Na primeira semana de janeiro deste ano, o MS (Ministério da Saúde) havia divulgado a reserva de R$ 250 milhões para aumentar o número de cirurgias eletivas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e reduzir o número de pessoas nas filas, que já era grande. Naquele período, não se imaginava a chegada de uma pandemia que paralisaria os procedimentos. No Paraná, foram 34% cirurgias a menos no primeiro semestre de 2020 em relação ao ano anterior. São mais pessoas nas filas esperando pela cirurgia, mas especialistas apontam retomada gradativa.

Imagem ilustrativa da imagem Com pandemia, cirurgias eletivas sofrem queda de 34% no Paraná
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Em 20 de março de 2020, a Sesa (Secretaria de Estado da Saúde) emitiu a resolução com a recomendação de suspensão das cirurgias eletivas em todo o Paraná, com exceção de pacientes que apresentassem risco elevado de prejuízo funcional ou de sequela definitiva. Com a medida, o primeiro semestre deste ano registrou 85.162 cirurgias a menos com relação ao mesmo período de 2019.

Em 24 de julho, a Sesa apontou escassez de medicamentos no estoque no Cemepar (Centro de Medicamentos do Paraná) e determinou a suspensão das cirurgias em todo o Estado, com nova orientação (1026/2020) em 21 agosto, de suspensão apenas dos procedimentos que demandem terapia intensiva ou que submetam os pacientes à anestesia geral.

Em entrevista à FOLHA, o secretário de Estado da Saúde, Beto Preto, falou sobre esse assunto. "Agora alguns procedimentos retornam, como ambulatoriais e eletivos que não utilizem anestesia geral e medicamentos em falta. Hoje, temos condição de estoque melhor que há um mês e suficiente para 25 dias", afirmou.

O Ministério da Saúde informou que de março a maio de 2020 foram realizadas 276.986 cirurgias eletivas em todo o País, representando uma queda de 55,7% em relação ao mesmo período de 2019, quando foram realizados 626.488 procedimentos pelo SUS. O Ministério acrescentou que a avaliação sobre a realização da cirurgia eletiva é de responsabilidade da equipe médica assistencial, em alinhamento com as diretivas vigentes adotadas pelo estabelecimento, seguindo recomendações das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

RETOMADA

O presidente do CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná), Roberto Issamu Yosida, indica que a capacidade de retomada será reduzida por questão da própria estrutura dos hospitais, que além de separar os centros cirúrgicos de pacientes sem Covid-19, terão protocolos de higienização entre procedimentos e cuidados preparatórios com os pacientes.

“Se antes faziam dez cirurgias no dia, vão fazer sete ou cinco, conforme a complexidade, porque tem a desinfecção, preparação para a próxima cirurgia, além de todos os cuidados em relação à Covid-19", explicou o presidente.

Para ele, a retomada vai ser gradativa e com plano que demanda avaliação do médico e da equipe do hospital. “Não pode voltar tudo de uma vez só, vai ter que estabelecer prioridades. Procedimentos que poderiam esperar, agora vão ter que ser categorizados, pegar casos mais graves e pacientes que estejam sofrendo mais. Isso terá que ser analisado pelo próprio médico e pela direção do hospital e equipes.”

Yosida aponta que ainda não há solução única definida para a demanda que se intensificou durante a pandemia e que esse é um problema presente no mundo todo. Para ele, a resolução da explosão da demanda gerada pela explosão de casos de Covid-19 exige estratégia, pois não se trata apenas de estrutura e liberação dos insumos, é algo mais complexo e que exige tratamento individual.

“Não adianta ter milhões de leitos se não tem equipe para atender, também não adiante ter equipe se não tem estrutura. Tudo tem que estar muito bem planejado e dosado entre hospital, equipe médica e paciente. É difícil calcular quanto tempo vamos precisar para regularizar a situação. É uma equação difícil de saber e quem vai avaliar melhor é quem está dentro de cada estrutura”, defendeu.

