Tomar decisões por conta própria nem sempre é tarefa fácil para as mulheres. Por mais que as discussões sobre igualdade de gênero tenham ganhado a mídia e outros espaços de debate, as oportunidades ainda são desiguais, como expressa a edição 2017 do Índice Global de Diferenças de Gênero. De acordo com o documento, em todo o mundo apenas 58% das mulheres participam ativamente da economia. Na política, os números são ainda mais insignificantes: 23% das mulheres atuam politicamente, o que resulta em desigualdade de poderes e menos capacidade de influência nas decisões centradas no coletivo.

A solução para combater a desigualdade passa pelo empoderamento feminino, uma expressão bastante repetida e pouco entendida. "Empoderamento é a capacidade de auto determinação das mulheres para que possam tomar decisões e fazer escolhas por própria conta. Esta é uma grande demanda, considerando que historicamente as mulheres ocupam uma posição de subordinação nas relações sociais", explica a socióloga Silvana Mariano, professora do departamento de Ciências Sociais da UEL (Universidade Estadual de Londrina).

A subordinação a que ela se refere expressa-se, por exemplo, nos milhares de caso de violência doméstica, que Mariano considera "o exemplo mais gritante de dominação masculina". Submetidas a homens que se consideram "donos" das companheiras, elas são vitimadas por agressores que usam a violência para manter o controle. Sem empoderamento, as mulheres não conseguem romper o ciclo de violência a que estão submetidas.

A falta de condições para tomar decisões sobre a própria vida se expressa também em outros aspectos, como na divisão sexual do trabalho que reserva às mulheres salários menores e menos cargos de liderança. "Essa desvantagem está centrada em uma interpretação de que salário da mulher é fonte complementar da renda da família", reforça, lembrando que, por mais que as mulheres tenham vontade de tomar novos caminhos, há uma normatividade social que prescreve escolhas de homens e mulheres. Com tantos obstáculos para tomar decisões pautadas pelos próprios interesses, as mulheres acabam decidindo em prol do companheiro, da família ou da comunidade.

São comuns as histórias de mulheres que investem menos na carreira profissional porque o arranjo familiar privilegia o homem. "Até mesmo questões supostamente banais, como a forma de lidar com o corpo, perpassa por questões de submissão, na medida em que outras pessoas decidem como a mulher deve se vestir, o que pode fazer com o corpo... Romper todas essas prescrições sociais é algo que exige o que chamamos de empoderamento", reforça.

Empoderamento feminino, para a socióloga, não significa privilegiar o individualismo. "Empoderar-se é um processo coletivo e social", esclarece, destacando que não tem a ver, também, com a busca por formas de heroísmo feminino, materializado na figura das super mulheres que se colocam em espaços que não eram destinados a ela. "É um processo coletivo que depende de políticas públicas com normas e oportunidades para que as mulheres tenham condições de abraçar os próprios projetos", diz.

Extensão do tempo da licença-paternidade para que os pais possam efetivamente criar vínculos e assumir cuidados com os bebês e todas as políticas voltadas para a primeira infância são exemplos de áreas que demandam políticas para promoção do empoderamento. "Pesquisas mostram que essa etapa da vida compromete muito tempo das mulheres. O acesso a creches e serviços de educação infantil em tempo integral permitiria às mulheres dispor de mais tempo para outras atividades. Empoderamento significa ampliar essas oportunidades. Se a única opção da mulher é ser dona de casa, isso não é opção. As políticas públicas precisam ter perspectiva de gênero para perceberem que tipo de intervenções possibilitam o empoderamento ou reforçam a subordinação", esclarece.

Apesar de ainda haver um grande caminho para alcançar a sonhada igualdade, Mariano reconhece que as mulheres – principalmente as mais jovens – já conseguem modificar parâmetros e quebrar paradigmas em direção ao empoderamento. "Isso é evidente no campo da sexualidade, que é vivenciada com mais liberdade pela juventude atual", compara.

Também há avanços em termos de empoderamento na divisão do trabalho doméstico, principalmente entre casais mais jovens, de classe média e escolarizados. "Neste contexto, a dupla jornada de trabalho que onera mulheres tem sido substituída por uma divisão mais igualitária. Porém, os avanços ainda não estão em todas as esferas, há um longo caminho a ser percorrido", destaca.

Projeto Emaús: ecolojas geram renda para investimento em projetos sociais
Projeto Emaús: ecolojas geram renda para investimento em projetos sociais | Foto: Gina Mardones



Corrente do bem
Uma iniciativa de cinco jovens mulheres de Londrina está materializando uma verdadeira corrente do bem na zona sul do município. Com vontade de transformar o mundo, a administradora de empresas Carolina Cosmo Lopes decidiu trazer para Londrina a ONG internacional Emaús, focada na reciclagem de doações para venda em ecolojas que, ao mesmo tempo em que facilitam o consumo em comunidades em situação de vulnerabilidade, também gera renda para investimento em projetos sociais.

Lopes conheceu a iniciativa durante um ano sabático que dedicou a conhecer o Nordeste brasileiro. De volta ao Paraná, ela compartilhou o sonho com as amigas Bárbara Jaqueline Carvalho, Jaqueline Campos, Natally Siqueira e Gabriela Rolim Oliveira. O caminho das jovens se cruzou com uma referência da luta pelo empoderamento feminino em Londrina, a militante Rosalina Batista, que por décadas esteve à frente da Associação das Mulheres Batalhadoras do Jardim Franciscato. As jovens do Emaús precisam de um local para funcionar. Dona Rosalina, como é conhecida, precisava de apoio para retomar os trabalhos da associação. Todas elas juntaram forças e a ONG saiu do papel para provocar mudanças sociais na vida das mulheres da região.

Hoje, a Emaús já tem uma loja ecológica e prepara para retomar em março os tradicionais cursos de pintura em tecido e crochê e qualidade no atendimento. Além disso, passarão a oferecer curso de inglês. "O que era meu sonho virou o sonho de todas nós", comemora Lopes, que nunca tinha ouvido falar de Dona Rosalina e hoje a considera um exemplo para a vida. "É uma pessoa iluminada. Aprendemos todos os dias com ela", elogia.

Antes de assumir a liderança de uma ONG, a jovem não sentia confiança de que seria capaz de realizar tantos feitos. Na companhia de outras mulheres, porém, ela se sente mais capaz do que nunca. "Quando participamos das reuniões com outras Emaús, percebemos que quebramos paradigmas. Em geral, homens lideram e mulheres executam. Aqui em Londrina não temos essa lógica, por isso chamamos a atenção dos outros grupos", comemora.

Empoderadas, elas buscam promover o empoderamento de outras mulheres através da profissionalização e acesso à renda para pessoas da comunidade. "Nosso objetivo é resgatar pessoas e para isso contamos com a ajuda de empresas e voluntários. Conquistamos vagas em conselhos municipais para melhorar políticas públicas e estamos muito orgulhosas de carregar o legado da Rosalina", diz.