Com o tema “Tudo tem seu tempo: Adolescência primeiro, gravidez depois”, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e a ministra da MMFDH (Mulher, Família e Direitos Humanos), Damares Alves, lançaram na segunda-feira (3), a Semana Nacional de Prevenção à Gravidez na Adolescência (Lei Nº 13.798, de janeiro de 2019).

Dados do MS (Ministério da Saúde) apontam que a cada ano, cerca de 434,5 mil adolescentes e jovens dão à luz no Brasil
Dados do MS (Ministério da Saúde) apontam que a cada ano, cerca de 434,5 mil adolescentes e jovens dão à luz no Brasil | Foto: Bogdan Kurylo/ iStock

A ação ocorreu em meio a críticas e polêmicas diante das menções da ministra Damares Alves a favor da abstinência sexual como forma de prevenção. Em alguns vídeos publicados na internet, Alves cita a proposta como uma “revolução” e justifica que os jovens estão sofrendo muita “pressão social para iniciarem a vida sexual”.


Dias atrás, Mandetta se manifestou contra a proposta de Alves, afirmando que a medida é ineficaz. Em entrevista coletiva no lançamento da campanha, a ministra “suavizou” a questão ao afirmar que se trata de um “complemento às demais ações vigentes”.

Uma nota oficial emitida há poucos dias pelo MMFDH cita que a campanha tem o objetivo de “incluir mais uma opção de método contraceptivo, como forma de tornar mais abrangente e completa a política de educação sexual já conduzida pelo Estado brasileiro, que, até o momento, ignorou o adiamento da iniciação sexual”. O documento diz ainda que a campanha é distinta do Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce, que ainda está em elaboração.

O custo anunciado para a campanha é de R$ 3,5 milhões, que está mais pautada na divulgação de vídeos e anúncios. O material fala sobre reflexão, planejamento para o futuro e o diálogo com a família e traz a hashtag #tudotemseutempo, mas não cita, em momento algum, métodos de prevenção, como a camisinha. Sobre outras informações, o conteúdo orienta os jovens a buscarem as unidades básicas de saúde.

Para esclarecer alguns pontos desse debate, a FOLHA ouviu especialistas e também conversou com Nelson Neto Junior, idealizador do movimento “Eu Escolhi Esperar”, que já conquistou mais de três milhões de seguidores na página oficial no Facebook.

Começando pelos números

A importância de falar sobre prevenção da gravidez na adolescência é explicada pelos números. Dados do MS (Ministério da Saúde) apontam que a cada ano, cerca de 434,5 mil adolescentes e jovens dão à luz no Brasil.

A taxa no País é de 68,4 nascimentos para cada mil adolescentes entre 15 e 19 anos. Índice acima da média mundial (46 nascimentos a cada mil) e da média latina-americana (65,5 nascimentos a cada mil).

Os números despertaram a atenção de entidades como a OPAS/OMS (Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial da Saúde), Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), mesmo que os registros de gestações na adolescência venham apresentando uma queda nos últimos anos. De 721.564 nascimentos, em 2000, passou para 434.573, em 2018.

O mesmo reflexo é perceptível quando se olha para Londrina. Nos relatórios públicos da Sesa/PR (Secretaria de Estado da Saúde do Paraná), o número de nascidos vivos no município, considerando a faixa etária da mãe entre menores de 14 até os 19 anos, foi de 741 em 2017. No ano seguinte, os registros caíram para 680 e em 2019, os números chegaram a 619.

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. | Foto: Folha Arte

Realidade socioeconômica

Para a psiquiatra e especialista em sexualidade em Londrina, Alessandra Diehl, a redução é real, mas não em algumas subpopulações onde há desigualdades raciais, econômicas e sociais. “Por exemplo, no Acre os índices são três vezes maiores que no Distrito Federal, dada a população parda e indígena. Além disso, há uma relação muito forte com a pobreza, o acesso à educação, as questões de segurança pública e assim por diante. Estamos falando de um fenômeno complexo e multifatorial”, pontua.

