Quando o dentista e radialista Rodrigo Linhares decidiu investigar o que era aquela mancha branca na pupila da filha Mariana, então com cinco meses de aula, sentiu o chão desaparecer dos próprios pés. Ele, que sofreu um descolamento de retina na juventude, sempre temeu pelos olhos azuis da primeira e única filha, mas os pensamentos sempre acabavam sendo afastados da mente, afinal de contas, estava tudo certo com o teste do olhinho feito ainda na maternidade.

De acordo com a oncologista pediátrica Tânia Anegawa, o diagnóstico precoce garante melhores taxas de cura, qualidade de vida e menor agressividade no tratamento
De acordo com a oncologista pediátrica Tânia Anegawa, o diagnóstico precoce garante melhores taxas de cura, qualidade de vida e menor agressividade no tratamento | Foto: Assessoria HCL/Divulgação

“Eu observava o seu olhar e notei que tinha algo diferente, mas nas fotos que fazíamos, nunca aparecia nada”, conta. Foi a babá a notar que tinha alguma coisa estranha nas fotos feitas com o próprio celular, lá estava um reflexo branco nos pequenos olhos da bebê, algo que anunciava o que estaria por vir na vida da menina dos olhos de Linhares. “Estávamos aprendendo a ser pai e mãe quando recebemos o diagnóstico. No médico oftalmologista, a confirmação: era retinoblastoma bilateral, nos dois olhos”, conta.

A história da família Linhares tem um final feliz. Hoje, Mariana tem nove anos de idade, está curada depois de dois anos de tratamento no GRAACC, em São Paulo e de seis em seis meses, faz exames para controlar que tudo continua bem.

“Ninguém está preparado para isso, para ter um filho, ainda mais um bebê, com câncer. Embora seja chocante um bebê com uma doença assim, é um bem não precisar explicar para a criança o que está acontecendo. Disso fomos poupados. Foi um choque e o apoio psicológico é imprescindível. É uma montanha russa, tem dias que você está bem, no outro só chora. Quando a Mariana deu uma estabilizada, eu fiquei muito mal, foi um choque pós-traumático, com direito a crises de pânico com direito a idas ao hospital achando que estava para enfartar”, revela.

Hoje, Linhares gosta de falar sobre o assunto e se coloca à disposição para conversar com pais que estão passando pela mesma situação. “Eu sei o quanto é importante, nessas horas, ouvir relatos de cura. Quando eu estava no hospital, no meio daquele desespero e acontecia de conversar com um pai, que já estava ali para só fazer os exames de controle, na situação que nos encontramos hoje, me fazia bem, me dava esperança. Hoje, minha filha está curada”, diz.

No final de semana passado, Linhares estava com a família e amigos quando o celular começou a receber muitas mensagens falando da notícia sobre a filha de um ano de idade dos jornalistas Tiago Leifert e Daiana Garbin, também diagnosticada com o mesmo tipo de câncer. “Fiquei dilacerado. Me fez reviver tudo, uma situação muito parecida com a nossa, tratando no mesmo hospital e com o mesmo médico que tratou a minha filha. Até agora, estou sensibilizado com isso. Eles estão confiantes e isso é muito bom, mas eu sei como é passar por isso”, comenta. “A nossa é uma bela história de cura”, diz Linhares.

O retinoblastoma é um tipo raro de câncer ocular infantil, que registra cerca de 250 novos casos diagnosticados por ano, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Se detectado em estágio inicial e tratado em centros especializados, as chances de cura passam de 90%.

De acordo com a médica Tânia Hissa Anegawa, oncologista pediátrica do Hospital do Câncer de Londrina e docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL), o diagnóstico precoce é muito importante para a maioria das doenças e no caso de cânceres infantis, garante melhores taxas de cura, qualidade de vida e menor agressividade no tratamento.

“O teste do olhinho é um teste de triagem feito nas primeiras horas de vida e pode identificar algumas alterações visuais, porém ele, isoladamente, não exclui o diagnóstico posterior de retinoblastoma”, diz.

