Nos últimos seis anos, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações caiu quase 60%, de R$ 6,55 bilhões em 2015 para R$ 2,73 bilhões neste ano. O corte de verbas já afeta as pesquisas no Paraná e em todo o país. E mais: existe o temor de ‘apagão científico’ caso o quadro se agrave.

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O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Francisco Mendonça, pontua que a redução de verbas faz com que muitas pesquisas não possam mais ser desenvolvidas. “Cerca de 90% da produção científica brasileira é feita nas universidades públicas e nessas universidades é aonde chegam os recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia. A retirada desses recursos impacta no corte de pesquisas e nas bolsas de pesquisadores e de estudantes que necessitam desse suporte para desenvolver o conhecimento”, diz.

Ele acrescenta que, na prática, grande parte da pesquisa brasileira tem que ser parada e reduzida a uma mínima quantidade. “Isso faz com que o conhecimento no País sofra um abalo histórico. E o conhecimento científico é aquele que está na base de desenvolvimento de uma sociedade. Com um corte desses em um país com a riqueza do Brasil, significa dizer que o país volta a ser, como em um passado não muito distante, totalmente dependente da inovação externa, de outros países que investiram muito no conhecimento porque têm nele um suporte para o desenvolvimento.”

Presidente da Anpoll (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística) e conselheiro da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), o docente da UEL Frederico Fernandes acrescenta que o desenvolvimento científico e tecnológico é um projeto de Estado. “Além de legitimar a soberania nacional, é responsável pela promoção da melhoria da qualidade de vida e da igualdade social”, pontua.

Frederico Fernandes aponta que corte de verbas afeta desde o agronegócio à formação escolar
Frederico Fernandes aponta que corte de verbas afeta desde o agronegócio à formação escolar | Foto: Arquivo UEL

REFLEXOS

Fernandes aponta que os cortes já provocam reflexos imediatos no sucateamento de laboratórios, na construção de equipes de trabalho, na aquisição de material bibliográfico e na disseminação científica. “É algo muito sério com implicações no desenvolvimento científico de toda a região, afetando desde o agronegócio à formação escolar e minando, na sua raiz, o desenvolvimento de potenciais talentos da ciência”, completa.

O pró-reitor da UFPR acrescenta que a situação se agravou nos últimos cinco anos, quando se instalou no Brasil uma outra forma de governo que não valoriza o aspecto científico. “Ao contrário, nos últimos anos existe uma apologia à ignorância. Isso leva a uma desvalorização dos indivíduos e das instituições que investem no conhecimento, na inteligência, no desenvolvimento com base científica.”

QUEDA NO RANKING

O Brasil caiu da 72ª para a 80ª posição entre 2019 e 2020 no ranking global de competitividade de talentos, elaborado pela instituição francesa Insead, uma das principais escolas de administração do mundo. Segundo Mendonça, o Brasil é um país onde muitas pessoas deixam para buscar lá fora melhores condições de vida nesse quesito, o que vem sendo chamado de "fuga de cérebros".

“Não se trata apenas de remuneração. Trata-se da possibilidade de desenvolverem melhores condições do trabalho, de poder aplicar a criatividade nos processos de desenvolvimento da sociedade. E aí vem toda uma condição de segurança, de qualidade e de condições de vida que o nosso país vai deixando muito de lado. A ‘fuga de cérebros’ resulta de uma situação de desvalorização dos pensadores no próprio país, fato que nós estamos assistindo gravemente.”

Francisco Mendonça destaca que cerca de 90% da produção científica brasileira é feita nas universidades públicas
Francisco Mendonça destaca que cerca de 90% da produção científica brasileira é feita nas universidades públicas | Foto: Arquivo UFPR

'COMEÇOU A DESPENCAR'

Pesquisa feita nos anos de 2018 e 2019 levando-se em conta o período compreendido entre 2006 e 2016 mostrou uma realidade muito melhor nesse sentido. “Fizemos um diagnóstico da fixação do profissional, numa exaustiva pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Estratégicos, com financiamento do Ministério da Ciência, no qual vimos que cerca de 80% dos profissionais formados na pós-graduação estavam empregados no Brasil”, afirmou o docente Frederico Fernandes.

Ele destaca que tais dados, na época, equiparavam-se ou eram ainda melhores do que os apresentados no Canadá e nos Estados Unidos para a área. “De 2016 para cá os investimentos caíram consideravelmente e a curva de alta apresentada nos anos anteriores começou a despencar. Na época havia concursos públicos e boa parte da geração de doutores formados pela UEL conseguiu emprego, por meio de concurso público em instituições de ensino superior públicas, algo que infelizmente não tem acontecido mais.”

PROFESSOR DA UEL TEM CARREIRA NO EXTERIOR

O professor Ricardo Codinhoto deixou o Brasil há mais de 15 anos, inicialmente para ter uma experiência internacional antes de fazer o doutorado em território nacional. Mas as oportunidades se abriram e ele segue carreira lá fora. Formado em arquitetura pela UEL e com mestrado em engenharia civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele fez doutorado na Universidade de Salford, no Reino Unido. Hoje é professor associado da Universidade de Bath, na Inglaterra.