Isso porque a retomada das cirurgias continua dependendo da circulação de pacientes nos hospitais, o que está ligado ao comportamento da pandemia na cidade. “O CRM fez uma série de reuniões com várias especialidades para analisar as dificuldades. Todos sofreram impacto na pandemia. Nesse sentido, não adianta fazer uma ação individual dentro de um serviço, porque o sistema funciona como um todo.”

Segundo dados da Sesa, as cirurgias eletivas ambulatoriais mais frequentes no Paraná foram as pequenas cirurgias de pele, tecido subcutâneo e mucosa; cirurgias do aparelho da visão, oral, de cabeça e pescoço, e de vias aéreas superiores. As eletivas hospitalares mais frequentes foram cirurgias do aparelho digestivo, órgãos anexos e parede abdominal; cirurgias do aparelho geniturinário e cirurgias do aparelho osteomuscular (ortopédicas).

Com explosão de demanda e Covid-19, não há previsão de regularização

Roberto Issamu Yosida, presidente do CRM-PR, aponta que a situação sobre o risco de falta de medicamento amenizou, mas não está totalmente controlado, por conta disso nem todas as cirurgias eletivas foram liberadas. “Cada especialidade tem prioridade. Os pacientes da cardiologia estavam infartando em casa com medo de procurar ajuda. Na neurologia também ocorre AVC em casa, a pessoa procurava melhorar para depois buscar auxílio”, apontou.

A situação foi percebida nos primeiros meses da pandemia por João Roberto Pazzini, cardiologista do Centro do Coração e diretor médico do Hospital Evangélico de Londrina. “O pessoal observou que houve diminuição do número de infartados na pandemia no hospital, mas não foi isso que ocorreu. Diminuiu os que chegaram ao hospital, o número de infartados deve ter até aumentado por conta dessa situação toda. A orientação do ‘fique em casa’ foi incorreta, deve-se procurar um médico sempre que tiver sintoma”, indicou.

O médico relata que os pacientes que chegam ao hospital estão em estágio avançado e que os hospitais estão sobrecarregados. No caso do Evangélico, ele explica que a unidade ficou com atendimento de cirurgias de emergência e urgência, quando dois terços de ocupação dos leitos da cidade já estão voltados para pacientes com Covid-19. Com isso, é preciso ter acompanhamento da equipe de gestão para encaixar as cirurgias eletivas.

“Nós tínhamos lá atrás condições de operar mais e absorver melhor a demanda, mas de um mês para cá aumentou muito paciente grave de Covid-19, que foi para a UTI. Nós estamos no pico, nós batemos o recorde de casos no hospital no final de agosto”, apontou. Assim, as cirurgias eletivas não conseguem ocorrer de forma regular. “O que tem acontecido é uma ou outra que o paciente pode correr risco relativo, consegue vaga, mas urgência e emergência é prioridade”, apontou.

Segundo o diretor, o número de cirurgias eletivas no hospital caiu de 80% a 90% e a regularização se dará de forma lenta. “Cada um que tem paciente na fila deve observar nessa demanda a necessidade de cada caso”, afirmou.

Como solução, uma das alternativas para resolver a demanda é fazer mutirões. “Fazer com que essa demanda seja absorvida rapidamente, mas depende de ter certo grau de estrutura no hospital e leitos disponíveis”, mencionou. O diretor acredita que vai precisar de no mínimo dois meses para a retomada da intensidade de execução das cirurgias eletivas, mas que essa estimativa ainda depende da evolução da Covid-19 na cidade.

Para o presidente do CRM, é preciso observar cada especialidade, considerando que cada um tem uma demanda diferente. “Já se falou de mutirões de cirurgias, mas temos que ter cuidado, porque na ânsia de resolver as coisas, podemos propiciar novas contaminações se tiver muitas pessoas no mesmo lugar.”