SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quem passa pelo Mercado Municipal de São Paulo, no centro da capital, não vê mais o colorido das frutas lustradas nem os exagerados sanduíches de mortadela. O prédio histórico, que recebia cerca de 50 mil pessoas por semana, agora está deserto e silencioso. Com a fuga da clientela em meio à quarentena e poucas lojas essenciais ainda abertas, os comerciantes pleiteiam, sem sucesso, redução nos custos, enquanto preevem calote e demissão de funcionários.

Só em um restaurante, eram cerca de 300 sanduíches e 200 pastéis por dia. Isso até a última semana, quando os pedidos caíram para 10. "A conta não fecha. Aí foi mais negócio arriar as portas", conta o dono do Mortadela Brasil, o empresário José Carlos Freitas, 58, que também é presidente da Renome (Associação da Renovação do Mercado Municipal Paulistano).

A associação pediu à prefeitura, sob a gestão de Bruno Covas (PSDB), a isenção do aluguel por três meses --na esperança de que até meados do ano a pandemia do coronavírus tenha arrefecido. Não obteve resposta. Fez um novo pedido, dessa vez para que o pagamento possa ser postergado para o segundo semestre, que também segue sem definição.

O Mercadão abriga 276 boxes e restaurantes, mas hoje só 30 estão abertos --açougues, empórios, peixarias, uma lotérica e uma loja de embalagens. São cerca de 1.500 funcionários que, juntos, movimentam 350 toneladas de alimentos diariamente.

Os aluguéis vão de cerca de R$ 3.000, para as lojas menores do primeiro piso, até R$ 20 mil para os do mezanino. O valor é pago para a prefeitura, já que o processo de permissão de uso dos boxes é realizado por meio de licitação pública. São dez parcelas e a primeira venceu nesta terça-feira (31).

Os comerciantes pagam também o condomínio, que custa cerca de R$ 1.500 para os estabelecimentos menores. É um rateio dos custos para manter o Mercadão aberto, que gira em torno de R$ 20 mil por dia.

"A prefeitura não isentou [o aluguel], mas muitos não vão pagar. Primeiro, vamos arcar com o pagamento dos funcionários. Mas está arriscado perder o ponto", diz Freitas, da Renome.

O Mercadão só segue aberto na função de abastecimento, com dia e hora reduzidos --de terça a sábado, de 8h às 16h-- desde o dia 24 de março, quando começou a valer o decreto do governador João Doria (PSDB) determinando fechamento dos serviços não essenciais, como bares, cafés e restaurantes, que devem seguir assim até pelo menos 7 de abril.

O entorno também está vazio. Bem próximas do Mercadão, as lojas da rua 25 de Março estão todas fechadas e nem mesmo os camelôs batem ponto mais por ali.

Como alternativa, Doria e Covas incentivam que os estabelecimentos adotem o esquema de delivery ou drive thru.

"Muitos restaurantes não trabalhavam com delivery, não vendiam online. É difícil da noite para o dia criar esse tipo de serviço", diz Freitas, que ainda não implementou a nova modalidade no Mortadela Brasil. "E, ainda assim, as pessoas não consomem igual no restaurante, que vende muita bebida, por exemplo."

Quem segue aberto tenta reverter a queda, sem sucesso. Nesta quinta-feira (2), Silvio de Oliveira, 49, fechou mais cedo ainda o Porco Feliz, uma das mais tradicionais distribuidoras de carne e açougue do Mercadão.

Dos 100 funcionários, ele afastou 70. "A despesa já maior que o faturamento", conta Oliveira, que vendia por dia 10 toneladas de carne e agora vende apenas 1.

Seus clientes do atacado também foram fortemente afetados pela pandemia: restaurantes, hotéis, padarias. "Não sobrou nem o consumidor final", diz Oliveira.

O Porco Feliz até mantém o delivery que já oferecia, mas "as pessoas começaram a segurar o dinheiro, racionar. Até pedem, mas em menor quantidade".

Oliveira é entusiasta do afrouxamento da quarentena. "Temos que pensar no impacto econômico que vai vir. A crise também gera pobreza, que mata. É preciso ficar em casa, mas não todo mundo. A economia precisa girar um pouco mais", afirma.

O empresário diz que não se convenceu com o projeto do governo federal de garantir empréstimos com juros mais baixos para pequenas e médias empresas. "Hoje todo mundo promete. Mas eles [os políticos] quebram as pernas do empresário e oferecem muleta para andar depois."

Por enquanto, o Mercadão tenta se manter com álcool em gel em todas as entradas e limpeza reforçada nos banheiros, corrimãos, maçanetas e elevadores. Só que "todo dia parece um domingo no horário do fechamento", diz o dono do Porco Feliz, que emenda: "mas pelo menos, por enquanto, ainda temos carne para comer".