A chuvarada do dia 15 de outubro de 2011 foi uma das que mais provocou estragos em Londrina. Foi a primeira do tipo, mas não a última e outras chegaram a ter volumes maiores de precipitação, como em 2016. O então comandante do 3º Grupamento do Corpo de Bombeiros, tenente-coronel Jorge Luiz Pereira, aposentado desde 2015, classificou na época como a pior enchente da história de Londrina.

Ponte sobre o ribeirão Lindoia, na zona leste, foi destruída pela chuva
Ponte sobre o ribeirão Lindoia, na zona leste, foi destruída pela chuva | Foto: Olga Leiria/16-10-2011

No relato da Defesa Civil consta que, no dia 15 de outubro de 2011, ocorreram chuvas concentradas, com precipitações pluviométricas de 165 mm, valor acima do previsto para todo o mês, que era de 140 mm. Entre os dias 9 e 16 de outubro de 2011, o volume de chuvas em Londrina foi de 195,3 milímetros, segundo dados registrados pelo então Iapar (Instituto Agronômico do Paraná). Naquele mês foram registrados 278,3 mm de precipitação.

Para se ter uma ideia, em setembro do mesmo ano, choveu apenas 7 mm. Isso ocorreu com a formação dos centros de baixa pressão em conjunto com a maior intensidade do escoamento na média e alta troposfera, o que favoreceu os maiores acumulados de chuva principalmente no Norte do Paraná, influenciado pelo fenômeno La Niña.

O resultado é que 150 pessoas foram desalojadas, 61 desabrigadas, uma morreu e um total de 100 mil foram afetadas. O secretário de Defesa Civil de Londrina daquela época, Joaquim de Melo, relatou que no dia 15 houve 42 pontos de alagamento na cidade. Foram realizadas 14 vistorias em residências, tomadas pelas águas, com infiltrações ou em situação de risco. Cerca de 80 pessoas foram removidas de suas residências.

Temporal destruiu asfalto na rua 
Almeida Garret, na barragem do Igapó
Temporal destruiu asfalto na rua Almeida Garret, na barragem do Igapó | Foto: Bruno Ferraro/15-10-2011

Segundo Pereira, a alta demanda exigiu que mais de 90% do efetivo fosse acionado para atender as ocorrências. “Nós tivemos que ativar a parcela que estava de folga, inclusive para cobrir a demanda de ocorrências ocasionadas não só nessa região, mas em outros municípios. Em decorrência desse fato, nós também tivemos um grande número de árvores caídas dentro da área do município e nas ruas centrais tivemos várias alterações no fluxo de trânsito”, relembrou. A Defesa Civil apontou que mais de 100 mil pessoas foram atingidas em municípios como Andirá, Santo Antônio da Platina, Campo Mourão e Siqueira Campos.

Segundo ele, a maior dificuldade foi o fato de aquilo não havia ocorrido até então. “Foi justamente isso que resultou nessa centralização desses recursos para poder encaminhar o pessoal. E quando eu digo recursos, não é o recurso físico, mas a disponibilidade do pessoal, para que fizessem manuseio naquela área. A prefeitura e o Estado tinham os órgãos específicos dela e o Corpo de Bombeiros serviu naquela época mais como órgão de triagem. É claro que houve a intervenção direta na questão dos acidentes e dos traumatismos e especificamente dos resgates de pessoas que estavam lá. Tudo foi coordenado com o sistema de saúde, destinando as vítimas para os hospitais para não sobrecarregar também os recursos existentes.”

MORTE

A vítima fatal daquela chuvarada foi Luiz Henrique Caetano Borges, estudante de Ciências Sociais, com 27 anos, que andava de bicicleta quando foi surpreendido pela chuva forte. Seu amigo, o psicólogo Clodoaldo Porto Filho, relatou que trabalhava como psicólogo no acolhimento Bom Samaritano e surgiu uma oportunidade de Borges trabalhar como educador por lá. "Era o primeiro dia de trabalho dele e naquela ânsia de não chegar atrasado ele tentou atravessar aquela ponte da Vila Portuguesa (no córrego Bom Retiro). O pessoal do acolhimento avisou que ele não tinha aparecido para trabalhar e a irmã dele não estava conseguindo falar com ele. Eu liguei no Corpo de Bombeiros só para ter uma informação, mas nunca imaginava aquilo. A pessoa que atendeu perguntou como ele era e onde ele estaria mais ou menos naquele horário, quando informou que um pessoal do ônibus viu ele caindo, desequilibrando na ponte.”

