A qualidade da educação pública municipal das principais cidades da região de Londrina registrou queda no primeiro Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) após o fechamento das escolas por conta da pandemia de Covid. O levantamento foi realizado em 2021 e os dados foram divulgados em meados de setembro deste ano.

Os índices da região caíram se comparados aos resultados obtidos em 2019 nos anos iniciais do Ensino Fundamental - 1° ao 5° ano. Londrina, Cambé, Rolândia, Arapongas e Apucarana apresentaram queda no índice; apenas a cidade de Ibiporã registrou um resultado positivo, com um crescimento de 0,1 no Ideb, saindo de 5,9 e atingindo a nota 6,0.

Dentre os municípios pesquisados, essa foi a primeira queda registrada nos últimos 10 anos. O Ideb é calculado a partir da relação entre a taxa de rendimento escolar (aprovação) e dos resultados do Saeb, conhecido como Prova Brasil. O exame é aplicado para alunos do 5° ano e mede a aprendizagem e o conhecimento na área da Língua Portuguesa e da matemática. O Ideb vai de zero a 10, sendo que quanto mais alto, melhor a qualidade da aprendizagem.

Em Londrina, o Ideb caiu de 6,8, em 2019, para 6,4, em 2021, apresentando uma queda de 0,4. Já a nota média padronizada do Saeb caiu de 7,06 para 6,60, sendo que a queda mais acentuada foi em relação ao raciocínio lógico-matemático. A média é a mais baixa desde 2011, quando atingiu 5,85.

Já em Rolândia, no último Ideb, a nota da cidade caiu 0,6, deixando o município com 6,3. Com a queda mais drástica no índice entre as cidades pesquisadas, Rolândia também registrou a maior diferença entre as médias do Saeb de 2019 e 2021. Antes da pandemia, a nota média na prova que avalia os conhecimentos de português e matemática das crianças do 5° ano foi de 7,31; em 2021, a nota caiu para 6,55.

Outras cidades da região também apresentaram notas mais baixas em relação ao Saeb anterior: Arapongas, com 7,04 em 2019 e 6,78 agora; Apucarana com 7,61 em 2019 e 7,35 em 2021; e Cambé, com 7,18 antes e 6,68 agora. Ibiporã também apresentou uma queda de 0,21 no Saeb, mas conseguiu manter um resultado positivo no Ideb.

Maria Tereza Paschoal de Moraes, secretária de Educação de Londrina, destaca que a queda no Ideb já era esperada e que Londrina seguiu uma tendência vista em todo o país. “As restrições impostas pela pandemia, com longos períodos sem aulas presenciais estão sendo refletidas agora com esses resultados. Isso faz a gente perceber que os desafios impostos pela pandemia ainda vão continuar nos próximos anos”, ressalta.

De acordo com a secretária, a faixa etária mais prejudicada foi a dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que abrange o período de alfabetização e da consolidação dos conteúdos. “As crianças que estavam aprendendo a ler e a escrever tiveram muita dificuldade, mesmo com as aulas remotas e as atividades sendo enviadas de forma impressa. O que a gente tentou fazer foi conectar o aluno com a escola da melhor maneira que foi possível naquele momento”, destaca. O município tem mais de 30 mil alunos entre o 1° e 5° ano do Ensino Fundamental.

TAXA DE APROVAÇÃO

Silvia Unbehaun, diretora de Ensino da Secretaria de Educação de Rolândia, pontua que o nível de aprovação é um problema no Ideb deste ano. “Como um dos fatores que compõem o índice, a aprovação eleva o Ideb mas mascara um resultado que poderia ser ainda mais baixo, já que muitos alunos não conseguiram aprender adequadamente'', afirma.

Segundo ela, é possível notar isso através do resultado da Prova Brasil, que foi menor que no último Ideb. “São alunos com um nível de proficiência menor em português e matemática”, ressalta. Também de acordo com a diretora, alguns alunos que estão no terceiro ano precisam rever conteúdos do primeiro.

