O fechamento de fóruns e a impossibilidade de visitas presenciais de assistentes sociais em razão da pandemia de Covid-19 foram alguns dos motivos que causaram atrasos nos processos de adoção no País. Entre 2019 e 2020, houve uma queda de 16,57% no número de processos finalizados, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). As adoções baixaram de 3.077 em 2019 para 2.567 no ano passado. No Paraná, o sistema eletrônico adotado pelo Judiciário estadual há alguns anos evitou a morosidade e as adoções registraram até uma pequena alta de um ano para outro, passando de 507 para 514 no período.

De janeiro de 2019 até maio de 2021, 1.120 crianças que viviam em abrigos no Paraná ganharam um lar
De janeiro de 2019 até maio de 2021, 1.120 crianças que viviam em abrigos no Paraná ganharam um lar | Foto: iStock

Em Londrina, segundo dados da promotoria da Vara da Infância e Juventude, o número de adoções entre 2019 e 2020 subiu de 14 para 21, um acréscimo de 50% no período. Neste ano, são 14 processos finalizados. Atualmente, há 213 crianças habilitadas e a habilitação mais antiga é de 2013.

“No Paraná, tivemos um prejuízo mínimo, praticamente nada”, avaliou o juiz substituto do segundo grau do TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná), Sergio Luiz Kreuz. Conforme os dados do CNJ, o Estado só ficou atrás de São Paulo, que em 2020 computou 712 adoções.

De janeiro de 2019 até maio de 2021, 1.120 crianças que viviam em abrigos no Paraná ganharam um lar. Os números do mês passado ainda não estão finalizados. São Paulo, que tem uma população quatro vezes maior que a do Paraná, concluiu 1.535 processos de adoção no mesmo intervalo de tempo. O número de crianças paranaenses adotadas corresponde a quase 18% do total registrado no País.

A continuidade do andamento dos processos no Paraná mesmo durante a crise sanitária se deve a vários fatores, mas o principal é a digitalização do sistema, pontuou Kreuz. Quando a pandemia chegou ao Brasil, o Estado já tinha todos os processos no meio eletrônico. “Há muitos anos, a Vara da Infância não tem mais processos em papel. Em papel, o processo não anda, enquanto o digital despacha de qualquer lugar. Aqui, os processos continuaram tramitando normalmente. Não estávamos prevendo a pandemia, mas estávamos preparados.”

Outro aspecto que contribuiu para que a tramitação dos processos não fosse suspensa foi o curso para formação de pretendentes, que já acontecia de forma on-line e ao qual 12 mil pessoas já tiveram acesso. “Na semana passada, terminamos a oitava edição, com 1.800 participantes, transmitida para todo o Brasil. E temos ainda o aplicativo de adoção A.Dot, funcionando desde 2018. Então, todos esses fatores, aliados à competência das nossas equipes técnicas e juízes, fizeram com que as adoções não tivessem interrupção. Inclusive, as aproximações são feitas on-line quando não é possível fazer fisicamente”, destacou o magistrado.

O ingresso de pretendentes na fila da adoção também não parou. No Brasil, hoje, há 32.938 pretendentes habilitados no CNA (Cadastro Nacional de Adoção) e 2.526 deles estão no Paraná. O número de crianças disponíveis para adoção muda diariamente, mas na última segunda-feira (31), eram 432, mas para 186 delas já há interessados que estão em fase de aproximação. No País, há quase cinco mil meninos e meninas vivendo em abrigos, à espera de um lar.

Aplicativo beneficia crianças com poucas chances de adoção

Para cada criança assistida pelos serviços de acolhimento no País, há mais de seis pretendentes à adoção, mas a conta não fecha pelas exigências feitas pelos casais. Muitas das crianças aptas a serem adotadas são grupos de irmãos que não podem ser separados em razão de um forte vínculo entre eles, com alguma doença ou deficiência e as mais velhas.

Para esses casos mais difíceis, quando não há mais chances de adoção pelas vias tradicionais, o aplicativo A.Dot, criado pelo TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná) em 2018, tem se mostrado eficaz. Por meio da ferramenta, que disponibiliza aos pretendentes cadastrados vídeos, fotos e informações básicas sobre a criança, muitas delas conseguiram um lar. Em três anos, foram quase 40 adoções concretizadas com o auxílio do aplicativo, que, além do Paraná, funciona também no Acre, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, São Paulo e Tocantins. “Valeu a pena. Eram adoções que não aconteceriam se não houvesse o aplicativo. E tirar a criança do abrigo é muito importante porque cada dia no abrigo é um sofrimento. Todo abrigo é uma tragédia. Não existe abrigo bom para criança”, enfatizou o juiz Sergio Luiz Kreuz.

.
. | Foto: Acervo Pessoal

Sem romantizar o processo, mãe relata as dores da adaptação

Desde a época do namoro, o casal André Saulo e Maria Fernanda Bleck Pereira Vieira compartilhava do desejo de ser pai e mãe por adoção. Após o casamento, eles até tentaram ter filhos biológicos, mas depois de dois anos, decidiram retomar os métodos contraceptivos e entrar na fila da adoção. O primeiro filho, Victor, então com 7 anos de idade, chegou até eles em 2016. Assim que o processo de adoção foi finalizado e saiu a guarda definitiva da criança, o casal retornou à fila da adoção e, em dezembro do ano passado, André e Fernanda tornaram-se pais também dos irmãos Ingrid, com 8 anos, e Roberto, com 6.

