A iraniana Solmaz Salahshour com o colega brasileiro Lucas dos Santos Silva:  entre uma aula e outra no Ceebja ela sanava a curiosidade da turma sobre a cultura do seu país
A iraniana Solmaz Salahshour com o colega brasileiro Lucas dos Santos Silva: entre uma aula e outra no Ceebja ela sanava a curiosidade da turma sobre a cultura do seu país | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

“Eu não sabia nem falar 'oi'”, sorri a iraniana Solmaz Salahshour, agora mais adaptada à língua portuguesa. A estudante chegou ao Brasil em fevereiro de 2018 e ingressou em uma das turmas de língua portuguesa do Ceebja Herbert de Souza (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos). A escola na Vila Nova, região central de Londrina, a acolheu em uma turma de brasileiros com outras duas alunas estrangeiras (uma italiana e outra nigeriana).

A estudante tem fluência nos idiomas persa, árabe e inglês, mas desconhecia a língua portuguesa. “No começo, eu ficava muito nervosa por não entender nada. Quando alguém perguntava o meu nome, eu ficava muito chocada. Por três meses, eu quase não falei e não fui para outros lugares”, conta a estudante.

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Em pouco tempo, ela conseguiu compreender a gramática. Em menos de um ano, Soli, como é carinhosamente chamada pela turma, passou a se comunicar com tranquilidade. Porém, ela ainda se confunde com gírias e expressões do dia a dia.

No Paraná, mais de 4 mil alunos estrangeiros de 76 nacionalidades foram matriculados na rede estadual de ensino no primeiro semestre de 2019. Em Londrina, pouco mais de 200 estrangeiros foram atendidos. Soli frequentou as aulas no ano passado. Ela veio para a cidade após conhecer um iraniano que trabalhava em Londrina. Foram dois dias de viagem da capital Teerã até o interior do Paraná.

A diretora auxiliar e professora de língua portuguesa, Maristela Senegalia, estimulou a conversação entre os alunos da turma e chamou a atenção dos colegas que tentavam diálogo em inglês. “Eu adaptei conteúdos em imagens, textos e também usei muita mímica. Eu não falo nada de inglês e muita gente queria aproveitar para praticar inglês com ela”, comenta a docente. Foi a primeira vez que a professora ministrou aulas para estrangeiros.

“Fiquei muito preocupada. A gente sempre quer que o aluno evolua em todos os sentidos. Eu fui vendo a evolução dela e isso me deixava cada vez mais confiante. Ela tem muita determinação. Sair do seu país, de um lugar de conforto, e vir para um lugar totalmente diferente é um desafio muito grande”, acrescenta a professora.

Para o colega brasileiro Lucas dos Santos Silva, o convívio com diferentes culturas foi um grande aprendizado. “Estudar com a Soli foi muito interessante porque eu só conhecia brasileiros. É uma cultura diferente e ela se adaptou bem rápido. Ela fazia as mesmas atividades que a gente e, se duvidar, fazia melhor que a gente”, elogia.

A aluna foi gerente comercial e professora de inglês no Irã. No Brasil, entre uma aula e outra, ela sanava a curiosidade dos colegas de turma sobre a cultura do país estrangeiro. “Lá pode dirigir, pode trabalhar e não tem guerra... Muita gente perguntou sobre guerra”, estranha.

Embora tenha saudades da família e da terra natal, Soli pretende retornar ao Irã apenas de passagem. No Brasil, ela prepara pratos típicos como kebab torsh e outras iguarias para manter vivos os sabores iranianos, sem dispensar um bom churrasco.

Aluna, professora e colegas de turma ficaram amigos. Hoje, Soli trabalha como professora de inglês em Londrina. “Trabalhar essa diversidade dentro de uma sala de aula com alunos de diferentes idades, nacionalidades e profissões... Isso é inclusão”, completa a diretora da escola, Vilma Foganholi.

ATENDIMENTO

Todos os estrangeiros têm direito à escolarização e são atendidos no ensino regular, nas turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) e no Celem (Centro de Línguas Estrangeiras Modernas), que oferece cursos de Português para Falantes de Outras Línguas.

A representante da Seed (Secretaria de Estado da Educação) no Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná, Joice Barbaresco, ressalta que grande parte dos alunos estrangeiros atendidos no ensino regular chega ao Brasil acompanhada das famílias. “Uma das principais barreiras é o idioma. Quando ele é superado, o aluno consegue se comunicar e se articular bem. Não é só uma questão de escolarização, mas de integração dele na sociedade”, comenta.

O atendimento ocorre por meio da classificação dos estudantes em relação ao nível de compreensão da língua portuguesa, da matrícula na série compatível com a idade ou por meio da equivalência e revalidação de documentos.

“Vimos em algumas experiências como isso enriquece o aprendizado. Isso traz um aspecto multicultural em sala de aula e o professor pode aproveitar esse momento para trazer histórias e narrativas diferentes que enriquecem o conhecimento e a empatia de todos os alunos. É uma oportunidade incrível para mostrar aos alunos que todos estamos juntos para aprender, apesar das dificuldades e diferenças”, completa Barbaresco.