Imagem ilustrativa da imagem Cidades que vão sumindo do mapa
| Foto: Fábio Alcover
O professor Nestor Razente reuniu em livro um levantamento inédito de cidades brasileiras que perderam suas populações
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O que leva um povoado que possuía um cotidiano pulsante a ser esvaziado? São José do Ararapira foi uma das vinte vilas fundadas pela coroa portuguesa na então Capitania de São Paulo no século 18. Em seu auge chegou a ter 500 moradores, mas hoje possui apenas um.
O pescador Rubens Jorge Muniz, 70, reside em Barra do Ararapira, a 12 km da antiga cidade de Ararapira, no município de Guaraqueçaba (Litoral), na divisa com São Paulo. Ele se recorda do tempo em que Ararapira era bastante movimentada. "Eu tinha 14 anos e frequentava lá. Tinha cartório, delegacia, padaria, campo de futebol. Eu jogava bola lá. Agora o campo está tomado pelo mato. As festas de lá eram maiores do que as de Guaraqueçaba. A cidade tinha um gerador que fornecia energia elétrica e era um local que tinha bastante peixe e camarão", relembra. Muniz conta que hoje basicamente só sobrou a igreja e o cemitério. "O cemitério está preservado porque a gente ajuda a cuidar, mas as casas estão em ruínas", conta.
Questionado sobre o que levou Ararapira a perder toda a sua população, Muniz relata que foi uma série de fatores. "Algumas casas pegaram fogo. Depois foi se colocando na cabeça da juventude que havia coisas melhores fora dali e os jovens acabaram deixando o local. Além disso, o gerador parou de funcionar e os moradores ficaram na base do lampião a gás", relata. Ararapira era paulista até a década de 1920, mas se tornou paranaense por decreto. Com a mudança, o município paulista de Cananeia levou os serviços básicos para a outra margem do rio Ararapira, território de São Paulo. Talvez o canal artificial do Varadouro tenha sido um dos principais responsáveis pela transformação do local. Embora suas obras tenham se iniciado em 1820, foi nos anos 1950 que ele foi concluído. Houve um aumento considerável do nível da água do mar e com o tempo a erosão provocada por esse aumento de nível da maré foi destruindo casas e ruas. "A cada cheia as construções iam se desmoronando", relata Muniz.
Ararapira é um dos povoados retratados no livro "Povoações abandonadas no Brasil", do professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do CTU, Nestor Razente, que faz um levantamento inédito sobre cidades brasileiras que morreram, ou seja, perderam suas populações. Ele expõe que Ararapira surgiu como entreposto comercial. "Qual era a importância geopolítica daquela região? Era o Porto de Paranaguá, que foi muito importante na época do colonialismo. Por lá eram exportados produtos como a cachaça, milho, arroz e por lá se importava quase tudo", destaca.
Muniz se recorda da última família a deixar o povoado. "Um morador começou a beber demais e acabou morrendo. A sua esposa era a Maria, uma mulher muito bonita. Em 2006 ela pegou carona em um barco para deixar a cidade, mas a embarcação virou e ela acabou morrendo", relembra.
Outro fato que Muniz e Razente relatam foi um episódio no início dos anos 80, antes da instalação do parque nacional, quando os moradores de Barra de Ararapira enfrentaram a invasão da Companhia Agropastoril Litorânea do Paraná
que, alegando possuir documentos de propriedade na região, pretendia ali abrigar criações de búfalos, mas segundo o professor, os documentos não eram autênticos. A intenção por detrás disso era utilizar os animais para afastar a população e construir um grande empreendimento imobiliário. Razente acrescenta que a madeira derrubada era transformada em carvão. A empresa se instalou em várias localidades dos arredores, inclusive Ararapira, mas quando chegou à Barra de Ararapira, a 12 km dali, encontrou resistência dos habitantes do lugar que cercaram seu território e desafiaram, com suas foices e facões de lavradores, capatazes armados. "Naquela época eu era o presidente da associação de moradores e líder da comunidade. A empresa começou a derrubar árvores e fizeram vários pastos. Chamamos a Polícia Militar e eu fiquei na frente do batalhão e acabei levando 12 tiros. Isso desencadeou o movimento que criou o Parque Nacional de Superagui", relata Muniz.
Muniz só reclama que a criação do Parque Nacional provocou uma super regulamentação do que a população pode e não pode fazer no local. "A gente está aqui muito antes do parque existir e muito antes da criação do Ibama", declara. Razente afirma que não é só a falta de desenvolvimento econômico que provoca o despovoamento de algum lugar, como prega a teoria do Urban Decline. "Se fosse assim elas não ocorreriam em lugares como Namíbia, Suécia, Japão e Afeganistão. Na Índia existe uma cidade amaldiçoada em que ninguém mora lá", ressalta. Ele aponta, por exemplo, que no Chile existe um povoado em uma mina de cobre que foi desativada, mas não foi por falta de cobre - já que a produção do metal no País permaneceu crescente ao longo dos anos - mas por uma toxina gerada como subproduto dessa extração.