Em um ciclo que não parece ter fim, onde entrar é mais fácil do que sair, as organizações criminosas são uma das impulsionadoras da violência crescente nos dias de hoje. Para o promotor Leonir Batisti, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), o trabalho do crime organizado é pautado na obtenção de lucro, seja através de roubos e assaltos ou por meio do comércio de drogas e armas de fogo. Com uma atividade econômica, é necessário tratar a raiz do problema na busca por um fim da “guerra”.

Na última quarta-feira (7), o assunto das organizações criminosas ganhou destaque por conta de um confronto entre policiais e supostos criminosos, que terminou com seis pessoas mortas no Jardim Felicidade, zona norte de Londrina. De acordo com a denúncia recebida pela corporação, as pessoas envolvidas fariam parte de uma organização criminosa que estava, no momento, no chamado “tribunal do crime”.

Batisti pontua que a violência está crescendo à medida em que a sociedade fica mais enervada e rápida, em que é comum as pessoas brigarem por desavenças no trânsito ou nos locais de trabalho. Entretanto, para ele, o principal fenômeno impulsionador da violência é o crime organizado. “Existem pessoas que resolveram pautar a sua vida não buscando trabalho e não buscando viver licitamente. Eles querem viver de assaltos a carros fortes, de assaltos a caixas automáticos ou a casas de pessoas”, explica.

Outro fator que contribui para o cenário é o fato de que as figuras paternas e maternas, em muitos casos, não estão presentes na vida dos jovens, que acabam entrando na “vida do crime”. “Nós estamos diante desses problemas sociais que não são justificáveis ou aceitáveis, mas é a realidade crua na nossa cara”, afirma.

Leonir Batisti reforça que o tráfico, tanto de drogas quanto de armas, é um crime econômico, já que é um comércio em que as pessoas querem obter vantagem e lucro. “Então o fenômeno do crime organizado é isso. Eles começam a arregimentar pessoas, normalmente na prisão”, explica, complementando que cada pessoa dentro dessa organização passa a ter uma função definida.

Já o chamado “tribunal do crime”, de acordo com o promotor, é o que avalia as condutas aceitáveis ou não dentro da organização, como no caso traições entre membros ou de desertores que vão para outras facções. Dessa forma, a polícia, por outro lado, tem acesso a determinadas informações que motivam as ações.

“Só pelo fato de pertencerem a essas facções, eles já estão em flagrante de crime, que é o de organização criminosa. Então a abordagem da polícia é nesse sentido, de tirar de circulação essas pessoas porque eles vão cometer outros crimes”, explica. “Eu chamo bastante atenção [para o fato de] que não é porque três faccionados estão reunidos que a polícia está legitimada a chegar lá e matar o pessoal, não tem isso. No entanto, a polícia tem o direito de abordar e, se houver uma reação a essa abordagem, ela vai se defender”, reforça.

Segundo o promotor, para barrar o crime organizado é necessário fazer com que ele não cresça e não consiga arregimentar novos integrantes, tanto dentro quanto fora das cadeias. Ele pontua que quando um jovem inicia com pequenos trabalhos para o tráfico, cedo ou tarde ele vai passar a integrar a facção.

Além disso, frear as organizações criminosas também envolve a valorização do trabalho, assim como oferecer autoestima e dignidade às pessoas. “Para efeito repressivo, acredito que seja tirar o poder, descapitalizar, ou seja, ao saber que alguém é faccionado, eu reduzo a possibilidade de ele cometer crimes com benefício financeiro”, explica, complementando que o sequestro de bens é uma forma de descapitalizar as organizações criminosas e, assim, enfraquecer o sistema.

CONFRONTOS POLICIAIS

Leonir Batisti explica que em todas as situações em que são registradas mortes durante confrontos envolvendo as forças policiais é feito o acompanhamento através das promotorias locais. Ele ressalta que a apuração da dinâmica da ação é feita através de um inquérito policial, assim como o promotor responsável pelo caso pode solicitar laudos periciais do local dos fatos, já que nem sempre há testemunhas ou câmeras que possam ser utilizadas durante a apuração. De acordo com dados mais recentes, de 2022, foram registrados 488 mortes por confronto no Paraná, sendo que 50 foram em Londrina.

