Data da morte de advogada de Guarapuava foi escolhida como o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio
Data da morte de advogada de Guarapuava foi escolhida como o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio | Foto: Shutterstock

No primeiro Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, nesta segunda-feira (22) em referência à data da morte da advogada Tatiana Spitzner, em Guarapuava, denúncias e ocorrências de assassinatos de mulheres no Paraná têm tendência de alta — um indício de maior conscientização sobre o tema, mas também um possível sinal de retrocesso, segundo especialistas ouvidos pela FOLHA.

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Vítima luta para manter-se viva

As denúncias de tentativa de feminicídio aumentaram no Brasil, segundo registros do Ligue 180 — serviço de atendimento à mulher em situação de violência mantido pelo MMFDH (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos). Em todo o país, houve 2.688 relatos entre janeiro e junho de 2019 — quatro vezes mais do que os 645 registrados no mesmo período de 2018. Durante todo o ano passado foram 2.211 chamados.

A lei que estabelece o feminicídio, sancionada em março de 2015, é aplicada nos casos em que o homicídio de mulheres está inserido em um contexto de violência doméstica e familiar ou de menosprezo e discriminação à condição de mulher. A pena varia de 12 a 30 anos de prisão. Segundo informações da Sesp (Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná), foram registradas 61 ocorrências em 2018 — 49% a mais do que em 2017, que teve 41 casos.

No MPPR (Ministério Público do Paraná), houve registro de 110 inquéritos policiais relacionados a feminicídios entre 1.º de janeiro e 16 de julho de 2019. Destes, 86 geraram denúncias. Ao longo de 2018, foram 185 inquéritos e 147 denúncias. Desde 2015, ano de sanção da lei, 773 inquéritos policiais foram registrados e 664 casos denunciados.

Na avaliação de Sandra Lia Barwinski, vice-presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Paraná, há uma subnotificação dos casos, já que o crime só pode ser definido como tal ao fim do processo judicial — que pode ser longo ou sequer acontecer. “Às vezes, a tipificação pode estar errada, porque ainda não temos a cultura de compreender o que é o feminicídio”, explica.

Segundo a especialista, que é coordenadora nacional do Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), as pesquisas sobre o tema recorrem ao SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde — base de estudos como o Atlas da Violência. Os dados independem de notificação ou denúncia.

Os números mais recentes, compilados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), apontam para uma tendência preocupante: as mulheres estão morrendo mais. Depois de cair em 2015, após oito anos de alta, o número de homicídios de mulheres voltou a subir em 2016 e em 2017, quando atingiu o maior número desde o início da série histórica, em 2007: 4.936. No Paraná, após quedas em 2015 e 2016, o índice voltou a subir em 2017, chegando a 247.

Os indícios de que o aumento das mortes violentas de mulheres reflete também uma alta do feminicídio estão no local das ocorrências: 39,2% dos assassinatos de mulheres no Brasil desde 2007 ocorreram dentro de casa. Para vítimas do sexo masculino, o índice é de 15,9%.

Na avaliação de Barwinski, a piora do cenário pode ser explicada, em parte, pela interrupção de uma trajetória de conscientização e implementação de políticas públicas de combate à violência contra a mulher no Brasil, seguida de um “reacendimento” da cultura machista.

“De repente, abandonou-se [o projeto da] Casa da Mulher Brasileira e todas as campanhas. Junto a isso, veio, com a campanha eleitoral, um forte discurso de preconceito. Nós tivemos um avanço muito grande de políticas para as mulheres e, de repente, uma queda muito drástica, sem que tivéssemos conseguido mudar a realidade”, analisa. A perspectiva de aumento da circulação de armas de fogo no Brasil é outro fator que gera preocupação para a especialista.

RELEMBRE O CASO

A advogada Tatiana Spitzner foi encontrada morta no dia 22 de julho de 2018 depois de cair do quarto andar do prédio em que morava com o marido, Luís Felipe Mainvailer, em Guarapuava. Imagens de câmeras de segurança mostram Manvailer agredindo a vítima minutos antes da queda e, posteriormente, a levando de volta para o apartamento. Ele foi preso horas depois de fugir do local, após sofrer um acidente de carro na BR-277, em São Miguel do Iguaçu, a 340 quilômetros de Guarapuava.

Um laudo do IML (Instituto Médico-Legal) determinou que Spitzner foi morta por asfixia mecânica. Manvailer é réu por feminicídio e fraude processual, e deve ir a júri popular. O MPPR (Ministério Público do Paraná) também o acusa de cárcere privado. O órgão informou que o caso está em fase de recursos. Por meio de assessoria, a defesa de Mainvailer se negou a falar com a reportagem. O advogado da família de Spitzner foi procurado, mas não retornou.