Em Rolândia, a taxa de aprovação no Ideb de 2021 foi de 0,97, ou seja, a cada 100 estudantes, 97 foram aprovados. A taxa é a maior dos últimos anos, que chegou ao patamar de 0,94 em 2017. Apucarana manteve a média na taxa de aprovação, com 100% de alunos seguindo para o próximo ano. Assim como Apucarana, Londrina manteve a média de 0,97. Já Arapongas apresentou o maior número de alunos aprovados desde 2011, com 0,99 e Rolândia teve um aumento de 0,2 em 2021 se comparado a 2019.

Por outro lado, temos duas situações distintas: a cidade de Cambé foi a única entre os municípios pesquisados que registrou queda na taxa de aprovação, saindo de 0,93 em 2019 para 0,92 em 2021. A taxa de aprovação foi a menor dos últimos anos. Já o município de Ibiporã foi o que apresentou o maior crescimento na taxa de aprovação, registrando 0,6 de diferença em relação a 2019. Antes da pandemia, a cidade aprovava 92 alunos a cada; em 2021, foram 98 aprovações a cada 100 alunos.

Como na maioria das cidades a taxa de aprovação foi igual ou superior a dos anos anteriores, a diferença mais marcante pode ser encontrada nos resultados da Prova Brasil. Sobre esse assunto, a secretária de Educação de Londrina esclarece que reprovar um aluno não resolveria o problema, já que muitas crianças não tiveram a chance de aprender determinados conteúdos da forma que deveriam. “Nós temos todos os ano um número de reprovações, mas, de forma geral, reprovar alunos não é uma boa estratégia em lugar algum”, pontua.

Apucarana, que tem um Ideb alto, seguiu a onda das cidades da região e também apresentou uma queda, saindo de 7,6 em 2019 para 7,3 no ano passado. Marli Fernandes, secretária municipal de Educação de Apucarana, apesar da queda, considera o resultado positivo. Segundo ela, a queda média do Ideb no Paraná foi de 1,2, já o município apresentou uma baixa mais modesta, de 0,3.

“Nós consideramos muito positivo esse resultado em um condição de pandemia, conseguindo manter uma média acima de sete, o que por si só não é fácil”, relata. A secretária destaca que, no período, a principal dificuldade foi a alfabetização das crianças e a falta da relação professor-aluno.

Segundo ela, durante a pandemia, foram organizados conteúdos e provas bimestralmente, além de avaliações diagnósticas, que buscavam compreender o nível de assimilação dos conteúdos por parte dos alunos. “Com essas aulas de forma virtual, nós conseguimos atingir 80% dos alunos da rede. Para abranger todos, liberamos os conteúdos em um canal de TV”, conta. Fernandes conta que quem não assistiu as aulas nesses dois formatos recebeu o material de forma impressa. “O que a gente queria era que os alunos não perdessem esse contato com a escola e essa rotina de estudos”, ressalta.

Por outro lado, em Rolândia, a dificuldade em fazer os alunos voltarem a rotina das aulas tem sido um problema. Segundo Silvia Unbehaun, em um município com cerca de 7 mil alunos - Educação Infantil e Fundamental -, foram registradas mais de 1.800 faltas em um período de duas semanas.

“Quando chove, esse cenário piora. As crianças faltam de forma escalonada, em uma semana na segunda-feira, na outra na terça-feira e assim por diante. Então tem sido muito difícil resgatar esse hábito de vir para a escola”, explica.

Em todos os municípios citados, a resposta é a mesma quanto ao que fazer agora, em que a normalidade é uma realidade mais tangível. O objetivo é resgatar os conteúdos que foram perdidos por meio de atividades mais específicas durante as aulas regulares e realizar outras atividades de reforço no período do contraturno escolar. A meta, segundo os entrevistados, é eliminar aos poucos os prejuízos deixados pela pandemia na Educação Básica.

Se, por um lado, alguns municípios tiveram queda no Ideb durante a pandemia, uma cidade mostrou que era possível manter e até mesmo subir esse índice. Ibiporã, em 2019, tinha um Ideb de 5,9, avançou para 6,0 no ano passado. Com a menor diferença nos resultados do Saeb de 2019 e 2021 (0,21), o município soube que pensar nos alunos era essencial, mas entendeu que os professores também precisavam de atenção.

