Desde a adolescência, o jovem L.M., de 26 anos, enfrenta a dependência química. Hoje acolhido em uma comunidade terapêutica (CT) de Londrina, passou os últimos seis anos por instituições que oferecem atendimento aos dependentes de álcool e outras drogas.

A Procuida atua há sete anos na modalidade de acolhimento, mas já está há 12 na cidade
A Procuida atua há sete anos na modalidade de acolhimento, mas já está há 12 na cidade | Foto: Gustavo Carneiro

Ele é um dos 25 acolhidos da Procuid, e está há cinco meses em tratamento no local. O rapaz afirma que tem vivido em um espaço eclético e de respeito na instituição.

“O diferencial que eu encontrei aqui e que eu tenho vivido é me tratar com respeito, como uma pessoa que tem uma doença, mas que pode ter uma vida normal como qualquer outra pessoa”, relata.

Outro acolhido, J. A. S., de 46 anos, está em sua primeira experiência em uma comunidade terapêutica. Tendo sua vida marcada pelo consumo cruzado de álcool e outras drogas, ele completou sete meses de tratamento.

“É a primeira comunidade e para mim está sendo uma experiência totalmente diferente. É diferente do que você ouve falar. Do tempo que eu tenho de uso, ficava meio ‘ressabiado’ de entrar e viver dentro de comunidade”, diz.

A Procuid é uma das cinco comunidades terapêuticas em funcionamento em Londrina que estão cadastradas no Conselho Municipal de Políticas sobre Álcool e Drogas. Além disso, três locais de atendimento ambulatorial têm cadastro.

Esse modelo de atendimento cresceu nos últimos anos com a criação da Senapred (Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas) no governo de Jair Bolsonaro (PL). Mas, com a mudança de gestão, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva extinguiu a pasta e criou o Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas, dentro do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

“Algumas comunidades terapêuticas menores, com menos estrutura, podem até ter a existência colocada em risco”, acredita Williams
“Algumas comunidades terapêuticas menores, com menos estrutura, podem até ter a existência colocada em risco”, acredita Williams | Foto: Gustavo Carneiro

O diretor-presidente da Procuid, Diarley Williams, afirma que atualmente o cenário é de incertezas. No caso da instituição que dirige, 12 das 25 vagas são custeadas por um convênio com o governo federal. Outras quatro são destinadas a um convênio com a Prefeitura de Londrina, e três com a administração do município de Andirá - essas vagas municipais têm o Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) como porta de entrada.

“O que nos preocupa agora é a transição do governo. Essa questão das 12 vagas está muito incerta. A gente teve um avanço muito grande nos últimos anos com a criação da Senapred e no segundo dia de governo caiu essa secretaria”, afirma Williams. Junto do apoio financeiro, ele destaca ações de políticas públicas implementadas pelo órgão, como a criação de leis e a capacitação de profissionais que atuam em CTs.

Com a criação do novo departamento, o responsável pela Procuid acredita que o trabalho e os diálogos serão reiniciados. No entanto, caso haja corte desses recursos, o modelo pode ficar em risco. “Algumas comunidades terapêuticas menores, com menos estrutura, podem até ter a existência colocada em risco”, acredita.

Procurada pela reportagem, a Confenact (Confederação Nacional das Comunidades Terapêuticas) afirmou que, segundo os contatos e diálogos mantidos desde o final de 2022, “há a manifestação do atual governo pela continuidade dos repasses financeiros e renovação dos contratos firmados, visto que há recursos no Orçamento 2023 do Governo Federal (junto ao MDS) para esta finalidade, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionado pelo executivo”. A Confederação informou ainda que “há o compromisso de continuidade da utilização dos serviços de acolhimento e tratamento de pessoas dependentes e suas famílias nas CTs. Estes diálogos estão acontecendo até o presente momento.”

MODELO

A Procuid atua em Londrina há sete anos na modalidade de acolhimento, mas existe há 12, quando realizava atividades de conscientização e prevenção às drogas. É oferecido um programa de nove meses para homens maiores de 18 anos.

A entidade garante ações de educação física, com um profissional da área, além do atendimento semanal com uma psicóloga, oferta de palestras e realização de ações culturais.

Uma das pessoas acolhidas pelo Procuid que concluiu o programa é Sérgio da Silva, 50, que agora trabalha como monitor na Comunidade Terapêutica. Ele passou por outros locais e, antes de ser acolhido, estava em situação de rua.

Com a saída de outro monitor, Silva, que estava com sete meses de tratamento, foi convidado para ocupar o posto. Ele permaneceu mais sete meses trabalhando e morando na comunidade, até poder alugar sua própria casa.

“Eu aluguei uma casa, comprei os móveis e meu filho mora comigo”, afirmou, destacando que fez cursos sobre monitoria e dependência física. “Eu sou o único [monitor] que já foi dependente químico. Com o olhar, eu já sei se a pessoa está em crise, como está.”

