Cai o número de matriculados na EJA no Paraná
Há divergência entre dados da Seed e da APP-Sindicato. Redução de turmas e modelo à distância podem ter afastado os alunos da sala de aula
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terça-feira, 03 de dezembro de 2024
Há divergência entre dados da Seed e da APP-Sindicato. Redução de turmas e modelo à distância podem ter afastado os alunos da sala de aula
Jéssica Sabbadini - Especial para a Folha
Vista como ferramenta de cidadania e de acesso a um dos direitos mais básicos, a educação de jovens e adultos (EJA) vem enfrentando uma série de desafios no estado. De acordo com um levantamento feito pela APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), em 2019 a unidade da Federação contava com 125.881 estudantes matriculados na EJA; quatro anos depois, em 2023, o número teria caído para 31.743. Nesse cenário, em quatro anos, a queda foi de 75%, o que representa 94.138 alunos a menos.
Questionada pela FOLHA, a Seed (Secretaria de Estado da Educação) afirmou que, em 2019, o número de matrículas foi de cerca de 77 mil, mas que o indicador não reflete o número de estudantes pelo fato de que cada registro é referente ao número de matrículas em disciplinas. Um aluno poderia estar, portanto, matriculado em mais de uma disciplina ao mesmo tempo.
Com uma mudança na metodologia, que passou a contabilizar o número de estudantes, a informação da pasta é que 41.705 estudantes estão matriculados no segundo semestre deste ano. Apesar da divergência de dados, é notória a redução no número de estudantes.
Secretária executiva educacional da APP-Sindicato, Margleyse dos Santos diz que “existe um descaso por parte do governo do Paraná em relação à educação de jovens e adultos”. Com o fechamento de unidades do CEEBJA (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos), aponta, os estudantes são encaminhados para escolas regulares, o que afasta estudantes, já que não existe acolhimento específico para esse público.
O sindicato apurou também que, desde 2019, a oferta do EJA para quem quer concluir o ensino médio foi encerrada em 27 escolas, e houve redução da modalidade para o ensino fundamental em 54 unidades.
Professora do Departamento de Educação da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e integrante do Fórum Paranaense de Educação de Jovens e Adultos, Adriana Farias Medeiros aponta que estudos vêm mostrando uma “drástica redução no número de matrículas em todo o país”. No Paraná, a queda, segundo ela, está associada ao fechamento de turnos, turmas e escolas voltadas à educação de jovens e adultos.
A professora alerta que “a coleta de dados por pesquisadores vem sendo dificultada por conta da falta de transparência em relação à educação pública. “Nós não podemos dimensionar o problema na educação de jovens e adultos enquanto os pesquisadores não têm livre acesso às escolas da educação básica no Paraná”, critica. Dentre os motivos para a redução nas matrículas, a professora destaca as “travas” para a abertura de novas turmas, como o número mínimo de 20 alunos.
Durante a pandemia, houve agravamento da situação, já que foram utilizados instrumentos que a professora caracteriza como incompatíveis com as condições de estudantes que frequentam o EJA, como o ensino à distância. “Isso demonstrou a total falta de condição de os estudantes continuarem os seus estudos, uma vez que dependiam do acesso a um pacote de dados de internet, da utilização de equipamentos que os estudantes não tinham”, detalha.
Aluna do CEEBJA Herbert de Souza há cinco anos, Letícia Mika Nasu, 23, confirma que a aprendizagem fica muito mais fácil com o contato direto com professores e colegas em sala de aula. Feliz por poder estudar, ela garante que os professores ajudam todos alunos que têm alguma dificuldade durante as aulas. “É importante estudar para achar um trabalho”, afirma.
Medeiros aponta também que a oferta do modelo presencial não pode ser totalmente substituída pelo ensino à distância quando se fala em educação de jovens e adultos. Segundo ela, esse experimento já foi realizado no Paraná e o resultado foi um alto número de “certificações vazias”. “Aumenta-se o número daqueles que concluem a modalidade, mas não se oferta estudantes com condições de utilizar os conhecimentos necessários para seguir a sua vida no mundo do trabalho”, explica.
“Onde houver um trabalhador ou uma trabalhadora que não teve acesso à educação, o Estado tem que garantir a sua oferta, ainda que a turma tenha 5, 10 ou 12 alunos”, aponta.
Há 27 anos em atividade, o CEEBJA Herbert de Souza, na Vila Nova, na área central de Londrina, atende jovens e adultos que desejam concluir o ensino fundamental ou médio. Na unidade, é feito um trabalho de acolhida com os estudantes, já que muitos estão há décadas longe da sala de aula.
A instituição está coletando relatos de alunos contando um pouco da vivência deles no retorno aos estudos. É o caso de Irene Brandão, 47, que estava havia 23 anos longe da escola. Segundo ela, voltar a estudar foi a melhor decisão que já tomou. “Gosto muito de estudar aqui, apesar do cansaço, pois trabalhar e estudar não é fácil, mas vale a pena”, afirma. “Depois que concluir o EJA, quero fazer uma faculdade de pedagogia.”
Medeiros ressalta ainda que é necessário que a matrícula no EJA seja liberada a qualquer tempo e de forma descentralizada para que as aulas estejam disponíveis em diferentes regiões de uma mesma cidade, do centro à periferia.
A história de Francisco de Assis de Oliveira, 72, reflete a realidade de inúmeros outros brasileiros. O aposentado precisou largar os estudos quando cursava o ensino fundamental para ajudar os pais a cuidar dos irmãos mais novos. “Não tinha condições de continuar a estudar”, conta.
Natural de Natal (RN), ele morou boa parte da vida no estado de São Paulo. Em Londrina, chegou em 2018 por conta dos filhos, que já estavam na cidade. Certo dia, foi acompanhar um dos filhos no CEEBJA Herbert de Souza e se deparou com um acolhimento que, nas palavras dele, foi “nota mil”.
Para Oliveira, que sempre teve vontade de retomar os estudos, foi como se uma luz se acendesse. “Eu falei para a minha baixinha [esposa]: eu vou estudar nessa escola”, conta. O único receio, segundo ele, era a vergonha de compartilhar a sala de aula com alunos mais novos. A partir daí, foi em busca dos documentos que precisava para fazer a matrícula.
Estudando há pouco mais de dois anos, já concluiu o ensino fundamental e, agora, tem aulas relativas ao ensino médio, que devem terminar no final de 2025. Como se fosse ontem, lembra do primeiro dia de aula, em 2 de agosto de 2022, ministrada pelo professor Ivo, em que precisou ler um texto em voz alta para toda a turma para depois fazer o trabalho da disciplina. No começo, suava de nervoso, mas com o tempo foi perdendo a timidez.
Oliveira conta que já aprendeu muita coisa e que não gosta de faltar - não deixou de ir nem quando estava com febre. Para o aposentado, ele, as aulas presenciais fazem toda a diferença. E também cobra a valorização dos professores, responsáveis pela formação de todas as outras profissões.
“A gente fica com mais autoestima”, garante o aposentado. O próximo passo é prestar vestibular para testar os conhecimentos. “O estudo ninguém tira da gente”, decreta.