A informalidade dos programas de voluntariado ainda é uma realidade no país. Somente 45% dos voluntários têm conhecimento sobre a lei do serviço voluntário no Brasil e apenas 18% deles assinam o termo de adesão ao serviço voluntário. Além disso, 84% desconhecem as plataformas e sites de promoção à atividade.

Imagem ilustrativa da imagem Brasil enfrenta o desafio de expandir o número de voluntários
| Foto: iStock

As informações constam na Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, elaborada pelo Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), uma oscip (organização da sociedade civil de interesse público) fundada em 1999 e pioneira no apoio técnico ao investidor social no Brasil.

Em setembro, a organização realizou o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais com o tema "Colaboração", cuja potência foi revelada com a pandemia, de acordo com Luisa Lima, gerente de Comunicação do Idis. Formada em Administração de Empresas pela USP (Universidade de São Paulo), ela trabalha no terceiro setor há quase 20 anos. Começou a carreira na Fundação Itaú Social, onde foi responsável pelo desenvolvimento e gestão do programa de voluntariado corporativo. Foi Gerente de Comunicação Institucional e Cidadania na Edelman, mas se encontrou no Idis, desde 2019, quando conseguiu unir de forma mais concreta a sua atuação no terceiro setor com a experiência em comunicação.

O Idis realizou a pesquisa sobre o Voluntariado no Brasil 2021. A sra. pode fazer um raio-X da atividade no país, que conta hoje com 57 milhões de voluntários ativos?

Numa perspectiva histórica, tanto a pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 quanto a pesquisa Doação Brasil, que o Idis também desenvolve, mostram que a atividade voluntária e as doações vêm crescendo. Na pesquisa Voluntariado, em 2001, quando a primeira edição foi realizada, eram uns 18% da população que diziam já ter feito algum tipo de atividade voluntária na vida. Esse número mais do que triplicou em 2021. Essas atividades voluntárias passaram a fazer parte do dia a dia de muitas pessoas.

A pesquisa também levantou dados sobre a frequência. Dos 34% fazem atividade voluntária atualmente, 12% o fazem com frequência definida e 22% sem frequência definida. E 15% realizam atividades ligadas ao programa de voluntariado empresarial e dedicam, em média, 21 horas e meia por mês. Qual a sua avaliação sobre a questão da frequência?

Há um número muito expressivo de pessoas fazendo atividades voluntárias, dedicando seu tempo e suas competências para para esse tipo de ação.Houve não só um crescimento de pessoas fazendo atividades voluntárias, mas também da qualidade dessa atividade. Se antes, em 2011, eram 5 horas dedicadas por mês, agora a gente tem 18 horas dedicadas por mês, o que é bastante expressivo.

A gente olha para esses dados da frequência definida como um comprometimento maior das pessoas com aquela atividade e com um entendimento da sua real contribuição para aquela mudança. Então, você assume um compromisso frequente com aquela situação. Ter um número de 22% versus 12% de pessoas que fazem sem uma frequência definida é uma coisa muito significativa. Toda contribuição é importante. Para algumas pessoas é mais eventual, mas também tem um valor enorme. A gente quer que os dois números cresçam na próxima edição da pesquisa.

E quanto ao voluntariado empresarial? Os dados apontam que 15% dos voluntários estão engajados em programas de voluntariado empresarial e dedicam, em média, 21 horas ao mês.

Esse número chama a atenção. Esse número ainda é muito baixo. Uma boa parte da população é empregada em empresas e se todas elas assumissem o compromisso de estimular o voluntariado, com certeza, esse número seria maior. A gente faz um chamamento para as empresas, para que elas engajem mais, e deem condições para que suas equipes participem de atividades assim.

Quando elas fazem isso, as empresas ganham também. Com mais voluntários, você contribui para a causa e a própria pesquisa aponta que os voluntários possuem uma alta satisfação com as atividades que eles mesmos fazem, e existe uma associação a uma melhor qualidade de vida. As empresas podem explorar isso por meio desse sentimento de pertencimento dos funcionários às equipes quando fazem atividades.

Como?

Os profissionais podem colocar a serviço das organizações da sociedade civil competências que eles usam na empresa, e conhecimentos que eles têm na empresa de uma forma diferente, e acho que isso contribui para a inovação e para a criatividade dentro da própria empresa depois. Tem uma questão de possibilidade de engajamento de outros stakeholders, que não são relacionados diretamente ao próprio dia a dia da empresa. Então, o programa de voluntariado pode engajar familiares, pode ser aberto para fornecedores e as atividades podem ser realizadas nas próprias comunidades onde a empresa está presente. Isso só aumenta o vínculo da empresa com a comunidade onde ela está, então tem uma série de benefícios onde todos ganham.

Na pandemia houve um forte crescimento de famílias e comunidades em situação de rua ou passando fome. Isso teve impacto no voluntariado?