A busca durou três dias. “Quando acharam o corpo pediram que eu fosse, porque o pai dele não estava bem”, relembrou Porto. Ele revelou que Borges era um ótimo pandeirista e sempre estava sorrindo. "Não tinha dia ruim para ele. Era uma pessoa muito iluminada. Me chamava de irmão. O legado dele sempre foi o acolhimento, o carinho pelos outros. Para se ter uma ideia de como ele era querido, o pessoal alugou um ônibus para acompanhar o sepultamento em Araçatuba.”

PESQUISA

O fundador e coordenador do Lapege (Laboratório de Pesquisas em Geografia Física), Gilnei Machado, desenvolveu um projeto de pesquisa entre os anos de 2017 e 2019 intitulado "Expansão urbana e ocorrência de enchentes em Londrina/PR: uma análise da bacia do ribeirão Cambé”.

“Ao estudarmos a ocorrência de inundações ou das enchentes urbanas percebemos que existem muitos elementos que influenciam na ocorrência delas. A configuração natural do terreno é o primeiro fator, o clima e a ocorrência de eventos pluviométricos extremos são outros e em seguida vêm os fatores antrópicos relacionados ao desmatamento, à ocupação urbana, à impermeabilização do solo, à criação de sistemas de drenagem artificializados (com concretagem de margens e fundos) que contribuem para a aceleração da chegada da água nos rios, facilitando a ocorrência de cheias mais intensas.”, ressaltou o pesquisador.

“As infraestruturas urbanas, normalmente, são construídas tendo por base um histórico de ocorrência dos picos de cheia e de chuvas, porém, a ocorrência de eventos extremos é difícil de prever. Talvez um superdimensionamento destas estruturas evitasse os estragos ocorridos, mas isso demandaria mais dinheiro público para a sua construção. Aqui cabe destacar que existem locais que não devem ser ocupados, como os fundos de vale e planícies inundáveis. Obedecendo a esta regra é possível evitar muitos estragos”, ressaltou Machado.

Sobre a drenagem urbana, ele explicou que tubulações, galerias e bocas de lobo seguem um padrão de medidas. “Quanto à rede de drenagem natural (os córregos que foram canalizados ou tubulados), a tubulação ou canalização destes segue as dimensões que o córrego apresenta no momento da obra, o que faz com que este não suporte um volume maior de água para o qual ele foi dimensionado. Este é um fator que pode ter sido decisivo para a ocorrência de grande parte dos estragos durante a enchente de 2011”, apontou.

O pesquisador apontou que há áreas em Londrina em que sempre ocorreram alagamentos, enchentes e inundações. “Estas áreas sempre serão passíveis de sofrer com um novo evento, para isto basta que tenhamos um evento intenso de chuva. Em relação aos córregos em geral, eu não me preocuparia tanto, pois como mostraram os estudos realizados, eles possuem uma base rochosa (basalto) e quando ocorrem as chuvas os materiais acumulados são levados embora. O problema está nos lagos (artificiais), onde nesse processo o material se acumula em função das barragens, causando assoreamento. E a lógica é simples, quanto mais sedimento no fundo do lago, menos água acumula e mais estragos ocorrerão”, apontou.

Machado afirmou que Londrina é um exemplo para as cidades brasileiras, mas ainda há muito que ser feito pelas nascentes e pela vegetação de fundo de vale. “É necessário, por exemplo, cuidar para que o lixo não seja disposto irregularmente ao longo dos fundos de vale e nascentes e recompor a vegetação exigida em lei.” No que tange a adequação dos lotes, existem muitas alternativas que podem auxiliar na redução dos estragos causados por enchentes e inundações. Machado cita entre as alternativas a criação de modos de contenção das águas nos terrenos e casas. “Construir com parcelas do terreno permeável, onde a água possa infiltrar, instalar cisternas para captação de águas da chuva para lavar calçadas e aguar plantas. Quanto menor for a área impermeabilizada, melhores serão os resultados obtidos em relação às enchentes.”

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