Comitê publica carta para prevenir e qualificar a judicialização da saúde
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 03 de fevereiro de 2021
Vitor Ogawa - Grupo Folha
O Comitê Executivo de Saúde de Londrina publicou uma carta aberta às instituições públicas e privadas, aos profissionais que atuam no combate à Covid-19 na região de Londrina e à sociedade em geral. A comissão é formada por representantes de órgãos públicos dos Poderes Executivo e Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil, de instituições públicas e particulares que atuam na área da saúde, de conselhos profissionais, além de profissionais da saúde e da área jurídica. O Juiz Federal da 3ª Vara Federal de Londrina, Bruno Henrique Silva Santos, afirmou que a carta tem como propósito discutir a judicialização da saúde. “É uma oportunidade de evitar que as demandas cheguem à justiça por meio de um diálogo direto. Se eventualmente elas surgirem, essas discussões devem ser resolvidas de forma harmônica”, declarou.
“Com base nessas discussões encontramos pontos de vista que foram defendidos pela maioria dos representantes do comitê. A carta conclama a cada uma das esferas de responsabilidade a atuar de forma firme, responsável, qualificada, técnica e harmônica”, declarou.
A superintendente do HU de Londrina, Vivian Feijó, destacou que atitudes como esta, do comitê, fortalecem a rede de atenção em saúde no enfrentamento da pandemia, além de qualificar a assistência prestada a todo cidadão acometido pela doença. “Traz luz aos protocolos clínicos validados e evidências científicas. Pode minimizar ruídos que muitas vezes atrapalham e retardam o processo de tratamento da doença”, apontou.
“Este comitê é representativo. Se faz emergente a união de forças entre as autoridades de saúde, judiciário, sociedade civil organizada e população para que possamos de fato fortalecermos esse enfrentamento. Me parece que pedir intensificação das medidas de prevenção não está mais fazendo eco e tememos um crescimento demasiadamente acelerado na nossa região, acarretando pontos de sobrecarga no sistema de saúde. Não podemos correr o risco de não darmos conta da demanda ,acima de tudo somos uma região privilegiada em infraestrutura e por enquanto estamos equilibrados, mas tudo é muito dinâmico em termos de suprimentos e número de contaminados internados, mas pode alterar o cenário a qualquer momento. Este ato do comitê traz concretude às nossas ações e preocupações. Acima de tudo, minimiza o risco de não darmos conta da demanda, trazendo luz a real à situação dos serviços de saúde e seus indicadores apresentados junto às autoridades e população”, destacou.
“A vacina está aí, mas a pandemia não acabou. Prevenção ainda é atitude proativa no combate da pandemia”, destacou a superintendente.
SOBRECARGA
A comissão alerta que o expressivo aumento da demanda por atendimentos médicos e hospitalares causado pela pandemia da Covid-19 vem sobrecarregando de forma bastante preocupante os serviços de saúde da região de Londrina em todos os seus níveis. Ela chama a atenção para a Resolução do Coesp (Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública) resultante da reunião realizada dia 28 , que informa que “os números de casos confirmados e notificações de síndrome gripal nas últimas semanas são os maiores observados desde o início da pandemia em Londrina”, o que colocou o município na condição de “Risco Muito Alto –roxo, dentro da classificação do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde).
A missiva reforça que os efeitos concretos da recém-iniciada vacinação no Brasil demandarão certo tempo para serem verificados porque a aplicação das doses será progressiva e dependente de questões complexas a serem solucionadas, como disponibilidade de insumos e cronograma de aplicação.
“Para evitar o colapso da saúde pública que já vem sendo observado em outras regiões do país, é indispensável que todas as instituições envolvidas direta ou indiretamente no combate à pandemia assumam as suas responsabilidades de forma integrada e harmônica, e que a sociedade civil contribua ativamente para a prevenção da disseminação do vírus”, ressalta. O texto aponta que diretrizes importantes podem se tornar obsoletas em um curto espaço de tempo. “É necessário que as autoridades sanitárias atualizem os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas na mesma velocidade com que o conhecimento é produzido pela comunidade científica e que eles sejam lastreados em boas práticas da medicina, em critérios científicos atuais, na medicina baseada em evidências e sob o crivo de agências sanitárias nacionais e internacionais independentes e sem qualquer viés político.”
A publicação reforça ainda que a atuação colaborativa dos agentes públicos e particulares, bem como dos cidadãos em geral, é imprescindível para a defesa da vida e do direito à saúde de cada um e de todos, evitando-se ao máximo a necessidade de judicialização e, quando ela for necessária, tornando-a qualificada e eficaz.
