O convite para a professora de Direito da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Luciana do Carmo Neves participar de um projeto em nome da instituição de ensino, a respeito da violência policial em Londrina, já havia sido feito tempos atrás. Mas nesta última semana, ela diz que a situação ocorrida no Jardim Califórnia, na zona leste, evidenciou a urgência de se colocar essas ideias em prática.

Imagem ilustrativa da imagem Docente da UEL quer acolher vítimas de violência policial
| Foto: iStock

Neves esteve envolvida em partes, na investigação acerca da ocorrência policial que resultou na morte de Cristiano Rodrigues de Jesus, 20, no domingo (11). Nos dias seguintes, moradores do bairro realizaram protestos contra a versão dada pelos policiais. A FOLHA vem acompanhando o caso e, segundo a Polícia Militar, a vítima estava armada e foi morta após reagir a abordagem. Cristiano de Jesus usava tornozeleira eletrônica e respondia em liberdade por participação em um assalto ocorrido em 2019.

A versão de alguns moradores é diferente. Um deles contou à reportagem que o jovem estava sentado na calçada, na companhia de amigos, quando a PM realizou a abordagem. Pelo uso da tornozeleira e o fato de estar 50 metros de distância de casa, Cristiano teria corrido em direção à residência. O morador também negou a versão de que o jovem estava armado e que estaria traficando drogas.

“Na segunda-feira (12), a polícia continuou com as intervenções no bairro. Recebemos vários vídeos dos moradores que mostram os policiais disparando tiros de borracha. Inclusive, um rapaz atingido esteve no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) para depor, na minha companhia. Outra testemunha é o Carlos Santana, membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, que estava no bairro nesta data e presenciou os fatos”, diz.

Neves foi acionada por conhecidos da família da vítima e desde então vem articulado algumas possíveis ações junto com Carlos Santana e a professora Maria de Fátima Beraldo, gestora municipal de Promoção da Igualdade Racial de Londrina. “Me sensibilizei com os moradores do local e me propus a acompanhar alguns desdobramentos. Fui ao Gaeco a pedido dessas pessoas e tivemos um encontro com a promotora Susana de Lacerda, para que ela tivesse conhecimento sobre esses relatos. A PM continuou frequentando o local no dia seguinte, fazendo rondas e oprimindo aquela população. Os protestos foram a única forma que eles tiveram para ganhar visibilidade. Pelo o que tudo indica, houve excesso e isso é constante nas regiões periféricas. Essas pessoas estão precisando de ajuda, sofrem todos os tipos de preconceito por serem pobres, por serem negros, por não terem voz”, afirma.

SUPORTE JURÍDICO

Neves supervisiona os estágios no Escritório de Aplicação de Assuntos Jurídicos da UEL, na área de Processo Penal. “Atendemos a população carente em todas as áreas de Direito e não são poucas as demandas a respeito de abordagens abruptas de policiais, pois ao apanhar, ao ser humilhada, a pessoa reage de alguma forma e acaba sendo encaminhada para a delegacia por crime de desacato ao policial. Isso é frequente.”

A advogada e professora da UEL quer estruturar um espaço fixo em Londrina onde as vítimas de abuso policial possam buscar apoio. “A partir daí conseguiríamos encaminhá-las para os procedimentos necessários, dentro dos serviços disponíveis em diferentes áreas, mas especialmente a jurídica. Além disso, é preciso despertar as pessoas para o que está acontecendo. Como professora, tenho muita vontade de mostrar as fragilidades dessas famílias e como elas estão expostas a esses abusos. A ideia é trazer cada vez mais pessoas em defesa disso, fazer com que se conscientizem sobre o que está acontecendo”, diz.

Neves comenta ainda que um caminho de luta seria pleitear que as ações policiais sejam filmadas com câmeras instaladas nos uniformes. Segundo ela, essa conduta já ocorre em Santa Catarina. “É algo que vai preservar tanto a versão da vítima quanto do policial.”

Para ela, esse espaço de apoio, que só será estruturado se houver uma parceria com o município, seria uma forma de reduzir, de certa forma, a descrença que essa população tem a respeito da Justiça e até um pouco do medo da perseguição para quem denuncia.

Em fevereiro de 2021, a coordenação do Gaeco no Paraná divulgou o número de mortes em confronto com policiais civis e militares e guardas municipais em 2020. Foram 380 mortes, sendo 375 em confrontos com policiais militares e cinco em confrontos com guardas municipais. Um aumento de 23,8% em comparação com 2019, que registrou 307 mortes. Somente em Londrina foram 58 mortes.

A iniciativa do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) tem como objetivo assegurar a correta apuração das mortes de civis em confrontos com policiais e guardas municipais, garantindo que toda ação do Estado que resulte em morte seja investigada. (Colaborou Guilherme Marconi)

PM diz que recebeu denúncia anônima pelo 190

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