas a tratar o assunto com desprezo.
"É uma pena", diz o professor da USP. De acordo com suas informações, os distúrbios do sono têm se tornado mais frequentes a cada dia, em especial nas grandes cidades. "Com a volatilidade do emprego e o crescimento dos grandes centros urbanos, fatalmente pessoas acabam morando longe de seus locais de trabalho, perdendo tempo com a locomoção." Além disso, existe a grande valorização da produtividade. "Há quem acredite que as horas dedicadas ao sono são um desperdício."
Essa tendência agora atinge as crianças. "Não é raro encontrarmos pais que querem que as crianças realizem uma série de atividades ao longo do dia, para melhorar sua formação." A diretora Marta concorda. "Os pais ficam muito aflitos para preparar as crianças para o mercado de trabalho." A experiência de algumas escolas confirma isso. Preocupadas em não perder o conteúdo, acabam desprezando momentos de descanso, fundamentais para algumas crianças.

