Cristiano Rodrigues Carneiro foi condenado a 17 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão e 7 meses e 3 dias de detenção pelos crimes de tentativa de feminicídio contra sua ex-companheira, Mariane Ariadne Medeiros Araújo, e pela lesão corporal de uma das filhas do casal. Todas as qualificadoras — feminicídio, motivo torpe e meio cruel — foram reconhecidas pelos jurados no Tribunal do Júri realizado em Londrina nesta quinta-feira (19). Os crimes ocorreram em 13 de março de 2017, cinco anos atrás. Ele foi acusado de atacar sua companheira utilizando diversos objetos, como ventilador, tijolo, cabo de vassoura, garrafa de vinho, chutes e socos. Ele responde também pelo delito de lesão corporal praticada contra a filha de um ano que estava no colo da mãe e foi derrubada durante o ataque.

Cristiano Rodrigues Carneiro é condenado por tentativa de feminicídio  em Londrina.
Cristiano Rodrigues Carneiro é condenado por tentativa de feminicídio em Londrina. | Foto: Gustavo Carneiro/Grupo Folha 22-02-2022

Vítima de agressões desde o início do relacionamento, ela chegou a registrar Boletim de Ocorrência contra Cristiano em 2014. Seguiu, porém, no casamento e mesmo após a tentativa de feminicídio, reatou com o acusado. Mãe de duas crianças, uma de três e outra de um ano de idade à época dos acontecimentos, Mariane era responsável pelos cuidados do lar e das crianças, enquanto Cristiano era o arrimo econômico da família e responsável integral pelo sustento de todos.

Consta no processo que Mariane chegou a pedir ajuda das autoridades e registrou boletim de ocorrência por duas vezes, mas ausentou-se dos exames de corpo de delito e apresentação de demais testemunhas sobre os fatos, alegando que sentia medo do acusado porque ele seria agressivo e usuário de drogas.

O Néias (Observatório de Feminicídios de Londrina) ressaltou que se trata de um ciclo vivenciado por muitas mulheres agredidas, especialmente quando existe dependência econômica desta para com o agressor. A defesa do réu tentou usar o fato para desqualificar a agressão, sem sucesso, uma vez que os depoimentos da vítima e de testemunhas confirmaram a seriedade das agressões. Um dos policiais que atendeu a ocorrência classificou o caso como um dos mais graves de violência doméstica já atendidos por ele.

A despeito do fato de Mariane ter mudado sua versão sobre o crime durante a instrução do processo, amenizando a responsabilidade do réu, motivada pelo medo das agressões que sofria continuamente, os jurados entenderam que houve o crime e Cristiano foi considerado culpado.

A defesa se esmerou na tentativa de emplacar a tese de legítima defesa e justificar as agressões como resultado das atitudes de Mariane. Segundo o réu, ela não seria boa mãe e não cuidaria bem da casa - argumentos corriqueiros que tem servido para justificar há muito tempo a violência doméstica. Ainda que fosse o caso, destaca-se a disparidade de cobrança do que seria uma “boa mãe” e um “bom pai”. O Observatório ressaltou que o fato de Cristiano ter cometido as agressões diante de sua filha de menos de dois anos não foi algo usado nos argumentos, destacando uma leitura patriarcal dos papéis sociais.

"Ressaltamos do caso de Mariane a importância de denúncia por parte da vizinhança. Ao ouvir gritos de socorro, uma vizinha chamou a polícia e essa simples atitude pode ter evitado a continuidade das agressões, que poderiam ter terminado com a morte de Mariane e duas crianças órfãs. Reiteramos que em briga de marido e mulher deve-se "meter a colher", contrariando o ditado popular.", diz a nota do Néias.

"Ao reconhecer todas as qualificadoras e impor uma pena justa ao agressor pelas sequelas físicas e psicólogicas deixadas na vítima, o júri reconhece, também, o contexto de vulnerabilização a que estão expostas muitas mulheres, contribuindo para derrubar estruturas opressoras e violentas.", complementou o texto encaminhado pelo observatório.

“Vulnerável economicamente e fisicamente, Mariane foi vítima por mais de 6 anos sem que ninguém interviesse ou fizesse algo por ela. O peso do sustento econômico, o medo de seu algoz e a solidão fizeram com que a vítima permanecesse sem pedir ajuda por todo esse tempo. Alcançar a ‘verdade’, como é o exercício da Justiça, em relações permeadas por poder, dominação e desigualdades, exige dos agentes envolvidos o melhor uso possível dos protocolos que orientam a adoção da perspectiva de gênero para investigar, processar e punir casos de feminicídios”, analisa o Informe 13 de Néias.

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