Fernanda faz questão de não romantizar o processo de adoção. Desde a espera pela criança, longa e com data incerta para chegar ao fim, até o período de adaptação, os desafios são enormes. Embora tentasse controlar a ansiedade, os dias que antecediam algumas datas comemorativas eram sempre muito difíceis para o casal. Nos períodos próximos ao Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças e Natal, crescia o desejo de ter um filho com quem comemorar. “Andávamos de carro pela cidade e pensávamos ‘onde está o nosso filho?’”, contou Fernanda.

O momento da chegada das crianças é sempre cercado de alegria, amor, afeto, encantamento e realização, mas após um período de “lua de mel”, começam os testes. “As crianças vêm com históricos, bagagens, traumas sérios, rejeição. A adoção não tem história bonita. Aquela história da criança que está apenas sem uma família e precisa de alguém não é a realidade. É uma criança que sofreu o que não merecia e não poderia ter sofrido, houve quebra de vínculos e isso traz repercussões no relacionamento que está se iniciando”, relatou Fernanda.

A fase de adaptação, define a mãe, é um processo dolorido, são dias difíceis, nos quais a criança submete os pais a testes complexos diários de confiança e de limites e há que se ter muita perseverança para superar. “É preciso mostrar que ela pode confiar, que não vai sofrer de novo, mas, aos pouquinhos, vai passando”, comentou.

Por outro lado, avalia Fernanda, a inteligência emocional das crianças, em algumas situações, é mais amadurecida do que em outras crianças da mesma idade que não passaram pelo processo de abandono e rejeição. “Eles passaram por coisas tão difíceis e lançam mão de ferramentas. A autonomia e a independência são comuns aparecerem. Embora também aconteça a regressão. Nos momentos em que não passaram pelo que precisavam passar, elas regridem para suprir a carência.”

O casal, desde o período de espera pela chegada do primeiro filho, teve ajuda psicológica. E as crianças também fazem terapia. Fernanda e o marido contaram ainda com o apoio do grupo Trilhas do Afeto, que atua em Londrina em parceria com a Vara da Infância e Juventude, e por meio de encontros, debates e projetos, auxilia pais, mães e crianças no processo de adoção.

“Nessa busca por entender a necessidade deles, é lindo como vai transformando a gente. Me tornei mais humana com a chegada deles porque é preciso aprender a olhar para o outro e entender as suas necessidades”, destacou Fernanda. “A adoção não deveria existir porque não deveria haver crianças abandonadas. Mas é um caminho lindo que precisa ser conhecido e melhor compreendido para que mais pessoas possam se abrir para a adoção.”

Desafios com filho biológico não fizeram digital influencer desistir da adoção

A maternidade transformou totalmente a vida de Leila Donaria. Doutora em fisioterapia respiratória e professora universitária, ela mudou de profissão após a chegada do seu primeiro filho, biológico, Gabriel, com 5 anos. O menino tem uma síndrome rara, condição que obrigou a família a atender demandas que iam contra o ideal de maternidade construído antes do parto.

Mesmo com todas as dificuldades que uma criança com necessidades especiais impõe, Leila e o marido nunca desistiram de ter um segundo filho e a via da adoção sempre foi uma possibilidade alimentada pelo casal desde os tempos de namoro. Leila é filha adotiva, foi recebida no lar onde cresceu com apenas três dias de vida e sua mãe nunca escondeu sua história de vida. “Sempre fui muito grata e tive grandes oportunidades na vida porque fui adotada”, comentou.

Quando o primogênito tinha três anos, a família, que estava na fila da adoção, recebeu uma menina de 9 anos. Leila, que já tinha abandonado a carreira acadêmica para se dedicar ao Gabriel, o Gabinho, virou digital influencer. Nas redes sociais, ela assume o papel de educadora parental, falando sobre maternidade real, inclusão e preconceito. Com a chegada da filha, assumiu uma nova tarefa e hoje também atua como doula de adoção. “A adoção, na minha vida como filha, sempre tinha sido algo normal. Mas depois que a minha filha chegou, fui entender melhor esse processo e quero ajudar outras famílias.”

Mesmo com todos os percalços vividos com o primeiro filho, Leila conta que nunca desistiu de ter uma família grande. A chegada da filha trouxe novos desafios, como ter de lidar com os ciúmes excessivos do menino, que perdeu o posto de filho único. “Foi uma adaptação para os dois, sempre fui muito verdadeira e explicava para minha filha o que o Gabinho estava sentindo. Mas o tempo foi passando e as coisas foram ficando mais tranquilas. Ele foi vendo que tem colo para todo mundo.”

Embora se considere “muito feliz” com o marido e os dois filhos, Leila acredita que a família ainda não esteja completa. “Ainda falta uma criança, ou duas. Mas meu marido não tem essa opinião”, comentou. O Gabinho e a minha filha construíram laços de irmão incríveis, a relação deles é muito sadia, hoje em dia. Sempre digo para as pessoas. Se não quer desafios, problemas, preocupações, privação de sono, não tenha filhos, seja pela via biológica ou pela via da adoção. Pai e mãe sempre vão ter essas questões na vida. A adoção nada mais é do que uma via de parentalidade que, para dar certo, depende muito mais do adulto do que da criança”, definiu.