É aí que entra a observação atenta dos pais para identificar alguns sintomas que possam estar associados ao câncer nos olhos infantil. Anegawa afirma que a leucocoria (um reflexo anormal da pupila quando exposta à luz conhecido como ‘reflexo do olho de gato’, perceptível em fotos com flash por meio de um brilho branco diferente no olho da criança) é um dos sinais comuns e outros também merecem atenção, como um estrabismo repentino - quando a criança fica vesga repentinamente, movimentos oculares desordenados, cefaleia e irritabilidade. “São sinais de alerta e os pais devem procurar atendimento médico rapidamente”, alerta.

O retinoblastoma, apesar de raro, é o tipo mais comum de câncer no olho em crianças, independentemente de sexo ou etnia. É formado na retina e 95% dos casos ocorre em crianças de até 5 anos, representa cerca 3% dos cânceres infantis e mais da metade deles, algo em torno de 60% são casos considerados esporádicos, geralmente ocorrendo em crianças com mais de um ano de vida.

“Os demais casos são hereditários, relacionados com uma mutação em um gene chamado RB1, nesses casos o retinoblastoma acomete em crianças menores de um ano. O retinoblastoma bilateral é uma forma ainda mais rara e quase sempre é hereditária. Com essa informação, os irmãos de portadores de retinoblastoma também precisam ser acompanhados pelo oftalmologista periodicamente”, afirma.

Os riscos maiores de um diagnóstico tardio, continua a especialista, seriam o comprometimento da visão, podendo levar à cegueira total e até mesmo cirurgias agressivas como a enucleação, a retirada do globo ocular. “Infelizmente, em alguns casos, pode ser fatal”, diz Tânia Anegawa.

Os avanços na medicina permitem bons índices de sucesso no tratamento do retinoblastoma. “Se no início as opções terapêuticas exigiam quimioterapias endovenosas de altas doses e cirurgias mutilantes, hoje podemos realizar quimioterapias intra-arteriais e laser-terapia”, diz.

Por conta da raridade da doença, os pacientes de Londrina precisam ser encaminhados para tratamento de centros de referência de oncoftalmologia em Curitiba e em São Paulo, onde fica o GRAACC, com um dos mais modernos centros de tratamento do retinoblastoma, comparado aos principais serviços existentes em países da Europa e nos Estados Unidos, com uma experiência de dez anos na aplicação da quimioterapia intra-arterial, procedimento minimamente invasivo que injeta a medicação diretamente na artéria oftálmica agindo direto no foco da doença.

Esse procedimento, juntamente com a quimioterapia sistêmica, quimioterapia intraocular e as demais técnicas de tratamento local, reduz, em média, para 20% as necessidades de enucleação, que é a remoção do globo ocular.

O GRAAC lançou recentemente uma cartilha digital sobre o retinoblastoma, com informações sobre como reconhecer os sinais e sintomas do tumor ocular (https://bit.ly/retinoblastoma-graacc).

O diagnóstico precoce é a única forma de prevenção. “É muito importante os pais estarem atentos aos sinais e sintomas do câncer infanto-juvenil e procurarem sempre atendimento médico”, diz Anegawa.

“Ações como o do apresentador Tiago Leifert são corajosos e estimulam a discussão a respeito do câncer infantil, que apesar de ser raro é a segunda causa de mortalidade nessa faixa etária”, comenta.

Para referências sobre diagnóstico precoce do câncer infantil, a médica também indica a leitura do Protocolo de Diagnóstico Precoce do Câncer Pediátrico 2017 Ministério da Saúde (https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_diagnostico_precoce_cancer_pediatrico.pdf ) e o livro do programa Diagnóstico Precoce do Câncer na Infância e no Adolescente do Instituto Ronald McDonald (https://institutoronald.org.br/wp-content/uploads/2019/11/livro_DIAGNOSTICO-FINAL_2018-Versa%CC%83o-digital.pdf).

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.