Estudos publicados pela OPAS em parceria com a Unicef apontam que a gravidez na adolescência ocorre com maior frequência entre as meninas com menor escolaridade e menor renda, menor acesso a serviços públicos, e em situação de maior vulnerabilidade social. A pesquisa Nascer Brasil 2016, do MS, revelou que 66% das gestações em adolescentes não são planejadas.

Diehl fala também sobre a ótica cultural. “Há uma percepção em algumas meninas de que engravidar precocemente a tornam mulheres, com autonomia para sair de casa, ganhar certa independência. Há todo um contexto deficiente", diz.

Sobre a pressão social argumentada pela ministra Damares Alves, a especialista concorda que é uma realidade, mas não de forma generalizada, e atribui parte deste comportamento às influências da mídia no que diz respeito à hiperssexualização, principalmente por ídolos dessa geração.

Na rede pública, hebiatra observa que as meninas iniciam cada vez mais cedo a vida sexual
Na rede pública, hebiatra observa que as meninas iniciam cada vez mais cedo a vida sexual | Foto: iStock

'Eles ainda não têm maturidade emocional'

A hebiatra em Londrina, Cassia Guimarães, confirma que meninos e meninas têm iniciado a vida sexual precocemente e comenta que além da pressão social para terem a primeira relação, é preciso considerar que eles também estão lidando com uma nova fase.

Os adolescentes estão rompendo com a identidade construída pela sociedade e a família para buscarem a própria e isso, segundo a médica, tende a ser grupal, na identificação dos pares. “Há uma série de questões próprias desse período, desde recursos hormonais, dificuldades para se identificar com os pares, alimentar o sentimento de pertencimento, entre outros. Nessa fase, por exemplo, há um aumento importante de neurônios - espelho (células neuronais onde o aprendizado é ativado pela observação de comportamentos) e por isso, há uma tendência em repetir comportamentos”, explica.

A hebiatra atua há 30 anos na profissão e diz que tem a experiência de dois públicos. Na rede pública, ela observa meninas iniciando cada vez mais cedo a vida sexual e percebe que isso não é um tabu.

Tenho pacientes de 29, 30 anos, que já são avós. Para essas meninas, a gravidez precoce acaba sendo algo comum porque há a ausência de um projeto de vida. Para elas, ser mãe nessa fase é quase que mudar o status dentro da comunidade, sair de casa, ter o comando da própria vida. É repetir padrões habituais para elas”, comenta.

Já nos consultórios, ou seja, nos atendimentos dentro da rede privada, Guimarães percebe um outro perfil. O de meninas que iniciam a vida sexual cedo, mas citam objetivos de estudo, profissionais e, portanto, são levadas pelas mães para iniciarem um método contraceptivo.

Ela diz que a Sociedade Brasileira de Pediatria é favorável a todas as discussões que estão ocorrendo e deixa claro que retardar o início da atividade sexual é importante, mas que não funciona como medida isolada e nem central.

Junto com os trabalhos que possam retardar o início da relação sexual, é preciso oferecer formas de recompensa, como projetos de vida, atividades esportivas e educacionais. É preciso suprir as necessidades desses adolescentes, principalmente no que se refere à busca de prazer”, conclui.

Para a psiquiatra e especialista em sexualidade, Alessandra Diehl, o foco é ajudar os adolescentes a escolherem o momento com quem querem ter uma relação e que ele aconteça de forma segura.

"A informação continua sendo o pilar de sustentação de ações continuadas que visam a prevenção, mostrando que a relação sexual deve ser um ato responsável. Os adolescentes precisam, sobretudo, conhecer as formas de prevenção para que a iniciação sexual seja feita de forma segura e autônoma”, afirma.

Além das políticas públicas, Diehl fala das estratégias que devem ser pensadas no âmbito da atenção primária, escolas e entre as famílias. “As Unidades Básicas de Saúde têm que ser um local de acolhimento, onde os adolescentes queiram entrar e participar das ações. Nas escolas, vivemos um momento de cobrança, talvez moralista, para que o professor não trate de certos assuntos. Acho que os pais têm que se aproximar desse ambiente, saber qual é a pauta e conversar com o professor até mesmo para saber qual é e como é essa abordagem. Agora, não abordar não é uma estratégia. Sinto que o Brasil está caminhando para um espaço de silêncio. Se não houver investimento em outras ações e achar que a abstinência é o caminho, nós vamos ter os índices voltando a crescer novamente”, pontua.