“O nosso papel não é fazer qualquer juízo no primeiro momento, mas tentar examinar o que aconteceu de fato”, aponta. No caso dos chamados “tribunais do crime”, geralmente os policiais recebem a informação de que determinadas pessoas pertencentes a organizações criminosas estariam atrás de matar outras. “A polícia vai lá, no primeiro momento, para evitar uma morte dessa natureza, chegando lá existe o enfrentamento”, explica, acrescentando que as formas com que a ação ocorreu são esclarecidas através de apuração.

Batisti afirma que cada vez mais o mundo está mais violento, ainda mais com a posse cada vez mais frequente de armas por parte da população. “Tentamos apurar se é verdadeira a versão policial, essa é a nossa questão, a polícia, como nós sempre falamos, não tem direito de, por uma pessoa ter assaltado alguém, matá-la”, aponta.

Entretanto, se o policial está ameaçado, o próprio Código Penal aponta como “lícito” perante a legítima defesa. “Nos enfrentamentos, invariavelmente, a versão é de que existiu uma legítima defesa, ou seja, a pessoa não cumpriu a ordem policial de se entregar e ainda estava com arma, então o policial já antecipa a defesa. Isso é a chamada legítima defesa em face de perigo iminente”, detalha. A partir daí, a apuração fica nas mãos das autoridades e, caso não seja identificada a legítima defesa, o policial é denunciado por homicídio.

Violência contra as mulheres

Também nesta quarta-feira (7), um outro crime chocou a população de Londrina e região: o feminicídio da empresária Cláudia Ferraz Maceo, 45, atingida por um golpe de faca na região do pescoço pelo então namorado Arthur Henrique Rockenbach, 30, motivado por ciúmes.

Martha Ramírez Gálvez, antropóloga e presidente do Néias (Observatório de Feminicídio Londrina), aponta que o Paraná está em terceiro lugar dentre os Estados que mais registraram feminicídios em 2023, sendo que, de acordo com dados do Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídio), foram 127 mulheres mortas no ano passado em decorrência da condição de mulher.

A pesquisadora aponta que o ciúme é algo que vem sendo romantizado há tempos, tanto em músicas quanto em filmes e novelas, já que seria um sinal de amor. Entretanto, segundo ela, o ciúme doentio, que leva a uma briga e a restrição da liberdade da mulher, é uma manifestação de posse por parte do homem que é vinculada à sociedade patriarcal que vê a mulher como um objeto. “[Ele vê a mulher como algo] que ele pode fazer o que quiser, inclusive tirar a vida”, destaca.

Para mudar o cenário, ela aponta que, a longo prazo, é necessário mudar a mentalidade e a cultura das pessoas através de formações nos colégios para apresentar aos jovens outras formas de se relacionar, além de trabalhar a questão do machismo e da masculinidade. “É um processo longo, mas que precisa ser iniciado agora. A gente precisa que, para essas gerações de crianças, essa questão [do feminicídio] não seja normalizada”, aponta.

Além disso, são necessárias políticas públicas e investimentos que permitam, por exemplo, o funcionamento 24 horas das Delegacias da Mulher, já que os crimes acontecem geralmente aos finais de semana. Gálvez também pontua que as forças de segurança precisam ser mais bem treinadas para atender casos de violência doméstica.

A sensação de insegurança vivida pelas mulheres, segundo ela, é outro ponto que precisa ser trabalhado, sendo que uma das ações deve ser a criação de redes de acolhimento e apoio. “Esse apoio precisa ser proporcionado pelo poder público através de acolhimento e de políticas que incentivem a procura desses serviços públicos”, explica, complementando que, a partir da denúncia na delegacia, as mulheres já podem ser encaminhadas para abrigos.