Formado pela UEL, o pesquisador Ricardo Codinhoto trabalha hoje na Universidade de Bath, na Inglaterra
Formado pela UEL, o pesquisador Ricardo Codinhoto trabalha hoje na Universidade de Bath, na Inglaterra | Foto: Arquivo Pessoal

Incialmente, Codinhoto deixou Londrina para trabalhar no Centro de Pesquisa da Universidade de Salford, um dos mais avançados na área de construção civil. “Fazia pesquisas para projetar hospitais com base em pesquisa científica. Cheguei com um contrato de 18 meses e aceitei porque queria ter uma experiência internacional antes de começar o meu doutorado no Brasil.”

Depois, ofereceram extensão do contrato para três anos e também para custear o doutorado na universidade enquanto ele trabalhava no Centro de Pesquisa. “Eu também busquei desenvolver a minha prática em sala de aula. Já tinha dado aula na UEL e na Federal do Rio Grande do Sul depois do meu mestrado, mas não tinha essa experiência internacional. Um dos professores tirou licença e peguei umas aulas. Acabei quase dando a disciplina toda. No final, tive uma das melhores avaliações entre todos os professores”, relembra.

Quando o contrato de pesquisa estava para acabar, ele concorreu a uma vaga de professor e foi selecionado. Após 10 anos na Universidade Salford, atuando como coordenador de 3 cursos de mestrado e 2 cursos de graduação, apareceu para ele uma oportunidade na Universidade de Bath, na Inglaterra, de ótima reputação.

De início, ele foi contratado para liderar a implementação de um programa novo de mestrado. Hoje, é diretor de ensino do Departamento de Arquitetura e Engenharia Civil e supervisiona todos os cursos de graduação e pós do departamento. “Quando saí do Brasil, em 2005, meu salário era de R$ 1.200,00 por mês. Dava para eu pagar um aluguel num lugar muito pequeno, havia todas as dificuldades e era um contrato por tempo determinado, havia incerteza se continuaria no trabalho ou não”, relembra.

Ele acrescenta que no Brasil, em geral, os valores para pesquisa são muito baixos. “Mesmo ganhando pouco, às vezes eu tinha que comprar material para poder fazer pesquisa. Fazia pesquisa em habitação de interesse social, tentando melhorar a construção desse setor. Muitas vezes tive que me deslocar até os empreendimentos com dinheiro do meu bolso. Já era pouco e tinha que pôr mais dinheiro.”

Na Inglaterra, ele comenta que as pesquisas são subsidiadas com valores bastante altos. “Existe uma continuidade das pesquisas, a universidade cria espaço para que você consiga preparar propostas novas e submeta enquanto está trabalhando, tem todo um apoio.”

Outro ponto positivo lá fora é a relação indústria-universidade. “O setor acadêmico tem uma visão bastante teórica no Brasil, as pesquisas com mais cunho prático ou de desenvolvimento de tecnologia acabam tendo menos incentivos, até porque as empresas trabalham em uma velocidade muito mais rápida que a universidade, então fica difícil trabalhar junto. Aqui todo o meu trabalho é feito em parceria com empresas. Isso facilita muito. As empresas vêm até a universidade”, compara.

Hoje, a maneira de retribuir toda a sua formação no Brasil (Codinhoto fez todo o ensino em escola pública até o mestrado aqui) é oferecendo palestras para as instituições de ensino superior no Brasil, de forma gratuita. “Consigo ter acesso a recursos financeiros internacionais para desenvolver pesquisa em parceria com universidades brasileiras. Atuo como colaborador em 2 projetos das USP no momento e contribuo para o programa de doutorado em arquitetura da UEL”, completou.

O pesquisador entende que muito do êxodo de pesquisadores no Brasil é em função das dificuldades que vêm do governo, por um lado. “Mas por outro lado existe a necessidade de uma campanha para a valorização da pesquisa que é feita no País.”

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| Foto: Folha Arte

A TODO VAPOR

Mesmo com a redução das verbas para pesquisas, universidades paranaenses têm mantido a formação de especialistas, mestres e doutores a todo vapor.

Entre abril do ano passado até meados deste ano, a UFPR titulou mais de 2 mil mestres e doutores nos 91 programas de pós strictu sensu. “A proposta para eles saírem do Brasil em função de ofertas de trabalho e melhores condições de vida e reconhecimento lá fora tem sido muito tentadora”, diz o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPR, , Francisco Mendonça.

Ele acrescenta que, dentro da instituição, colegas têm deixado o país, ora para passar 1, 2 ou 3 anos lá fora, ou rompem contrato com a instituição. “Isso significa dizer que as melhores condições de vida lá efetivamente puderam fixá-los em outro país e a produção do conhecimento deles lá fará uma grande diferença em novos contextos.”

A UEL, por sua vez, formou desde março do ano passado, quando eclodiu a pandemia, 141 doutores, 402 mestres e 778 especialistas, segundo dados da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. “O contexto da pandemia tem deixado o país pouco atrativo para jovens. Crises econômicas, como a que tivemos nos anos de 1980 e estamos tendo agora, são grandes impulsionadores da saída de brasileiros”, aponta o professor da UEL, Frederico Fernandes.

A solução para a questão estaria principalmente no maior investimento. “Não há outro caminho. Precisamos urgentemente recuperar os recursos para as pastas de Ciência e Tecnologia e Educação que estão, desde 2015, em franca redução. A abertura de postos de trabalho por meio de concursos públicos é também uma saída imediata e eficaz”, afirma Fernandes

SEM RESPOSTA

A reportagem contatou a assessoria de imprensa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações para questionar o que a pasta vem fazendo para minimizar a redução de verbas nos últimos anos, mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem.

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