São Paulo - Pesquisadores de vacinas nacionais contra a Covid-19 têm receio de que seus projetos sofram falta de financiamento público por causa do recente corte de R$ 600 milhões no orçamento do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação). Alguns estudos já buscam outros meios de obter recursos, como campanhas de arrecadação na internet e parcerias com a iniciativa privada.

Imagem ilustrativa da imagem Cortes na Ciência afetam estudos de vacinas brasileiras contra a Covid
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O financiamento federal de pesquisas de imunizantes contra o coronavírus acontece desde o ano passado e é ressaltado pelos cientistas como de suma importância para o avanço dos estudos.

Mesmo antes do corte recente, alguns projetos já relatavam que o montante disponibilizado não era suficiente para suprir os gastos com os trabalhos. Assim, agora, o medo se torna maior. "Desde o começo do ano, nós temos visto que as promessas do MCTI estão demorando demais para serem cumpridas, isso quando são cumpridas. É um reflexo evidente da falta de dinheiro", afirma Emanuel Maltempi, professor de bioquímica da Universidade Federal do Paraná.

Ele coordena o projeto de uma vacina completamente nacional e que, por isso, poderia ter custos menores de fabricação. A pesquisa tem como diferencial, ele explica, o desenvolvimento de uma partícula recoberta com a proteína do coronavírus. "Essas partículas estimulam o sistema imune a produzir anticorpos contra a proteína do vírus. Essa é a novidade do estudo", diz Maltempi.

O projeto também pretende testar a aplicação do imunizante por via nasal, o que pode aumentar a resposta imune. No entanto, Maltempi afirma que "falta gente" para trabalhar nessa frente da iniciativa e, por isso, essa parte dos esforços foi adiada.

No momento, a pesquisa se encontra em estudo pré-clínico - quando são feitos testes em animais. A intenção era finalizar essa etapa até o final deste ano, mas, por conta de atrasos de orçamento, a perspectiva atual é que essa fase fique para o primeiro semestre de 2022.

Mesmo assim, existe a dúvida. Maltempi mostra-se receoso, principalmente, porque o novo corte no orçamento do MCTI "deve afetar novos editais que estariam programados para o ano que vem", aos quais ele pretendia concorrer.

Até agora a pesquisa de Maltempi recebeu do MCTI um investimento de aproximadamente R$ 237 mil em julho do ano passado. "É um valor pequeno, que foi suficiente para provar que o conceito funcionava", afirma o professor. Por isso, ele precisou buscar outros modos para financiar o estudo, como um aporte de aproximadamente R$ 700 mil do governo do Paraná. Também foi criada uma campanha na internet para a população colaborar com doações.

A meta é angariar R$ 76 milhões, valor que Maltempi estima ser suficiente para a fase de estudos em humanos. Por enquanto, segundo o portal da transparência da ação, foram reunidos cerca de R$ 182 mil. "Esse é um valor menor do que o de outros projetos, que podem chegar até R$ 300 milhões", afirma.

Professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), Jorge Kalil também desenvolve uma vacina nacional contra a Covid-19 e demonstra preocupações quanto ao futuro da pesquisa. Ele entrou na semana passada com pedido à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para iniciar testes em humanos.

O projeto, um spray imunizante aplicado pelo nariz, é realizado no laboratório do Incor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da USP e conta com verbas do MCTI, como um aporte, em abril do ano passado, de R$ 4,5 milhões.

Para seguir com os trabalhos, Kalil planeja inscrever a pesquisa em um edital do ministério para projetos que farão ensaios clínicos de fases 1 e 2. Em cada projeto selecionado, a pasta investirá até R$ 30 milhões, segundo o texto do edital. No entanto, o cientista preocupa-se se, diante do corte recente, o valor previsto será de fato liberado.

Kalil também ressalta que o corte na Ciência pode afetar os recursos para bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. São os bolsistas, ele lembra, grande parte da mão de obra da pesquisa brasileira - seu projeto no Incor não foge a esse padrão.

Para driblar as incertezas do momento, ele tem buscado apoio na iniciativa privada. "Estamos conversando com alguns laboratórios privados brasileiros que poderiam conduzir a vacina e que também participariam de todo esse esforço para fazer os testes", afirma.

A reportagem procurou o ministério para comentar o assunto, mas a pasta não respondeu até a conclusão da reportagem.