Um júri popular iniciado na manhã desta terça-feira (25) reuniu dois grupos distintos para protestar. Foi no início da tarde. De um lado da via, familiares da vítima defendem a liberdade do acusado. Do outro, Neias - Observatório de Feminicídios de Londrina e Frente Feminista de Londrina, que entende o caso como um feminicídio e, mesmo do lado de fora do fórum, realizou performances para lembrar que uma mulher teve a vida ceifada de forma violenta por seu marido.

Grupo de Mulheres recorda morte prematura de Márcia Aparecida dos Santos
Grupo de Mulheres recorda morte prematura de Márcia Aparecida dos Santos | Foto: Isaac Fontana/Framephoto/Folhapress

O caso aconteceu em 1º de maio de 2015 em Tamarana (Região Metropolitana de Londrina). O agricultor Donizete Alves Pereira, 54, foi denunciado pelo Ministério Público por feminicídio contra sua esposa na época, Márcia Aparecida Pereira, então com 36 anos. Desde então, Pereira segue recolhido na Casa de Custódia de Londrina, acusado de ter lançado contra a esposa uma roçadeira, que em razão das lesões, deu entrada no hospital já sem vida.

Para os filhos e familiares do acusado, foi um acidente. "Meu pai estava trabalhando, estávamos numa fase boa, havíamos recebido a terra do Incra e enquanto ele fazia a roçagem, minha mãe tratava das galinhas. Nesse momento, a lâmina bateu em uma pedra, quebrou e atingiu a minha mãe no punho, que acabou por amputar sua mão", narrou o filho mais velho Rafael Henrique dos Santos, 25, que trabalha como entregador. "Estamos aqui para pedir a liberdade do meu pai. São seis anos de angústia e muito sofrimento. Eu era o único maior. Tinha 19 anos na época, perdi minha mãe, meu pai foi preso e meus quatro irmãos tiveram que ir morar com meus tios. Ou seja, perdi todos e eu queria ter a minha família de volta", declarou.

O jovem considera que o fato de o pai ter respondido por um homicídio anterior pode ter pesado por sua prisão durante todos esses anos. "Foi em 2007, meu pai foi absolvido e ficou provado que um antigo relacionamento da minha mãe invadiu nossa casa com uma faca e em legítima defesa, meu pai acabou por golpeá-lo e ele faleceu." Com faixas, cartazes e camisetas com as mãos em prece, os familiares do acusado se mostravam contrários ao movimento feito pelo grupo de mulheres bem no dia do julgamento - respeitam o trabalho que desenvolvem na defesa de vítimas de violência doméstica, mas consideram que não é o caso. "Nós não tínhamos como pagar um advogado e conseguimos um por meio da igreja para defender meu pai. Já sofremos muito nesses anos e que hoje seja um dia de liberdade para todos nós. Vamos lutar até o último minuto", enfatizou.

Rafael Henrique dos Santos, 25 anos: Foi um acidente, já sofremos demais e meu pai merece a liberdade"
Rafael Henrique dos Santos, 25 anos: Foi um acidente, já sofremos demais e meu pai merece a liberdade" | Foto: Walkiria Vieira

Do outro lado da calçada, o grupo - Observatório de Feminicídios de Londrina e Frente Feminista de Londrina recorda a perda prematura e violenta de uma mulher e com rosas para homenageá-la e pinceladas de tinta vermelha sobre o tecido branco expressavam o sofrimento de Márcia. Integrante do grupo, a advogada Jéssica Hannes sustenta que todo o processo traz provas de um feminicídio. "No depoimento pela manhã, a enfermeira que atendeu Márcia relata que Dozinete não demonstrou qualquer sentimento e que nem parecia ser um familiar. Foi pedido para que aguardasse, mas ele não permaneceu no hospital."

Hannes cita ainda que consta nos autos que a vítima chegou com as pupilas dilatadas, sem pulso e que no carro onde fora transportada não havia uma gota de sangue. "O laudo de necropsia aponta que primeiro a vítima foi atingida no braço, depois a lâmina ficou presa na parte inguinal da parede abdominal, onde lá, a lâmina se soltou e ficou presa ao corpo de Márcia", detalha. A advogada revela que uma testemunha que vive sob proteção dá um depoimento contrário ao de Rafael. "Ele fez de forma proposital, queria atingir Márcia e foi mais de um golpe mesmo".

Jessica Hannes:  "Uma testemunha que vive sob proteção dá um depoimento contrário ao de Rafael. "Ele fez de forma proposital, queria atingir Márcia e foi mais de um golpe mesmo".
Jessica Hannes: "Uma testemunha que vive sob proteção dá um depoimento contrário ao de Rafael. "Ele fez de forma proposital, queria atingir Márcia e foi mais de um golpe mesmo". | Foto: Walkiria Vieira

Criado há três meses, o Neias - Observatório de Feminicídios de Londrina, é uma referência á violência sofrida por Cidnéia Aparecida Mariano da Costa, 35, uma vítima de tentativa de feminicídio. "Ela ficou tretrapéglica, perdeu a fala, vive acamada e só respira. O caso aconteceu dois anos atrás. Neia era auxiliar de cozinha, foi asfixiada e deixada à própria sorte em uma área rural na região norte de Londrina pelo ex-companheiro, Emerson Henrique de Souza, e tem quatro filhos. "A falta de oxigenação no cérebro logo após a agressão causou uma síndrome neurológica chamada encefalopatia hipóxico-isquêmica que culminou na perda dos movimentos. A vítima agora respira sem a ajuda de aparelhos e voltou a se alimentar sem a sonda, mas não há perspectivas de reabilitação. Souza está preso pelo crime.

Socialmente, o feminicídio se concretizou", declarou Silvana Mariano. "O objetivo do ato é dar visibilidade para esse julgamento. Queremos defender um sistema de justiça que respeite a memória das vítimas, sem revitimização das mulheres e sem condescendência com valores machistas que supostamente justificam a conduta do réu. Ao quebrar o silêncio social com o qual muitas vezes esses julgamentos são realizados, queremos ecoar a voz de Márcia, cuja vida foi ceifada aos 36 anos de idade”, afirmou Meire Moreno, integrante do Observatório.

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