Brasil aprendeu com surto de Mpox, mas precisa manter alerta, dizem especialistas
Anteriormente conhecida como varíola dos macacos, a doença é transmitida principalmente pelo contato direto com pessoas infectadas
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segunda-feira, 26 de agosto de 2024
Anteriormente conhecida como varíola dos macacos, a doença é transmitida principalmente pelo contato direto com pessoas infectadas
Samuel Fernandes - Folhapress
Copenhagen, Dinamarca - O recente alerta da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre a Mpox gerou preocupação e uma lembrança recente: afinal, é a segunda vez que a doença é reconhecida como emergência de saúde global desde 2022. Naquele ano, o Brasil foi um dos países mais afetados, o que faz com que especialistas apontem estratégias adequadas e erradas e que, agora, podem ajudar para um desempenho melhor.
A Mpox, anteriormente conhecida como varíola dos macacos, é uma doença viral transmitida principalmente pelo contato direto com pessoas infectadas. Em 2022, uma cepa do clado 2 foi a responsável pelo surto mundial. No entanto, um novo clado foi identificado recentemente e há suspeitas de ser mais transmissível e letal.
A detecção é concomitante a um aumento de casos da doença em países africanos que sofrem há anos com essa condição, como a República Democrática do Congo. Países vizinhos sem um extenso histórico da infecção, como Ruanda, Quênia e Uganda, também apresentaram novos casos. Esse contexto fez com que a OMS declarasse a doença novamente como emergência de saúde global.
"Foi correta a decisão da OMS, porque quando se decide trazer uma emergência sanitária internacional, também se traz toda uma orientação para que mundialmente haja uma resposta coordenada", afirma Andrea von Zuben, professora de epidemiologia do programa de pós-graduação em saúde coletiva, políticas e gestão em saúde da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Por enquanto, não existem casos associados à nova cepa no Brasil, mas ao menos dois já foram observados fora da África, na Suécia e na Tailândia. Mesmo assim, autoridades de saúde pública brasileiras já anunciaram medidas contra a doença, como a compra de novas doses de vacina, algo que difere do ocorrido em 2022.
No primeiro surto, ações demoraram mais para serem estruturadas por diversas razões. A capacidade de produção de vacinas, por exemplo, era baixa. Outro fator foi a falta de conhecimento da doença, afirma Clarissa Damaso, virologista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro do comitê de Emergência da OMS para os surtos de Mpox em 2022 e agora em 2024.
Já Alexandra Boing, epidemiologista da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e coordenadora da comissão de epidemiologia da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), aponta que a lentidão de 2022 também tem relação com a falta de atuação adequada da gestão pública no país. Naquele ano, ela e outros autores publicaram um artigo na Revista Brasileira de Epidemiologia sobre medidas que deveriam ser adotadas.
"Havia falta de estrutura laboratorial para diagnóstico rápido do vírus Mpox, desestruturação dos serviços de vigilância, limitações importantes de se estabelecer um sistema de informação em saúde transparente, ágil e apto para registrar e disseminar dados em tempo real", exemplifica Boing.
Por outro lado, Zuben defende que o problema não foi necessariamente a estrutura nacional, mas as divergências entre diferentes regiões no Brasil - algumas localidades contam com maior capacidade de tratar ou diagnosticar a doença, enquanto outras apresentam estruturas limitadas.
A disponibilização de vacinas, por exemplo, foi um problema. O imunizante não é indicado para toda a população, somente para grupos específicos. Mesmo assim, o Brasil demorou para ter as doses em solo nacional em 2022 e, quando contou com a vacina, viu uma baixa taxa de vacinação. Em novembro de 2023, por exemplo, mais da metade das doses no país estavam encalhadas.
No entanto, o cenário agora parece ser diferente. O governo federal, por exemplo, já busca a aquisição de mais vacinas. Em nota à reportagem, o Ministério da Saúde informou que, somente em 2023, foram 49 mil doses das vacinas adquiridas pela pasta e cita as negociações para novas compras. "A prioridade agora é reforçar a vigilância para garantir respostas rápidas e eficazes", completa.
Damaso afirma que o conhecimento da doença já está melhor consolidado, um gargalo que era visto até entre profissionais da saúde naquele ano. "Agora, está sendo uma forma muito mais direta e já pulamos essa etapa de ter que explicar o conhecimento médico para identificação e suspeitas de casos."
A instalação de um COE (Centro de Operações de Emergência em Saúde) só para Mpox no momento atual também foi mais rápida que em 2022, afirma Zuben. Ações como essas são importantes, especialmente com o desafio de uma nova variante, diz a epidemiologista. "É muito importante, mais do que nunca, ter a capacidade de detecção precoce dessa nova cepa."
A capacidade de detecção também é ressaltada por Boing, que afirma ter visto uma melhora no momento atual com o que ocorreu em 2022. A medida é essencial para isolar casos da doença e evitar o espraiamento do vírus. A vigilância genômica, para identificar qual cepa circula no país, também é necessária -e deve ser um ponto focal nos próximos meses, continua Boing.
O Ministério da Saúde informou que, desde 2022, fornece exames de diagnóstico de Mpox para laboratórios espalhados pelo Brasil. "Pacientes com suspeita da doença são diagnosticados por meio de testes laboratoriais ou sequenciamento genético", continua a pasta, que ainda ressaltou os 794 casos já registrados em 2024 comparado aos 10 mil diagnósticos de 2022.
A comunicação também deve ser um ponto a prestar atenção. Damaso menciona que, em 2022, vários países, inclusive o Brasil, não souberam como lidar com a comunicação direcionada a homens que fazem sexo com homens, a população mais afetada naquele período. O objetivo era evitar o estigma dessa população, mas isso também afetou a comunicação com esse público.
Boing também menciona esse fator e defende a melhoria dele. "[É necessário uma] comunicação mais assertiva com a população adaptada a diferentes públicos e mídias, bem como estratégias para combater o estigma associado à doença", afirma.