A PF (Polícia Federal) deflagrou, em novembro, a operação Nhanduti 2, que tem por objetivo combater a exploração sexual de crianças e adolescentes na internet. Durante a ação, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em Curitiba. Um homem de 36 anos foi preso após ser flagrado em posse de arquivos de exploração sexual infanto-juvenil.

As autoridades têm buscado reprimir esse tipo de crime, cujas denúncias aumentaram no Brasil. Dados da Safernet indicam que as novas denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil reportadas aos órgãos responsáveis cresceram 84% entre janeiro e setembro de 2023, em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 54.840 denúncias neste ano no país contra 29.809 em 2022.

A Safernet, que é uma organização não governamental, possui um convênio com o MPF (Ministério Público Federal) e encaminha apenas links nunca antes denunciados para averiguação.

Para a professora Patricia Eliane da Rosa Sardeto, coordenadora do curso de Direito da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) de Londrina, as informações disponibilizadas recentemente mostram “uma realidade assustadora e preocupante”.

“Por um lado, a pesquisa TIC Kids Brasil aponta que as crianças estão acessando a internet cada vez mais cedo e por mais dispositivos. Se em 2015, primeiro ano da pesquisa, tínhamos 11% acessando a internet aos 6 anos de idade, hoje esse número já subiu para 24%. Some-se a isso a grande quantidade de pais e responsáveis que transformam as redes sociais em verdadeiros diários abertos de suas crianças e adolescentes, postando uma infinidade de fotos e vídeos, que podem acabar se tornando material disponível para uso indevido de pessoas mal-intencionadas”, diz Sardeto.

Na avaliação da professora, o fato de pesquisas mostrarem um aumento no número de denúncias significa que os canais estão ficando cada vez mais acessíveis e conhecidos. “É importante que a sociedade perceba os esforços - e resultados - que estão sendo empregados no combate a essa prática deplorável da exploração sexual infantil e divulgação de imagens, e assim tenha confiança e segurança em realizar uma denúncia”, acrescenta.

O advogado Fernando Peres, especialista em direito virtual e membro do Cyberlab (Laboratório de Pesquisas e Estudos de Crimes Cibernéticos) da UEL (Universidade Estadual de Londrina), ressalta que o relacionamento de crianças e adolescentes com a internet é uma preocupação antiga, mas que nunca foi resolvida.

“Há um desconhecimento dos familiares das vítimas sobre como proceder, em que momento procurar a polícia, um advogado ou uma proteção”, destaca, pontuando que acredita haver ainda uma subnotificação nos casos. “Isso pode ser muito maior”.

Para o advogado, as novas denúncias não necessariamente são de novos materiais, mas isso não quer dizer que a produção desses conteúdos tenha diminuído. Ele lembra que muitos arquivos produzidos pelos próprios jovens acabam vazando na internet.

Um outro aspecto do problema é o uso de tecnologia como a IA (Inteligência Artificial) para criação de imagens de abuso ou sexualização infantil. Peres ressalta que o compartilhamento desses materiais, mesmo que não se tratem “de uma pessoa verdadeira”, pode configurar crime.

‘EDUCAÇÃO DIGITAL'

Para o especialista, existem quatro pontos que precisam ser discutidos. O primeiro é a necessidade de uma educação digital, com práticas e iniciativas públicas que promovam essa discussão; o segundo é a permissividade de plataformas.

“Acontece que muitas plataformas estão em outros países e alcançar juridicamente, judicialmente, às vezes é muito difícil”, diz Peres, que aponta que poderia ocorrer uma moderação maior de conteúdos que envolvam crianças e adolescentes.

Em relação aos criminosos, que é o terceiro ponto, o advogado acredita que eles estão cada vez mais atentos e usam as redes sociais para entrar em contato com o público infantil. Por fim, uma outra dificuldade é a identificação de quem comete os delitos. “Infelizmente, não precisa ser um expert para escapar de alguns rastreios, mas a polícia tem tecnologia e conhecimento para isso”.

CUIDADOS

Sardeto lembra que, em uma sociedade hiperconectada, a missão de proteger crianças e adolescentes é extremamente difícil e precisa ser compartilhada por vários responsáveis.

“Os primeiros a cuidar dessa interação da criança e adolescente com a internet são os pais, que precisam conversar com os filhos, abrindo um canal de diálogo. Em muitos casos o monitoramento das atividades no celular ajuda, mas não deve ser encarado como a solução de todos os problemas, pois a criança ou adolescente pode acessar a internet por outros meios”, aponta, citando que a escola também tem papel fundamental na orientação sobre o uso consciente da internet. “Por fim, garantir políticas públicas que demonstrem a preocupação do Estado em coibir esse tipo de prática criminosa, aparelhando os órgãos de atuação no combate desses crimes e fomentando espaços de debate e atuação dos envolvidos na garantia dos direitos de crianças e adolescentes.”

Para Peres, é preciso que pais, responsáveis e educadores estejam capacitados para enfrentar o problema. É necessário acompanhar as redes sociais e, principalmente, compreender que a privacidade da criança e do adolescente não é absoluta.

ESTUPRO

O delegado Rodrigo Rederde, do Nucria (Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes) de Curitiba, afirma que o órgão tem registrado aumento no número de denúncias envolvendo estupro de vulnerável. Os canais para comunicação desses crimes são diversos, como o boletim de ocorrência, o Disque 100 e requerimentos ministeriais, judiciais e representações de advogados.

Em relação ao compartilhamento de imagens de exploração sexual, Rederde afirma que muitas vezes esses conteúdos envolvem vítimas que não residem no Brasil. Outro problema é que muitos casos entram em uma “cifra negra”, não sendo denunciados.

“As vítimas por vergonha ou medo, muitas vezes nem reportam isso aos seus representantes legais ou à rede de proteção, muitas vezes sequer sabemos desses crimes, mas eles acontecem”, citando que o Nucria atuou em outubro em uma operação nacional contra esse tipo de delito. “Nós consideramos relevante combater, além dos crimes cibernéticos, os crimes que mais abalam e agravam as crianças e adolescentes, que são os sexuais.”

Visando a proteção de crianças e adolescentes, o delegado do Nucria diz que é necessário que pais mantenham um diálogo direto e franco com seus filhos, tendo noção da rotina e das práticas no ambiente virtual. Além disso, é preciso ter o monitoramento das redes que fazem parte. “Hoje qualquer jovem ou criança têm acesso pleno às várias redes sociais, que infelizmente são utilizadas também por pessoas de má-fé”.

O Nucria atua em todos os crimes que envolvem crianças e adolescentes. Tanto é que os casos de maus-tratos e lesão corporal têm percentual elevado, explica o delegado. “Nós não somos uma delegacia que visa apenas repreender o crime. Somos uma rede de proteção”.