O Brasil registrou o primeiro ataque a escola em 2002 e, em 21 anos, já somam 25 as ocorrências desse tipo. O caso mais recente aconteceu no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé (Região Metropolitana de Londrina), na última segunda-feira (19), no qual dois adolescentes morreram. O casal de namorados Karoline Verri Alves, 17 anos, e Luan Augusto, 16, entrou para uma estatística ao mesmo tempo triste e assustadora que contabiliza 139 vítimas. Desse total, 46 morreram e 93 ficaram feridas. O mapeamento foi feito pelo Instituto Sou da Paz e além de revelar um padrão na conduta dos autores dos atentados, traz outro dado preocupante que é a escalada de episódios dessa natureza.

O ano de 2023 é o que registra o maior número de casos até agora. Antes de completar o primeiro semestre, já foram computados sete ataques a escolas. Em todo o ano passado, foram seis e, em 2019, aconteceram três casos.

Após o atentado a escola em Cambé, a doutora em Psicologia Sarah Vieira Carneiro, integrante do Grupo de Trabalho de Proteção e Segurança nas Escolas, do Ministério da Educação e Cultura, viajou ao Norte do Paraná, onde passou os últimos dias. Há 20 anos atuando em questões relacionadas a perdas, luto e separações, Carneiro veio representando o governo federal e nos dias em que esteve na região reuniu-se com membros do governo do Estado e da Prefeitura de Cambé com a finalidade de oferecer apoio e assessoria, apresentar sugestões de protocolo para o retorno das atividades na escola que sofreu o ataque e discutir a prevenção e o combate a esse tipo de crime, que leva insegurança para dentro do ambiente educacional. “Tenho agenda para voltar (a Cambé). Nossa ideia é manter o apoio perene em um trabalho longo de reconstrução”, prevê.

No calor do momento, é comum ressurgirem na sociedade os debates sobre a viabilidade de se colocar segurança armada dentro das escolas. Mas Carneiro avalia que esse caminho não é o mais adequado quando o objetivo é evitar que a violência adentre os muros dos estabelecimentos de ensino. “Alguns estudos científicos apontam que ter arma dentro da escola não previne ataque”, afirmou a psicóloga.

Monitoramento por câmeras de segurança, principalmente nas áreas externas, manter uma articulação frequente com as polícias e guardas municipais, acionando a área de inteligência das forças de segurança, criar protocolos de entrada e de saída nas escolas e diminuir o fluxo e fazer a abordagem a pessoas estranhas que estejam circulando próximo às instituições de ensino seriam medidas mais eficazes, apontou Carneiro. Mas essas ferramentas de prevenção devem estar acompanhadas de outras estratégias, de médio e longo prazo, que passam por discussões sobre temas sensíveis que competem a toda a sociedade, como fascismo, nazismo, racismo, misoginia, machismo, homofobia, bullying e todas as outras formas de discriminação a minorias, além dos meios de se promover um maior controle sobre os conteúdos que circulam na internet, especialmente na deep web e dark web. “Essas são estratégias que têm uma eficiência comprovada e que vão melhorar de todo modo e prevenir a violência, inclusive outras formas de violência que acontecem dentro da escola, há muito tempo.”

A internet, ressaltou a psicóloga, ganha um lugar de destaque nesse processo a partir do momento em que é possível estabelecer um padrão seguido pelos autores dos ataques. “Existe um certo padrão. No caso de Cambé, o autor principal não era adolescente, como na maioria dos outros casos, era um pouco mais velho, mas algumas coisas são semelhantes. Existem grupos organizados na internet, deep web, dark web, grupos de radicalização e extremismo ligados a movimentos fascistas, nazistas, misóginos, racistas e de discriminação de minorias. Esses grupos cooptam os autores, que por meio dessas redes são treinados e alguns, financiados. Precisa pensar nesse controle.”

Desde o início deste ano, o Ministério da Justiça tem atuado neste sentido e conseguiu identificar milhares de pessoas que foram alcançadas pela lei, além de desbaratar células onde os atos de violência eram gestados. Mas essas ações devem ultrapassar os limites da Justiça e ingressar com força nos lares brasileiros.

Carneiro orienta pais e responsáveis a monitorarem o conteúdo acessado por crianças e adolescentes na internet, mas não é só isso. Ela também reflete sobre o impacto da pandemia na saúde mental da população e cobra um olhar mais atento acerca das relações familiares. “Tivemos crianças e adolescentes que ficaram dois anos sem conviver, sem estratégias de enfrentamento e resoluções de conflito, ficaram funcionando na internet. Não tem como mensurar o tamanho do impacto da pandemia, mas é um ponto para se colocar”, afirmou. “As relações familiares precisam ser trazidas para a discussão. Como está sendo dentro da casa, a relação de pais e filhos, o que eles fazem e veem.”

Desarmar a população também é outro ponto fundamental, alertou a psicóloga. O fenômeno dos ataques a escolas é recente no país, mas em menor ou maior escala, alcança todas as regiões. O Sudeste concentra quase a metade das ocorrências, com 12 no total, seguido pelo Nordeste e Sul, com cinco cada um, Centro-Oeste (2) e Norte (1). A tendência de alta dos atentados, identificada pelo Sou da Paz em 2019, coincide com o ano em que o governo Bolsonaro iniciou a flexibilização do acesso às armas.

“Um ponto importante é que ninguém entra e ataca uma escola porque sofreu bullying. Isso precisa ser considerado. Várias pessoas sofrem bullying, têm sofrimento psíquico e não cometem crimes. Tudo isso é alimentado também por questão de acesso à arma, de políticas nesse sentido. O bullying é um aspecto que (os autores dos ataques) trazem como justificativa, mas a gente sabe de outras questões envolvidas.”

Abordar o bullying dentro das escolas é um ponto, assim como todas as outras formas de violência, incluindo a violência cultural e a social. Mas Carneiro lembra que a escola é um ambiente prioritário de educação, socialização e aprendizagem e como todo espaço social, é um reflexo da sociedade. “A escola, sozinha, não vai dar conta de fazer isso (conter a violência), só um esforço combinado. As crises acontecem e acabam jogando luz sobre problemas antigos. A sociedade precisa parar e pensar a função das escolas, da educação. A comunidade, os pais, todos têm um papel importante. Todos nós precisamos proteger as escolas, é um esforço de toda a comunidade. Em Cambé, apesar do ataque chocante, uma tragédia, eu vi a paróquia, a sociedade civil, os governos federal, estadual e municipal, as polícias, os pais, todos muito unidos. E é por aí.”