O secretário de Educação da cidade, Antonio Prata Neto, garante que isso só foi possível graças a atenção que foi dada aos profissionais da Educação e do Lesete (Levantamento Socioeconômico e Tecnológico). Ele conta que em março de 2021 foi feito um mapeamento de mais de 5 mil famílias que possuem alunos na rede municipal de ensino.

O objetivo, segundo o secretário, foi entender a realidade das famílias, como o acesso à internet, aparelhos eletrônicos, renda, nível de escolaridade e outras informações distribuídas em 25 tópicos.

O secretário explica que, após o levantamento, foram organizados dois tipos de currículo: um geral, que representou o mínimo de conteúdos que os alunos precisavam ter; e outro personalizado, de acordo com os alunos de cada escola. “Com as informações que a gente coletou, os professores e a diretoria das escolas fizeram esse currículo personalizado, que foi diferente entre todas as escolas. Como a gente já sabia quem acompanhava o aluno e o nível de escolaridade dessa pessoa, montamos atividades mais ou menos difíceis como forma de fazer com que esses responsáveis pudessem auxiliar”, relembra.

Antônio Neto conta que esse trabalho permitiu que todos os alunos tivessem a mesma base, mas conteúdos diferentes conforme a realidade. “A nossa primeira preocupação foi desbalancear esse nível entre as escolas, por isso a base foi igual para todos. Alguns professores queriam que todo o currículo fosse personalizado, mas explicamos esse fator, além de que, ter um corte mínimo nos ajuda nas comparações e a ver onde estamos errando e acertando”, ressalta.

Segundo ele, o município também criou canais de comunicação com os professores, como o Secretaria na Escola e o Fala, Professor. Apesar do resultado positivo, Neto ressalta que alguns alunos apresentaram dificuldades nessa volta ao presencial e, por conta disso, estão participando de atividades de correção de nível, que fazem parte do Programa Decola (Desenvolvimento Coordenado de Letramento e Alfabetização), com o objetivo de fazer com que o aluno fique no nível de ensino que deveria estar de acordo com a sua série.

E O QUE FAZER AGORA?

Fernanda Passarelli, psicopedagoga com especialização em neurociência, afirma que as crianças são muito sensíveis às mudanças, pois ainda não possuem um repertório emocional. “A pandemia foi um boom na cabecinha das crianças, então muito se justifica a queda a esse fator. Muitas crianças foram aprovadas sem estarem prontas, com a alfabetização de forma inadequada”, explica.

Segundo ela, o processo de aprendizagem foi muito desfavorecido na pandemia, por isso é necessário que os municípios trabalhem para resgatar os danos desse período. “A família e a escola precisam se unir em prol do desenvolvimento da criança, cada uma agindo de determinada maneira, mas com a meta de trabalhar a criança para que ela possa superar essa fase”, destaca. Passarelli ainda pontua que reprovar uma criança é um tema delicado em tempos normais e só piorou com a pandemia.

De acordo com ela, repetir de série um aluno pode fazer com que a saúde mental dele fique abalada, mas aprovar também pode ter seus efeitos negativos. “Imagina como vai ser para a criança não conseguir acompanhar os conteúdos, isso abala a autoestima dela. Então se é necessário que ela refaça a série, também é necessário que isso seja explicado para ela, com o acompanhamento da família e dos professores”, ressalta.

Entretanto, as mudanças precisam acontecer agora, caso contrário podem causar prejuízos ainda mais sérios. A psicopedagoga afirma que se as crianças não forem socorridas, no futuro, elas podem desenvolver problemas de saúde mental, como a depressão e a ansiedade, que também podem levar a obesidade e a outros problemas.

“Eu temo pelas nossas crianças, porque quando você não consegue resgatar elas, essas crianças podem optar por caminhos mais fáceis, como o da criminalidade, e aumentar os índices de pessoas em situação de rua, por exemplo. É uma bola de neve que precisa ser parada imediatamente”, alerta.

Dessa forma, segundo ela, até mesmo a neuroplasticidade - capacidade do sistema nervoso de se modificar em razão dos estímulos que ele recebe - das crianças pode ser afetada, já que elas precisam de um ambiente estável e da saúde física e mental. “Ela precisa de toda uma estrutura para se desenvolver, caso contrário a neuroplasticidade e o desenvolvimento podem ficar fragilizados”, finaliza.

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