Além disso, a especialista destaca que a gravidez na adolescência também tem uma questão de gênero, pois recai sobre as meninas, a decisão e o compromisso em se cuidar. “As estratégias são voltadas mais para elas, mas precisamos para os adolescentes como um todo. Os meninos também precisam ser ensinados”, finaliza. (M.O.)

Milhões de jovens aderem ao movimento cristão 'Eu Escolhi Esperar'

Em novembro de 2019, o idealizador do movimento cristão “Eu Escolhi Esperar”, Nelson Neto Junior, 46, esteve em reunião com a ministra Damares Alves, para divulgar o projeto que foi iniciado em 2011 nas redes sociais e já alcançou mais de três milhões de seguidores.

Estivemos reunidos para dizer que há uma demanda reprimida sobre o tema de preservação sexual, valorização do sexo e relacionamentos saudáveis. Hoje, temos no Brasil uma exclusão reversa. Ou seja, temos políticas públicas voltadas para os grupos de risco, mas um universo de adolescentes menores de 14 anos que ainda não iniciaram a vida sexual e que não têm sido contemplados. Essa é uma faixa etária que precisa do que eu chamo de prevenção primária”, afirma.

Nesse contexto, Junior cita como base os dados coletados na PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar) de 2015 e que em breve terá novos dados publicados. Pensando nos meninos e meninas menores de 14 anos, Junior defende a abstinência sexual no que ele chama de prevenção primária. “É pegar o público mais novo e mostrar para eles que esperar também é uma escolha, que vale a pena e que tudo tem o tempo certo”, diz.

O movimento liderado por Junior, surgiu da própria experiência com a esposa. Ambos casaram virgens e perceberam que outros jovens buscavam ajuda, orientação e encorajamento também. “Quando a gente criou a campanha, não buscamos convencer as pessoas. A ideia era atender o público que resolveu esperar, até porque não havia nada nesse sentido. A gente vai além da castidade. Trabalhamos o emocional, a conscientização de romances duradouros e saudáveis. Falamos também sobre romances abusivos, tóxicos”, explica.

O 'Eu Escolhi Esperar" é voltado para o público cristão, de católicos e evangélicos, e a maioria, de acordo com Junior, jovens e adultos que já não são mais virgens, isto é, que já tiveram experiências sexuais, mas que agora optaram por esperar dentro de uma nova relação.

Para ele, essa é uma tendência natural. “O sexo é muito banalizado e hoje, há uma nova geração que anseia por romances mais duradouros. Muitos jovens estão vendo o sexo com muito mais valor e estão buscando relacionamentos mais saudáveis, pois eu digo que vivemos uma cultura do descartável e isso é muito forte nas relações atualmente. Ninguém quer passar por isso”, defende.

Ao ser questionado sobre o viés religioso na temática das relações sexuais, Junior destacou que o movimento é cristão e que dele surgiu uma organização da sociedade civil para desenvolver projetos de interesse público, nas áreas da saúde, educação e assistência social.

Agora queremos avançar e ampliar essa proposta. Temos conversado com representantes de Estados e prefeituras para trabalhar a temática em todas as esferas. Temos um desejo muito grande de ter no Paraná, que é um estado conservador, uma pauta como a nossa”, pontua.

Junior é carioca, formado em Teologia e mestrando na área de Comportamento Humano. Ele também possui seis livros publicados sobre relacionamentos e vida cristã. (M.O.)

Abstinência por convicção


Hadassa Caroline Silva, 19, acompanha a página “Eu Escolhi Esperar”, no Facebook, porém, não foi o movimento que a fez decidir pela abstinência sexual até o casamento, mas o próprio envolvimento com a igreja e orientação da família. Ela namora há 1 ano e 8 meses e vai se casar em novembro.

