O orçamento confirmado de 2019 para o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) não será suficiente para a manutenção de bolsas de pesquisa pelo País. A UEL (Universidade Estadual de Londrina) afirma que, no mínimo, 580 pesquisadores serão prejudicados após o anúncio, nesta quinta-feira (15), da suspensão da indicação de bolsistas para iniciação científica júnior, que contempla alunos do ensino médio, iniciação científica e tecnológica, para estudantes da graduação, e pesquisadores da pós-graduação, como mestrandos e doutorandos.

Representantes da UEL e UEM reuniram-se com lideranças políticas, servidores e estudantes para discutir a situação
Representantes da UEL e UEM reuniram-se com lideranças políticas, servidores e estudantes para discutir a situação | Foto: Laís Taine

O dinheiro para o CNPq vem do Ministério da Ciência e Tecnologia. O investimento neste ano foi de R$ 800 milhões. O valor não seria suficiente para manter as bolsas de pesquisa. Silvia Meleti, diretora da pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação da UEL, conta que os pesquisadores dependem, principalmente, dos recursos do governo federal para o desenvolvimento de suas pesquisas. “Se não houver recomposição do orçamento para o CNPQ, vai haver suspensão de todas as bolsas a partir de setembro”, explicou.

Meleti também aponta que os valores das bolsas são relativamente baixos, de R$ 100, para iniciação científica júnior, até R$ 2,2 mil para os doutorandos. Os pesquisadores, ao concorrerem a bolsas, também precisam assinar termo de compromisso de não ter qualquer outro vínculo empregatício. Com a suspensão, muitos deixarão de desenvolver suas pesquisas em um quadro que a diretora aponta como “desastroso, já que o corte significa precariedade da agência de fomento”.

“Se o corte está vindo via bolsas de estudo, é porque não existe mais dinheiro no CNPQ para nenhum outro programa. Já suspenderam todos os editais de pesquisa e acredito que dificilmente esse quadro será revertido até o final deste ano. Não estou otimista, apesar de todos os esforços que a universidade tem colocado na tentativa de reverter essa situação”, apontou Meleti.

Segundo a UEL, o corte equivale a R$ 260 mil por mês a menos em recursos financeiros para manter atividades científicas da universidade. O reitor Sérgio Carvalho pede a mobilização das universidades públicas e da sociedade, explicando que a paralisação das pesquisas compromete o futuro do País. “É interessante que a sociedade brasileira consiga compreender essa importância da pesquisa, porque ela salva vidas. Não salva hoje, mas salva amanhã. A pesquisa nos faz viver mais, porque descobre medicamentos, procedimentos, alimentos mais adequados etc. O conforto social é proveniente da pesquisa”, defendeu.

NACIONAL

As bolsas vigentes serão mantidas apenas até este mês, com pagamentos referentes em setembro. Depois, sem investimentos, é possível que pesquisadores paralisem seus projetos, conforme apontou o presidente da Anpoll (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística) e professor da UEL, Frederico Fernandes. “Demanda um trabalho muito grande. Não sei se esses pesquisadores continuarão no projeto. Isso é muito sério e a Anpoll está preocupada. Com esses cortes, pesquisas e projetos em andamento correm o risco de parar e trazer um impacto grande para a sociedade”, disse.

Para Fernandes, o corte das bolsas pode ser o prenúncio de uma situação mais grave: o fim da agência. Fernandes comentou que, nas conversas de bastidores, se fala em fechamento do CNPq, já que, de 10 mil funcionários, a agência estaria funcionando com cerca de 250, o que tornaria o trabalho “inoperante e insuficiente”.

A falta de investimento para agências de fomento científico já ocorre desde o governo Michel Temer, segundo Fernandes, o que sinalizava a possibilidade de junção das duas principais agências: o CNPq e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). “Isso assusta muito porque as duas agências têm papéis distintos, uma é mais voltada para a formação de pessoal e a outra é voltada para setores estratégicos da pesquisa.”

A fusão com a Capes não é oficial, mas, para Fernandes, pode ser um primeiro passo para isso, já que as novas contratações de bolsas nacionais do CNPq não serão feitas. “A única possibilidade seria uma ação direta do presidente Jair Bolsonaro, mas não há nada no horizonte de que ele pudesse fazer algum aporte para a sobrevivência e manutenção da agência”, afirmou.

MINISTÉRIO

O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, declarou em entrevista coletiva nesta quinta-feira (15) que a situação do corte das bolsas "está sendo resolvida" e que há negociações com a Casa Civil em andamento. Enquanto isso, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) movimenta uma petição com quase 130 mil assinaturas para cobrar investimentos no CNPq. A ideia é que o abaixo-assinado seja enviado à Câmara e ao Senado para pressionar o governo.

