Porto Seguro, BA, 21 (AE) - A Conferência dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, iniciada no dia 18 com a dança do toré, terminou hoje em clima de tensão. Os representantes indígenas do Estado do Amazonas romperam com os demais participantes do encontro, após serem derrotados na votação sobre participar ou não de um encontro com Fernando Cardoso, durante as celebrações oficiais de amanhã (22). A maioria das delegações votou contra o encontro.
Diante disso, a delegação amazonense retirou-se do encontro, sendo acompanhada por parte dos pataxós que vivem na região histórica de Porto Seguro e alguns representantes de Rondônia. Apesar da divergência a respeito do encontro com o presidente e do abandono da conferência, até hoje à noite os índios do Amazonas não haviam confirmado oficialmente se iriam mesmo se encontrar com o presidente. Hoje à tarde, em reunião paralela à conferências eles redigiram um documento para entregar a Fernando Henrique, mas não se sabe quando isso será feito e em que local.
Entre os organizadores dos festejos oficiais, o clima era de expectativa. Nos últimos dias, emissários do governo mantiveram encontros com líderes pataxós, tentando convencê-los a participar da festa. Uma das principais preocupações do governo é a possibilidade de não aparecer nenhum representante indígena para as celebrações. O articulador desses encontros foi Ivo Lima, representante do ministro Rafael Greca.
Os índios que deixaram a conferência sentiram-se desrespeitados durante os debates e com os resultados da votação. Acharam que deveriam ser ouvidos com mais atenção pelo fato de representarem quase todos os índios da região amazônica, onde estão concentradas 90% das terras demarcadas do País e 60% da população indígena. Na opinião do índio macuxi José Adalberto Silva, um dos que romperam, os índios precisam dialogar com o presidente.
Para a maioria das representações da conferência, porém, encontrar-se com Fernando Henrique seria interpretado e explorado como a aprovação aos festejos oficiais, que os índios condenam. "Não viemos aqui pleitear convite para festa do governo, mas para denunciar ao mundo nossos problemas", disse o vice-cacique Nailton, um dos pataxós que permaneceram com a maioria.
O racha criou um clima de tensão no encontro. Por volta das 16 horas, o cacique anfitrião, Carajá, de Coroa Vermelha, começou a impedir a entrada de jornalistas e de pessoas de outros movimentos na Conferência. Agentes indígenas de segurança que ele enviou para o local começaram a espalhar a notícia de que os assessores do Conselho Indigenista Missionários (Cimi), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), seriam expulsos do encontro.
Manifesto - O pataxó Zeca, um índio alto e forte, usando camiseta da Funai e de walkie talkie em punho, disse: "O grande problema desse encontro é o Cimi, que divide os índios." No início da noite, porém, a portaria foi novamente liberada. O último ato do encontro, que reuniu quase três mil representantes de 140 povos indígenas de todo o País, foi a leitura do manifesto que eles terminaram de redigir à tarde.
O documento enumera 20 exigências e propostas para o Estado brasileiro. A primeira delas é: "Cumprimento dos direitos dos povos indígenas garantidos na Constituição Federal." Na sequência, eles detalham esses direitos, podendo ser destacados entre eles: demarcação e regularização de todas as terras indígenas, até o final deste ano; garantia e proteção dessas terras; devolução das terras reivindicadas por diversos povos espalhados pelo País inteiro; ampliação dos limites das áreas insuficientes para a vida e o crescimento das famílias; e retirada de todos os invasores das terras demarcadas.
Entre as outras exigências aparecem: imediata aprovação da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas que tramita no Congresso, com as propostas feitas por eles; a apuração de todos os crimes cometidos contra os índios nos últimos vinte anos; e o respeito à cultura, tradição, língua e religião dos diferentes povos.