Washington, 12 (AE) - Era meio-dia, quando milhares de sindicalistas, vestindo jaquetas escuras e bonés coloridos, lotaram o gramado em frente ao Congresso americano. Haviam sido convocados para ocupar as ruas de Washington nos próximos dias 16 e 17, e exigir a dissolução do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird). Mas hoje aproveitaram para protestar contra o acordo comercial, que o governo dos Estados Unidos negociou com a China.
"Queremos o mesmo que os outros", insistiu Andrew Stern, um dos líderes sindicais, referindo-se à coalizão de dez mil trabalhadores, ecologistas, estudantes e religiosos, que cercarão as sedes do FMI e do Bird no domingo."Os governos e as instituições internacionais tem regras para proteger investimentos, propriedade intelectual e patentes. Estamos pedindo que comecem a proteger as pessoas e a natureza", explicou.
Na lista dos desprotegidos, os sindicatos incluíram os trabalhadores americanos que perderam seus empregos (880 mil na última década) graças à importação de produtos mais baratos da China. Um pequeno grupo pedia "a libertação do Tibet, antes da liberação comercial". E Harry Wu, um chinês condenado a 19 anos de trabalhos forçados, arrancou aplausos da platéia ao criticar os EUA, por denfender o comércio com um país que utliza mão-de-obra escrava e desrespeita os direitos humanos.
O acordo em questão, que abre o mercado chinês a produtos americanos (especialmente dos setores de comunicação e de alta tecnologia), será submetido ao Congresso no próximo dia 22 de maio. A sua aprovação é fundamental para a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) e representaria um triumfo para o presidente Bill Clinton, no seu último ano de mandato.
Mas a votação no Congresso ocorrerá justamente seis meses antes das eleições presidenciais de novembro. E o candidato de Clinton à sucessão - o vice, Al Gore - precisa do apoio dos sindicatos, tradicionais aliados de seu Partido Democrata. Por isso mesmo os sindicalistas aproveitaram o momento em que a atenção mundial está voltada para Washington, para exercer pressão contra uma abertura comercial, que prejudica os setores menos competitivos da economia americana.
Na manifestação em frente ao Congresso e em dezenas de eventos diários, que culminarão com a grande mobilização no final de semana, compareceram lendas vivas e bruxos. Hoje, a atração principal era James P. Hoffa, presidente do sindicato dos condutores. Seu pai, James R. Hoffa, liderou a mesma organização nos anos 50, foi preso na década de 60 e, depois de solto, desapareceu misteriosamente em 1971. Acabou sendo ressucitado em 1992 pelo ator Jack Nicholson, no filme "Hoffa".
"Temos que mobilizar os trabalhadores das Américas contra as corporações internacionais, que não têm fronteiras e ditam as regras da economia mundial", disse Hoffa à Agência Estado. A poucos quilômetros do Congresso, num bairro decadente de Washington, centenas de pessoas - a maior parte jóvens, vestindo trajes exóticos - ensaiavam as mais diversas formas de enfrentamento com a polícia.
Há mais de duas semanas, o galpão na Rua Flórida foi transformado no quartel-general dos organizadores da Mobilização pela Justiça Social - uma tentativa de revolução popular para destruir instituições criadas há meio século, que teve início na reunião ministerial da OMC em Seattle, em novembro passado. Os protestos resultaram na prisão de 600 pessoas, mas os manifestantes lograram seu objetivo: impedir o acesso das delegações oficiais ao encontro e chamar a atenção do mundo.
Na entrada do galpão, jovens recepcionistas exibiam os rostos perforados por brincos e cabelos de todas as cores do arco íris. Sua função é indicar aos recém-chegados, as atividades do dia. No primeiro andar, a bruxa Starhawk ensinava a um grupo as artes mágicas de combate. Em círculo e de mãos dadas, seus seguidores chamavam as forças da terra e os espíritos de seus antepassados. para ajudá-los a enfrentar o mal do milênio: a globalização.
Numa sala ao lado, outro grupo treinava ações de não violência."Vocês estão liderando uma marcha e, de repente, a polícia aparece em frente bloqueando o caminho. O que farão? ", perguntou a instrutura, aos 40 alunos sentados no chão. "Pararíamos onde estávamos e enviariamos algumas pessoas em busca de um caminho alternativo", respondeu um deles.
No grupo estava Natália Bernal, uma uruguaia de 23 anos, que acaba de chegar a Washington para a mobilização. "Eu estava morando em São Paulo, fazendo um estágio no Instituto Paulo Freire", contou. "Mas vivo há anos em Washington e muitos dos meus colegas são filhos de funcionários do FMI e do Bird, que são amigos de meus páis", disse sorrindo.
Apesar de usarem armas alternativas, como meditação e dança, os manifestantes estão sendo também recebem treinamento convencional para enfrentar a polícia. Existem cursos diários sobre todos os recursos legais, para obter uma rápida liberação da cádeia, e especialistas dão dicas sobre a melhor forma de escapar das bombas de gas lacrimogênio.
Num canto do galpão, a artista Ruby montava a sua máquina diabólica: o dragão do Ajuste Estrutural. A estrutura de maderia
de três metros de altura, desfilará sobre rodas pelas ruas de Washington, devorando o povo e a natureza, e cuspindo lixo pela sua boca.
Esse será o carro-chefe de um desfile de bonecos, contando a tragédia da globalização. Os três vilões são o FMI, o Bird e a OMC. "O Fundo é aquele lá", diz Ruby, apontando para um gigantesco rosto pálido, com um enorme nariz pontudo. "Ele é narigudo como Pinoquio, porque sempre mente", explica.
As pessoas e a natureza, trituradas pelas políticas de ajuste do FMI, serão representadas por centenas de mãos e de pássaros coloridos. Mas a história tem um final feliz: outro personagem, que no desfile é o boneco da Libertação e na vida real seriam os manifestantes, aparecerá para salvar o mundo.