Com adiamentos e dados picados, estratégia de divulgação da Coronavac provoca guerra sobre a vacina
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terça-feira, 12 de janeiro de 2021
THIAGO AMÂNCIO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A grande aposta política do governador de SP, João Doria (PSDB), para se cacifar para a eleição presidencial de 2022 virou nesta terça-feira (12) munição contra o tucano.
Depois de adiamentos e de uma divulgação parcial na última semana, a eficácia global da Coronavac, vacina contra a Covid-19 produzida pelo laboratório Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, foi anunciada nesta terça-feira (12) em 50,38%.
Com isso, ficou comprovado que a vacina é considerada eficiente e essencial para diminuir a gravidade da doença, segundo cientistas. Grupos antivacina e políticos com agenda diversa da de Doria, no entanto, aproveitaram a divulgação errática dos dados para questionar a qualidade do imunizante.
O governo de São Paulo afirmou que divulgaria a eficácia de estudo preliminar da Coronavac em 15 de dezembro, quando pediria o registro emergencial à Anvisa. Depois, mudou de ideia e anunciou que pediria o registro definitivo da vacina e que a eficácia seria anunciada em 23 de dezembro.
A gestão Doria mudou outra vez de planos e resolveu pedir o registro emergencial, mas o dado da eficácia não foi apresentado. Na ocasião, a Sinovac pediu ao Butantan toda a base de dados para reavaliar o estudo, o que levaria até 15 dias.
Na última semana, a gestão Doria disparou um aviso à imprensa convidando jornalistas para o "anúncio sobre a eficácia da vacina do Butantan", no dia 7 de janeiro. Na apresentação, com a presença do governador Doria, a gestão afirmou que a Coronavac teve eficácia de 78% para a prevenção de casos leves de Covid-19 e de 100% para casos graves no estudo.
Os números foram comemorados pela população e por grupos de diferentes espectros políticos, mas cientistas questionaram o dado, uma vez que o governo não deu detalhes sobre como se chegou aos números e nem abriu as bases de dados do estudo.
O Butantan convocou a imprensa para um novo encontro, nesta terça-feira, quando os dados completos foram disponibilizados e a eficácia global, enfim, foi informada: 50,38%.
Com a aparente discrepância de informações, a campanha #DoriaMentiroso entrou nos assuntos mais comentados em redes sociais e virou piada para grupos ligados ao presidente Jair Bolsonaro, com quem Doria busca antagonizar.
"Se apertar mais um pouco, cai para 30%", afirmou um apoiador do presidente. "Caindo mais que a popularidade do Doria", escreveu outro.
Os números diferentes chamaram a atenção também da imprensa internacional. A Reuters chamou os dados de decepcionantes e o Wall Street Journal destacou que o imunizante é bem menos eficaz do que inicialmente.
Outro ponto que provocou críticas foi a eficácia para casos graves, anunciada como de 100% e propagandeada em peças publicitárias do governo Doria. Nesta terça, no entanto, o Instituto Butantan afirmou que os dados neste segmento ainda não têm significância estatística.
"Chacrinha já ensinou há um tempão: quem não se comunica, se trumbica. A comunicação em saúde é uma das coisas mais importantes que se tem e deve ser feita com a maior clareza e transparência possível", afirma Ana Escobar, médica e divulgadora científica, que escreve sobre saúde e tira dúvidas na TV e na internet -só no Instagram tem mais de meio milhão de seguidores.
"Em relação à Coronavac, os números estão todos corretos, tanto os de semana passada quanto os de hoje. Interpretar a eficácia de uma vacina não é coisa corriqueira, simples. O governo pode não ter colocado os dados com muita clareza, mas agora a gente precisa reforçar que temos uma vacina boa, eficiente, eficaz e segura", diz ela, que elogia os esforços do Butantan para garantir a imunização.
Para o médico e pesquisador Marcio Bittencourt, "a estratégia de comunicação escolhida dá margem para pessoas questionarem a vacina. É um problema de comunicação, as pessoas não entendem o que os números significam e quem apresentou não os explica", diz ele, que afirma ter receio de que a estratégia errática possa ter efeito na vacinação no país.
Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto (SP), afirma que que não houve manipulação política dos números divulgados pelo Butantan. "Só acho que eles deveriam ter publicado os dados todos em conjunto, inclusive esses 50,4%".
Domingos deixa claro, porém, que esse complemento não modifica os números que tinham sido apresentados anteriormente. "Continua sendo uma excelente vacina para a gente acabar com o caos que está acontecendo hoje, principalmente de internações. É uma vacina eficaz, principalmente para casos graves e moderados, vai reduzir pra caramba o número de internações. O que se tem que fazer é urgentemente começar a vacinação, a mais ampla possível", afirma.
O dado divulgado nesta terça indica que a vacina reduz em 50% a chance de desenvolver a Covid-19 em qualquer intensidade, desde casos muito leves, com os sintomas mais brandos, até os mais graves.
Ademais, o imunizante se mostrou seguro: só 0,3% dos participantes reportaram algum tipo de reação alérgica.