As pessoas veem que houve um aumento da população de rua e elas respondem a isso com atos de generosidade, com atos de solidariedade, com atos de voluntariado. A maior motivação para o trabalho voluntário é justamente a solidariedade que aparece em primeiro lugar. As pessoas querem fazer o bem para o outro, que está numa situação de vulnerabilidade.

Como a sra. avalia que a pandemia pode ter alterado a disposição das pessoas para o voluntariado e a filantropia?

Historicamente há picos de mobilização em situações de crise e emergência. A pandemia está dentro dessa lógica, mas ela é um ponto fora da curva pela extensão que ela teve e pelo tempo que ela durou. Durante a pandemia, a gente conseguiu ver o potencial do capital filantrópico. Em dois anos foram 7 bilhões mobilizados para o enfrentamento da pandemia. Esse recurso a gente foi caindo um pouco quando passou a emergência, mas nos serviu para a gente ver que existe um capital que pode ser mobilizado. Há uma mobilização muito maior de empresas e de famílias para estruturar os seus programas e adotar novas causas além da emergência.

A pandemia também mostrou o poder da colaboração. A gente vê uma série de organizações fazendo parcerias para que os recursos tivessem uma dimensão maior e tivessem mais resultados e chegassem a quem realmente precisava. Aqui no Idis, a gente fez uma mobilização ao fundo emergencial para a saúde com duas outras organizações e a gente conseguiu mobilizar 11 mil doadores, entre empresas e cidadãos. Isso mostra que juntos a gente consegue chegar muito mais longe e mais rápido. Eu acho que a pandemia teve um terceiro aspecto que foi o fato de evidenciar a potência dos atores locais. A gente viu que muitas organizações que estão na ponta se destacaram no enfrentamento à Covid-19 , porque elas têm conhecimento do território, elas têm capacidade, têm capilaridade e agilidade para agir, elas conhecem quais as demandas. Muitos financiadores buscaram essas organizações locais para serem parceiros de gestão dos recursos.

Isso gerou os territórios potentes, que foi um dos temas das palestras do fórum?

Em vez de uma empresa ou uma família, que tem uma causa, encontrar dentro das suas fronteiras uma solução para um problema, essa solução é encontrada junto aos territórios. Eu vou ao local e ouço e construo esses projetos e essas prioridades com a população e junto às lideranças locais, com as organizações que estão lá. Hoje, no Brasil, tem se desenvolvido muito um modelo de filantropia comunitária. É uma organização local que não implementa projetos, mas recebe recursos de diferentes fontes, então podem vir por recursos de doações de empresas ou de famílias. Essa organização ou fundação filantrópica faz uma rede entre os atores locais, capacita esses atores e define o conjunto de prioridades para aquele território. Assim ela faz a destinação desse recurso recebido de forma muito mais planejada para o desenvolvimento de longo prazo daquele daquele espaço.

E como difundir a cultura avaliativa dessas ações?

A cultura avaliativa é essa perspectiva de a gente desenvolver os projetos com o olhar de atenção concreta aos objetivos que você quer alcançar. É preciso monitorar esses objetivos e definir indicadores para que você avalie como foi aquele resultado. Existem diferentes metodologias que permitem você chegar a isso e elas variam de acordo com o projeto, mas isso permite fazer uma avaliação do impacto que aquilo causou, tanto para os beneficiados e para o território em que o projeto foi desenvolvido quanto para a causa pela qual a pessoa está trabalhando. Muitas vezes esse tipo de avaliação era feito para fazer uma prestação de contas no final, mas o que os financiadores e beneficiários têm visto é que a avaliação é uma forma rica de identificar pontos de melhoria naquele projeto para poder ampliar o impacto numa perspectiva de longo prazo com aquele recurso.

E quais foram os principais desafios identificados pelos palestrantes no fórum em relação à filantropia e ao investimento social.

Essa questão da colaboração foi um dos temas do evento, e surgiu de forma transversal ao longo do evento e ficou muito claro como isso é muito potente. Ela é positiva, mas não é tão simples de ser alcançada. Há barreiras e a gente falou muito sobre como superá-las. Houve um debate sobre a questão da construção da confiança nas relações com as organizações da sociedade civil e da importância da transparência. A gente falou sobre metodologias e plataformas, que por meio de processos a gente consegue estimular essa colaboração e fazer com que ela aconteça, e ter os melhores resultados também. Falou-se muito do impacto do capital filantrópico e de ter um olhar mais estratégico para os projetos de sua atuação e tenha a possibilidade de ampliar os seus resultados por meio das avaliações. Outra questão que se falou foi sobre os mecanismos financeiros disponíveis. A filantropia, no imaginário das pessoas, está relacionada apenas a uma simples doação, mas há uma série de mecanismos financeiros que dão uma outra dimensão para ela. É o caso dos fundos patrimoniais ou do venture philanthropy, do blended finance, que mistura o capital filantrópico com o capital de risco.

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