O profissional acredita que esse é um trabalho de humanização, já que a maioria dos que chegam à instituição já perdeu vínculos familiares.

FISCALIZAÇÃO

A presidente do Conselho Municipal de Políticas sobre Álcool e Drogas, Marilena Jordão Pescuma, explica que o cadastro no órgão é um dos passos para a regularização das comunidades terapêuticas em Londrina. “A gente faz a fiscalização e vistoria, primeiramente para orientar. Porque existem regras de como uma comunidade precisa funcionar”, esclarece.

Pescuma também afirma que há uma rede de atendimento aos dependentes químicos composta por trabalhos ambulatoriais, que contribuem com a prevenção, pelo Caps-AD, para pessoas que têm comorbidades, e pelas CTs.

“Dentro da comunidade é feito todo um trabalho de palestras, conscientização, terapia. Eles são acompanhados por psicólogos, médicos. Todos os modelos são necessários, são importantes”, acrescenta.

No total, as comunidades de Londrina oferecem 20 vagas sociais por meio de convênios com o município e outras 100 com recursos federais.

NORMAS

Para funcionar, as comunidades terapêuticas devem seguir regras sanitárias da Anvisa e garantir o respeito à pessoa e à família, independentemente de etnia, credo religioso, ideologia etc. Também há determinações como a obrigatoriedade de que a permanência seja voluntária, possibilidade de interrupção do tratamento a qualquer momento, proibição de castigos físicos e morais e manutenção da saúde do residente.

Na avaliação do diretor, nos últimos anos houve uma “banalização” da nomenclatura “comunidade terapêutica”, o que resulta na existência de locais não adequados para o tratamento dos acolhidos.

Williams, que há 22 anos foi acolhido numa casa de recuperação, diz que foi submetido “a situações que hoje jamais teria coragem de reproduzir”. “Como eu disse, chega para fiscalização e a placa que está lá na frente é de comunidade terapêutica, mas está muito longe de ser. O Senapred teve essa atenção de capacitar esses líderes, de como adequar os ambientes, de dar essa instrução. Porque existem pessoas mal-intencionadas, que estão longe de querer fazer aquilo que é correto, porém existem aqueles que querem fazer, mas não estão devidamente instruídos."

O acolhido J. M relata que já teve experiências negativas, em outra comunidade, quando, mesmo ocupando uma vaga social, a família precisava pagar por sua permanência. Também diz que há espaços que não têm profissionais qualificados e abordam a dependência química apenas por um caráter religioso. “A dependência química é uma doença completa. Ela atinge todas as áreas da sua vida, e infelizmente só a religião não vai conseguir resolver o problema”.

“Eu acho que devem ser feitas essas fiscalizações. Alguns trabalhos devem ser tratados e punidos com rigor. Porque, e é uma denúncia que eu faço, existem muitas pessoas mal-intencionadas que se aproveitam da vulnerabilidade do indivíduo para exploração da mão de obra”, acrescenta Williams. “A pessoa chega para um acolhimento e, com dez, 15 dias dentro da comunidade, coloca para trabalhar o dia todo na rua, não está tendo nenhum tipo de atendimento. É a mão de obra que está sendo explorada”.

REFLEXOS

O acolhimento das comunidades terapêuticas dentro do governo federal gerou algumas manifestações contrárias. O CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) divulgou uma recomendação ao ministério para que se realize uma “auditoria e inspeção nacional em todos os contratos, convênios e termos de parceria com as comunidades terapêuticas firmados pela antiga Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas". Outras entidades que se posicionaram contrárias à criação do departamento são a Abrasme (Associação Brasileira de Saúde Mental) e a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

A Confenact disse que “infelizmente o CNDH tem um posicionamento contrário ao acolhimento e tratamento de pessoas dependentes do álcool e outras drogas e suas família de longa data, realizado pelas organizações sociais (OSC), tendo uma visão ideológica de esquerda, de caráter político-partidário, que é contra os serviços prestados pelas entidades sem fins lucrativos de forma geral, contrariando todo o conhecimento técnico, científico e recomendações da OMS, quanto a visão holística a ser considerada no atendimento de pessoas dependentes”.

Procuid é uma das cinco comunidades terapêuticas cadastradas em funcionamento em Londrina
Procuid é uma das cinco comunidades terapêuticas cadastradas em funcionamento em Londrina | Foto: Gustavo Carneiro

Segundo a Confederação, dados que constam da Nota Técnica n° 21 do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2017, apontam que 2 mil CTs estavam instaladas no Brasil naquele ano, com cerca de 83,6 mil vagas para tratamento.

Procurada, a Secretaria de Saúde de Londrina não respondeu aos pedidos de entrevista.

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