PERIÓDICOS

Dados do CNPq de 2015 mostram que as engenharias e Ciências Exatas ficam com a maior parte dos investimentos da agência no País. No ano passado, as universidades estaduais do Paraná divulgaram um levantamento mostrando que 18 periódicos científicos foram publicados pelo CNPq, que mantinha também 1.744 bolsas de iniciação científica e 377 de iniciação tecnológica e industrial no Estado.Gustavo Nicola Tibério,19, pesquisa a produção de um novo biomaterial que reutiliza plástico e resíduos agroindustriais. Sem a bolsa, ele terá que contar com apoio financeiro de familiares para conseguir seguir com o projeto. "Mas não é como eu gostaria. Além de me manter, eu usava o dinheiro da bolsa para comprar materiais para conseguir dar continuidade ao projeto. Provavelmente a pesquisa vai demorar muito mais tempo do que seria necessário, até porque eu não poderei mais me dedicar totalmente ao laboratório", disse.Bolsista do CNPq pela Iniciação Tecnológica na UEL, Tibério apontou que leva tempo para receber os pedidos de material e licitações para produtos, mesmo que em pequena quantidade, para uso no laboratório. "Então utilizamos dinheiro da bolsa para alguns materiais necessários no dia a dia", contou.

Para quem já conta com a bolsa, como é o caso de Tibério, que recebe pelo CNPq há seis meses, o dinheiro virá até setembro. "Nós já estamos bem desacreditados que as bolsas serão liberadas devido à postura do governo federal em relação à tecnologia e à ciência, quando falamos principalmente de universidade pública", lamentou.

Segundo a diretora do Colégio de Aplicação da UEL, Tânia Fernandes, já foi feita uma seleção recente de 21 estudantes secundaristas para a iniciação científica júnior na UEL. Pais, alunos e professores chegaram a traçar projetos para os próximos 12 meses, mas o CNPq anunciou a suspensão de novas bolsas. “Realizamos a sensibilização entre os alunos da importância em participarem deste programa, fizemos a seleção e 21 preencheram todos os documentos necessários para a inclusão no programa. No entanto, fomos informados que o CNPQ anunciou que nenhuma bolsa de iniciação científica poderá ser implementada. Realizamos, nesta sexta-feira (16), uma reunião com os estudantes e colocamos eles a par desta triste notícia. Não podemos deixar de notar a frustração em nossos alunos”, afirmou.

A diretora do colégio lamentou a situação já que sabe “da importância desta experiência para os estudantes que, no ensino médio, buscam enriquecer a formação para pleitear em breve uma vaga na universidade”.

RESIDENTES

As universidades estaduais enfrentaram outro imbróglio no último mês, desta vez envolvendo as bolsas de residência. Após um bloqueio pela Sefa (Secretaria Estadual da Fazenda) na folha de pagamento no mês de julho, as universidades tiveram que alocar recursos internos para custear as bolsas dos estudantes da área da saúde. Nesta sexta-feira (16), representantes da UEL e UEM (Universidade Estadual de Maringá) reuniram-se com lideranças políticas, servidores e estudantes para discutirem a situação. Neste encontro, foi divulgada a assinatura do decreto de recomposição dos recursos no valor de R$ 8 milhões para bancar bolsas de residência até dezembro. Os valores para compensar editais para o ano seguinte ainda serão discutidos.

O problema surgiu porque a Sefa mudou o entendimento sobre a forma de pagamento dos residentes. Desde 1972, esses estudantes entravam como funcionários da universidade. A UEL abriga 440 residentes em diferentes especialidades que trabalham em vários hospitais e instituições de saúde de Londrina e região recebendo bolsa de R$ 3.330,43 por jornada de 60 horas semanais, muitos com dedicação exclusiva, sem direito a férias nem 13º salário.

Dos 440 residentes, 360 estão no HU. “É uma boa notícia que agora estejamos garantidos até dezembro, mas fica o desafio de buscarmos manutenção e garantia no LOA (Lei Orçamentária Anual) para o próximo ano. Fica a preocupação, pois não temos garantias”, afirmou Vivian Feijó, superintendente do HU.

Segundo Joice Cruciol, coordenadora das residências não médicas da UEL, o trabalho desses estudantes beneficia a comunidade, pois muitos atuam em UBS (unidades básicas de saúde) e em outras instituições onde o serviço chega a representar 90% da mão de obra, como o HV (Hospital Veterinário).

O deputado Tiago Amaral (PSB), relator do Orçamento do Paraná, participou da reunião. “É uma questão absolutamente técnica, pois não se trata de servidores, mas de bolsas de estudo destinadas à compensação para formação da área. Essa reclassificação da despesa foi uma solução encontrada para resolver a situação. Estamos tirando do orçamento”, afirmou.

Os valores são suficientes para bancar as despesas com residentes até dezembro deste ano, mas as residências vão até fevereiro. O deputado afirmou que o orçamento para o próximo ano ainda será discutido, mas orienta as universidades a já classificarem as despesas no novo modelo exigido pela secretaria. Os deputados Tercílio Turini (PPS) e Evandro Araújo (PSC) também participaram da reunião.