Decreto garantiu verba para Operação Ceagesp
PUBLICAÇÃO
domingo, 30 de janeiro de 2000
Por Fausto Macedo
São Paulo, 30 (AE) - A Operação Ceagesp - pagamento de precatórios fora da ordem cronológica - foi executada com recursos de um crédito suplementar incluído no orçamento fiscal da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. O crédito foi aberto por decreto do governador Mário Covas (PSDB), editado no final de 1997. Com esse dinheiro - R$ 267, 23 mil -, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo pagou dívidas judiciais referentes a indenização por desapropriações de imóveis e atropelou a lista de preferência.
A operação é um caso enigmático da administração Covas e se arrasta há três anos. A forma de efetuar o pagamento coincidiu com o interesse político do governo em privatizar a Ceagesp, que acabou sendo federalizada - o patrimônio da companhia entrou como parte do pagamento da dívida do Estado com a União.
O decreto 42.653, assinado em 18 de dezembro de 1997, revela que o governador autorizou o crédito suplementar para repasse à Ceagesp "visando ao atendimento de despesas de capital ". Mas, o dinheiro acabou sendo empregado na quitação das dívidas da companhia.
Pelo menos oito autoridades de primeiro escalão do governo manifestaram-se sobre a concessão do crédito até que Covas editasse o decreto - ocupantes de cargos de confiança em quatro secretarias de Estado, essas autoridades tinham pleno conhecimento que os recursos seriam "destinados ao atendimento de despesas relativas à quitação da oitava e última parcela do acordo judicial sobre a área expropriada para acomodar as necessidades do entreposto".
"Ilegalidade" - Irritado com "a gravidade do fato", Covas ordenou à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) uma apuração sobre "a ilegalidade". Em outubro, dois procuradores foram afastados de suas funções. Os procuradores "indiciados" arrolaram o próprio governador como testemunha no procedimento administrativo disciplinar 85/99 da Corregedoria da PGE.
O desrespeito à fila dos precatórios viola imposição constitucional e pode caracterizar improbidade administrativa, segundo a Procuradoria-Geral de Justiça. Por causa dos pagamentos irregulares, no ano passado o Tribunal de Justiça decretou por três vezes sucessivas o sequestro de rendas do Tesouro - no valor aproximado de R$ 8 milhões - em benefício de outros credores da Fazenda que foram passados para trás.
A Procuradoria-Geral do Estado alegou inicialmente à Justiça que não teria havido violação à ordem cronológica porque os precatórios haviam sido pagos diretamente pela Ceagesp. Quando a apreensão da verba da Fazenda foi determinada judicialmente, o governo mudou de tática e passou a sustentar que "as autoridades que atuaram na liberação dos recursos em questão foram levadas a erro".
Tal erro teria acontecido porque a Ceagesp informou que os recursos seriam destinados ao pagamento de "acordos" de desapropriações. Em carta entregue à presidência do TJ, o procurador-geral do Estado, Márcio Sotelo Felippe, informou que "os termos utilizados pela Ceagesp, sempre referindo-se ao pagamento de parcelas relativas a acordos de desapropriações, levaram a crer que se tratava de pagamentos administrativos, relacionados a desapropriações amigáveis, não permitindo inferir que se cuidava de pagamento de precatórios judiciais".
Documentos obtidos pela AGÊNCIA ESTADO revelam que o dinheiro foi liberado pela Fazenda para que a companhia pudesse pagar suas dívidas. Ofícios em papel timbrado da Ceagesp e da Secretaria da Fazenda mostram os caminhos dessa história que tem raiz no processo de privatização da companhia.
Em 1996, o Palácio dos Bandeirantes decidiu vender à iniciativa privada o maior entreposto de abastecimento da América Latina, por onde circulam 60 mil pessoas todos os dias para compra de 10 mil toneladas de alimentos frescos. Para executar o projeto, era imprescindível liquidar o passivo da Ceagesp para poder regularizar seu patrimônio. A diretoria financeira da empresa constatou, então, a existência dos débitos judiciais.
No dia 30 de janeiro de 1997, o diretor-presidente da Ceagesp, Fuad Nassif Ballura, enviou o ofício Defin 018 ao procurador-geral solicitando "informes e posição atualizada a respeito da oitava parcela constante do acordo de desapropriação de área hoje integrada ao entreposto". A parcela vencera em 31 de dezembro de 1996.
Ballura ressaltou que a informação era importante no "processo de leilão de ações para privatização desta companhia, ora em fase de preparação". Ele observou que investidores interessados queriam ter acesso aos dados, inclusive quanto ao eventual acréscimo referente à atualização do valor pendente.
No dia 3 de fevereiro de 1997, a Procuradoria-Geral do Estado enviou à Ceagesp uma planilha com dados sobre processos (números de ordem e varas judiciais) e valores correspondentes a 20 desapropriações, somando R$ 267, 23 mil - afinal, a mesma soma repassada pela Fazenda para a companhia efetuar o pagamento de dez credores.
Fracasso - O processo de privatização fracassou. O governo chegou a autorizar a fragmentação da companhia - 12 armazéns foram vendidos por R$ 14 milhões para prefeituras; outros dois galpões, na Mooca e no Pari, foram negociados por R$ 3,2 milhões. Mesmo assim restou 90% do patrimônio. Em 1997, Covas deu início ao acordo de composição da dívida do Estado perante a União. O Banespa, a Fepasa e a Ceagesp foram federalizados como ativos necessários para cobrir a parte à vista da dívida. No primeiro dia útil de 1998, a Ceagesp passou para o Ministério da Agricultura.
Em maio de 1998 - cinco meses após a edição do decreto 42.653 -, a Ceagesp pagou seus precatórios. Com a quebra da ordem, os credores preteridos foram à Justiça requerer os sequestros. A Fazenda tentou convencer inutilmente o TJ com o argumento de que a Ceagesp já havia sido federalizada quando houve o pagamento. A terceira ordem de retenção da renda do Tesouro foi decretada pelo desembargador Márcio Martins Bonilha, presidente do TJ. Ele anotou que o governo não tem razão ao sustentar que os pagamentos foram feitos pela Ceagesp.
Segundo o desembargador, o Departamento de Precatórios do TJ registrou pagamento por parte da Fazenda, nada constando sobre a atividade de terceiro interessado na solvência do débito. "Em outras palavras, oficialmente quem pagou foi o Estado", decidiu Bonilha. Para o presidente do TJ, "a Fazenda utilizou-se de um estratagema com o fito de burlar a ordem cronológica, o que se mostra inadmissível ".