ESFERAS DE RESPONSABILIDADE
O Comitê Executivo de Saúde de Londrina dividiu as sugestões de medidas por esferas de responsabilidade. Santos ressaltou que a ideia foi mostrar que todos esses atores têm que fazer a sua parte e só assim estará legitimado a exigir que o outro faça também. “Elencamos as medidas cruciais para cada grupo e assim é a melhor maneira de enfrentar a pandemia. Não adianta um aguardar que o outro atue. Não adianta solicitar medidas dos órgãos públicos se as pessoas não estão se cuidando de si e dos próximos com as medidas que todos já conhecem", destacou Santos. A carta reforça que somente com a conjugação de esforços por todos os atores sociais - sejam agentes públicos, profissionais da saúde ou cidadãos que agem em seu dever cívico e moral – que a superação deste momento tão difícil poderá ocorrer da forma menos traumática possível.
Aos gestores públicos orientou a observância de critérios técnico-científicos confiáveis na seleção dos tratamentos a serem disponibilizados à população, bem como para a implementação das medidas restritivas necessárias ao controle da propagação da Covid-19. Solicitam a fiscalização efetiva das medidas restritivas impostas pelas autoridades sanitárias e/ou gestores públicos, inclusive mediante solicitação de apoio dos órgãos de polícia administrativa e de segurança pública, bem como a aplicação das sanções cabíveis sempre que as normas administrativas forem violadas. Também pediu transparência e eficiência na divulgação de dados técnicos e estatísticos da pandemia.
Por parte dos profissionais da saúde, o comitê pede que a prescrição de tratamentos médicos seja embasada em evidências científicas seguras, em atenção à saúde do paciente e para evitar que comportamentos que propagam a Covid-19 sejam incentivados com a falsa crença de que os sintomas da doença poderiam ser curados com algum tipo de medicação. A carta alerta que vários tratamentos chamados como “precoces” corriqueiramente disseminados como efetivos já foram analisados em estudos científicos, tendo a sua eficácia afastada. Sobre as vacinas, as recomendações de tratamento medicamentoso para a Covid-19 ratificadas por agências internacionais, como a OMS, devem ser seguidas até que os órgãos sanitários nacionais atualizem os Protocolos Clínicos do SUS e da iniciativa privada e autorizem o uso de tratamentos específicos para esta doença. O texto recomenda a atuação estritamente técnica e livre de pressões políticas ou comerciais na prescrição dos tratamentos aos pacientes, sempre baseada nos princípios éticos da beneficência e da não maleficência, na autonomia e na racionalidade científica.
Por parte dos órgãos de fiscalização e controle e dos conselhos profissionais, o comitê recomenda fortemente o acompanhamento efetivo e contínuo da gestão do SUS em relação à pandemia, dos estabelecimentos de saúde e a da atuação dos profissionais de saúde sujeitos aos respectivos conselhos profissionais; a fiscalização do cumprimento das normas administrativas, técnicas, éticas e disciplinares por parte dos gestores públicos e dos profissionais da saúde; a disponibilização ao público de meios ágeis, seguros e de fácil acesso para o recebimento de denúncias de irregularidades; e o combate à produção e divulgação em massa de informações falsas ou enganadoras relacionadas à prevenção ou tratamento da Covid-19.
Aos órgãos de atuação judicial pede-se a atuação pautada por critérios exclusivamente jurídicos na defesa dos interesses das partes representadas em juízo em demandas relacionadas à pandemia; a especial atenção à medicina baseada em evidências como critério para incorporação e disponibilização de tratamentos de saúde pelo SUS, com especial ênfase à análise da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde); e o contato constante com os gestores públicos para a obtenção das informações técnicas e regulatórias necessárias para a atuação em juízo.
Por fim, coube à população em geral o pedido de respeito contínuo às medidas administrativas restritivas necessárias à diminuição da propagação da COVID-19; o uso constante e adequado de máscaras em locais públicos e a abstenção de aglomerações; a denúncia aos órgãos de fiscalização sanitária, às autoridades policiais ou ao Ministério Público de todas e quaisquer irregularidades praticadas por terceiros em relação às medidas de cautela destinadas a evitar a propagação do vírus; a análise criteriosa de notícias e informações relacionadas à pandemia antes de repassá-las adiante; a consciência de que o trato com a pandemia não é uma questão individual, mas essencialmente coletiva, de forma que o comportamento descuidado por um indivíduo coloca em risco a vida e a saúde de toda a sociedade; e o comportamento segundo normas éticas de bom senso e respeito ao próximo.