Considerados por alguns especialistas em educação pública como um modelo moderno de gestão educacional, os consórcios intermunicipais de educação vêm sendo adotados e defendidos por trazerem dinamismo ao setor, especialmente em cidades cuja arrecadação de tributos é baixa. No entanto, também contraria os que defendem que em primeiro lugar o poder público deve acabar com o deficit de vagas nas creches e essas organizações podem ser alvos de questionamentos quanto à transparência no uso dos recursos públicos e na escolha dos gestores, assim como sobre quem realmente as controla e com quais interesses. Agora, um dos mais conhecidos da região sul do País, o Codinorp (Consórcio de Desenvolvimento e Inovação do Norte do Paraná), está na mira do Ministério Público do Paraná.

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. | Foto: Divulgação

Na semana passada, o presidente do Codinorp e prefeito do município de Prado Ferreira (Região Metropolitana de Londrina), Silvio Antonio Damaceno (PP), decidiu atender a uma Recomendação Administrativa do Ministério Público de Porecatu expedida no final de 2019 e exonerou do cargo o secretário regional de Educação do Consórcio, Amauri Monge Fernandes. A demissão de Fernandes foi publicada no diário oficial de Prado Ferreira com vigência a partir do dia 14 de fevereiro.

Escolhido em um processo seletivo conduzido pela organização sem fins lucrativos Vetor Brasil, Fernandes é bacharel em Direito e mestre em Gestão e Políticas Públicas, e chegou a ser candidato a vereador pelo PSC (Partido Social Cristão) em Santana do Parnaíba, interior de São Paulo. Teve 419 votos e não foi eleito. Especializada em recrutamento para o setor público, a Vetor Brasil também foi responsável por conduzir o processo seletivo que culminou na escolha da atual secretária municipal de Educação de Londrina, Maria Tereza Paschoal de Morais.

Outra recomendação do Ministério Público, do dia 18 deste mês, pede que os prefeitos de Centenário do Sul, Lupionópolis e Cafeara interrompam imediatamente os repasses financeiros ao Consórcio, que somados chegariam a R$ 11 milhões até 2022, bem como não firmem novos contratos. Florestópolis, Guaraci, Jaguapitã, Miraselva, Primeiro de Maio e Porecatu, todos municípios da Região Metropolitana de Londrina, completam o Codinorp. O promotor Renato dos Santos Sant'Anna também pede que seja dada publicidade à Recomendação Administrativa e que as Câmaras Municipais sejam informadas.

Desde que o Ministério Público passou a investigar o Codinorp, diversas movimentações nas prefeituras foram registradas e não está descartado o fim do consórcio, segundo apurou a reportagem. À FOLHA, Silvio Damaceno afirmou que as recomendações vão ser atendidas, mas não quis comentar sobre o futuro do Codinorp.

Em seu twitter, o ex-deputado federal Alex Canziani (PTB), principal defensor a articulador do modelo de gestão, disse que a Recomendação Administrativa pode “acabar com uma das mais inovadoras experiências em educação no País”.

AS RECOMENDAÇÕES

A FOLHA teve acesso às duas recomendações do MP. Em uma delas, a promotora Silvia Luiza Dariva e Pereira esclarece que uma investigação foi deflagrada a partir de representação feita pelo Presidente do Conselho Estadual de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) ao Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, em Curitiba. A partir da denúncia, o MP apura a legalidade da criação e atuação do Consórcio e o uso dos recursos, que, no cronograma, saltam de cerca de R$ 20 mil anuais por município para R$ 300 mil anuais oriundos de “Recursos Livres da Educação” para material didático e formação continuada de professores.

Para o MP, a criação da Secretaria Regional de Educação “viola o princípio da legalidade, pois invade a competência dos municípios para tratar sobre o sistema educacional local, tendo em vista a existência das Secretarias Municipais de Educação com as mesmas atribuições”, diz. E, ainda, relata que não há publicidade sobre as informações contábeis, operacionais e patrimoniais no site oficial do Consórcio.