Se é uma coisa tão boa e nobre, eu não queria que acontecesse com qualquer pessoa, eu queria que fosse com uma pessoa só e para sempre. Se tivesse acontecido antes, não teria um brilho, não teria nada especial após o casamento”, revela a estudante.

A decisão foi tomada há bastante tempo e nem sempre foi compreendida pelos amigos. “Quando eu estava no ensino médio, era uma bagunça com a minha escolha, eles falavam: ‘você não vai aguentar, vai conhecer alguém e não vai resistir’, era difícil”, afirma. Hoje, a convivência com pessoas atreladas à igreja tornaram a pressão menor.

Silva é evangélica da igreja Reviver Church (zona sul) e participa de atividades religiosas voltadas aos jovens. “Os líderes de jovens têm um relacionamento que me inspirou bastante e eles orientam muito a gente a esperar” comenta. A orientação vai desde a reflexão sobre o assunto até as atitudes que ajudam a manter o propósito. “Falam para ficarmos mais juntos em público, não ficarmos muito tempo sozinhos, namoramos sempre perto da família... Essas coisas”, explica.

Hoje, a decisão está muito consolidada e acredita que a introdução precoce ao relacionamento sexual seja prejudicial. “Tem tanta doença, tanta coisa para pensar e às vezes nem conhece a pessoa direito e vai se envolver em algo tão profundo... Eu não critico, mas eu não faria”, defende. “Vejo que hoje um jovem vai influenciando tanto o outro, que isso deixou de ser uma questão de escolha”. Para ela, é preciso que cada um reflita mais sobre o assunto para que possa tomar a decisão correta, como foi com ela. “Tenho certeza da escolha que eu fiz e estou muito satisfeita”. (L.T.)

A pesquisa Nascer Brasil 2016, do MS, revelou que 66% das gestações em adolescentes não são planejadas
A pesquisa Nascer Brasil 2016, do MS, revelou que 66% das gestações em adolescentes não são planejadas | Foto: Bodgan Kurylo/ iStock

“Não pensava que poderia engravidar”

Aos 18 anos, Beatriz Alves de Melo se divide entre os cuidados com a filha Sophia Gabrielly, de 2 anos de 11 meses, o curso técnico em Administração e o trabalho como menor aprendiz na área de vendas. Para isso, ela conta com o apoio de seus pais e sogros e claro, do namorado, que também passou a trabalhar ao se descobrir pai.

A gestação veio um ano e meio depois do início do namoro. A perda da virgindade aconteceu aos 15 anos e ambos não tinham informações sobre os cuidados e perigos da vida sexual. “Minha tia falava de vez em quando para eu me cuidar, mas eu não pensava que poderia engravidar. Em casa a gente não tinha esse tipo de conversa e foi na Epesmel (Escola Profissional e Social do Menor de Londrina) que eu tive um pouco de educação sexual, foi onde ouvi sobre a importância de se proteger, de tomar anticoncepcional”, conta.

Melo conta que teve algumas relações sem preservativo e que quando o exame de gravidez deu positivo, não sabia o que fazer, como agir. “Meu namorado ficou feliz e me ajudou em tudo, mas eu não conseguia contar para os meus pais, pois sabia que eles ficariam muito bravos e isso aconteceu mesmo. Depois eles foram aceitando a ideia, mas até que isso acontecesse passei a morar com os meus sogros”, diz.

A jovem revela que poderia ter esperado mais tempo para se tornar mãe, pois gostaria de ter um vida mais estabilizada. “Mas não me arrependo porque minha filha é tudo para mim. Ela me tornou mais responsável, me fez olhar para a vida de outra forma. Quando eu tive a Sophia, tinha acabado de terminar o primeiro ano do ensino médio e fiquei afastada do colégio, mas pensando no futuro dela, terminei os estudos e busquei trabalhar. Eu levantava às 6h da manhã para levá-la na creche e poder ir para a aula. Meu objetivo agora é conquistar muitas coisas para poder dar o melhor para minha filha”, diz. (M.O.)