ORIGEM

Criado em 2017 após alterações na legislação de um consórcio intermunicipal já existente para a gestão de resíduos, o Codinorp é formado até então por dez municípios que firmaram contratos de rateio para custearem as atividades da Secretaria e a implementação de um Plano de Ensino Regionalizado. No caso do Codinorp, um chamamento público resultou na assinatura de um Contrato de Impacto Social com o Instituto Lótus, com sede em São Paulo, entidade que, sustenta o MP, “é a única responsável, em tese, pela implantação da política pública educacional pretendida pelo Codinorp”, diz.

O contrato com o Consórcio foi assinado em novembro de 2018 pelo presidente do Instituto Lótus, Nabil Mohamad Onaissi, e pelo gerente institucional, Luís Sergio Barbosa Murro. Com isso, o Instituto ficou responsável por executar as despesas, realizar a compra de materiais e prestar as contas. No entanto, segundo o MP, o endereço apresentado pela Lótus na ocasião é de um condomínio residencial na rua Cônego Ladeira, Vila Mazzei, em São Paulo. A reportagem também constatou que a página apresentada pela Lótus estava fora do ar, além de ser idêntica à do consórcio.

O ex-deputado Alex Canziani afirmou à reportagem que o modelo é altamente defendido em todo o País e lamentou a situação. Sobre o futuro do Codinorp, está sendo avaliada a continuidade dos trabalhos sob os comandos do prefeito de Prado Ferreira, Silvio Antonio Damaceno (PP).

O que dizem os citados

À FOLHA, o ex-secretário regional do Codinorp, Amauri Monge Fernandes, disse que o Ministério Público não demonstrou em nenhum momento supostos indícios de ilegalidades na formação e na gestão do consórcio e também destacou que a organização teve as contas de 2018 aprovadas pelo TCE-PR (Tribunal de Contas do Estado do Paraná).

Fernandes também rebateu acusações de que os gestores estariam "terceirizando" as políticas educacionais, uma vez que os secretários municipais e pedagogos continuariam trabalhando normalmente.

Sobre a aquisição do material didático de um sistema de ensino da rede privada de educação, Fernandes justificou que a formação do consórcio é justamente o que possibilitou a compra por preços abaixo do mercado, o que é motivo de “orgulho”. "Por essa solução pedagógica que envolve o material didático, formação continuada de professores, todo o conteúdo da revista Ciência Hoje, os cursos de uma telefônica, que é um convênio que jamais uma cidade pequena conseguiria fazer se não via consórcio, nós pagamos R$ 294 por aluno em 2019. Em 2020 seria R$ 375, esse valor seria menos do que custaria somente o material didático", afirmou.

A reportagem também entrou em contato com o presidente do Instituto Lótus. Nabil Mohamad Onaissi afirmou que o Instituto poderia ter solicitado o aluguel de um imóvel no Paraná, o que não foi feito para se economizar recursos. Sobre o site estar fora do ar nas últimas semanas, Onaissi afirmou que esta decisão foi tomada após o início da “polêmica”. “Ele vai voltar na semana que vem com a mesma aba de transparência que já está lá no site do Codinorp”, garantiu.

Indagado sobre o quanto já foi pago pelos municípios até agora, Onaissi não soube afirmar o valor exato, mas disse que seriam cerca de R$ 2 milhões relativos aos atendimentos do ano passado. No entanto, também avaliou que a previsão do montante de R$ 11 milhões para os quatro anos poderia ser extrapolado. Já se, agora, o rompimento do contrato implicará em multas aos municípios, Onaissi afirmou que isto está sendo avaliado pelo jurídico do Instituto Lótus, uma vez que existem compromissos firmados com fornecedores. Segundo o presidente, o Instituto Lótus existe há 17 anos e sente-se "maculado" com imbróglio gerado pela atuação do MP.