As rimas e os sons que nasceram nas periferias têm sido grandes aliados no processo de ressocialização de jovens que cumprem pena nos Censes (Centros de Socioeducação) em todo o Paraná. É o que o vem mostrando o projeto "Se Liga RAPaz", um incentivo à criação de rimas e poesias através do rap e que chegará ao fim nesta sexta-feira (18). Na programação, uma Batalha de Rap entre jovens de duas unidades penais finalistas será transmitida ao vivo pelo canal do Youtube da Sejuf (Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho).

Das 559 vagas ofertadas pelos Censes, 409 estão ocupadas
Das 559 vagas ofertadas pelos Censes, 409 estão ocupadas | Foto: Marcos Zanutto/12-11-2018

Unidades penais geridas pelo Dease (Departamento de Atendimento Socioeducativo), os Censes fazem parte respondem em última instância à Sejuf (Secretaria da Justiça, Família e Trabalho). Atualmente, das 559 vagas ofertadas, 409 estão ocupadas por jovens que têm entre 12 e 21 anos. Conforme apurou a FOLHA com a assessoria da Sejuf, crimes como roubo (24,7%) e associação para o tráfico (24,04%) são os mais recorrentes. No entanto, a taxa de retorno às unidades penais por estes jovens é de apenas 1,96% no Paraná.

Para a assistente social do Cense II, Andressa Cândido, 42, uma das principais incentivadoras da utilização da literatura e da música no processo de ressocialização de jovens em conflito com a lei, a Batalha do Rap é o resultado de uma quebra de paradigmas. A iniciativa nasceu na unidade de Londrina e logo se espalhou a partir da ideia - e autorização - do chefe do Dease, o coronel David Antônio Pancotti, o que demonstra também uma maior “aproximação” entre os gestores das unidades penais e o estilo de vida dos jovens, avaliou.

Na primeira fase, educandos de 16 das 28 unidades do estado demonstraram interesse em participar e começaram a criar suas próprias letras. “Percebemos que eles começaram a falar mais deles mesmos, dos sentimentos, e acabam canalizando esse ódio em algo de potência, algo saudável”, comemorou Cândido.

Para incentivá-los ao longo dos últimos meses, oficinas de criação e literatura com professores e produtores culturais foram realizadas de forma on-line. Já a escolha das melhores criações foi feita por um time de jurados formado por figuras conhecidas do rap paranaense e paulista, como Afro-X, Gueg PR, Ricavi (Quinto Naipe), O Conde, Francisco Celso e os londrinenses WMC, Amanda More e Lua Gomes.

De acordo com a psicóloga Flávia Palmieri de Oliveira Ziliotto, que coordenou a realização da Batalha em nível estadual, cinco quesitos foram levados em consideração: letra, rima, ritmo, melodia e engajamento. “A orientação dos trabalhos é de que seja utilizada uma linguagem adequada que respeitem as diferenças, sem apologia ao crime, ofensas e desrespeito, usando a criatividade para construir frases e rimas que gerem reflexões”, explicou.

LUGAR DE FALA

Já a inspiração para o batismo de todo processo veio com a faixa “Permita Que Eu Fale”, uma parceria do rapper Emicida com Pablo Vittar e Majur. A canção tem início na voz de Belchior com sua clássica “Sujeito de Sorte”. Porém, são as frases de Emicida que resumem bem o que educadores sociais como Andressa Cândido pensam sobre a realidade de lutar pela reintegração social desta população. “Permita que eu fale, e não as minhas cicatrizes”, canta Emicida.

“Isso é a realidade deles, é não mais fingir que não existe. É preciso falar da desgraça da vida dele, do ódio que ele sente, de tudo aquilo que ele passou e canalizar o ódio para utilizar de uma forma construtiva”, avaliou.

Atrás dos muros e grades do Cense II, em Londrina, um intenso trabalho de incentivo à leitura já vinha sendo realizado graças à implantação da biblioteca "Capitães de Areia" na unidade. Por lá, Cândido e outros professores, como o produtor cultural Leandro Palmerah, abordam títulos como "A Guerra Não Declarada na Visão de um Favelado", de Eduardo Tadeu, "Sobrevivendo no Inferno" e "Ação Carandiru", de Drauzio Varela.

“Ele começa a entender que a prisão dele, ele ser massa carcerária, é o que a sociedade espera dele. É preciso politizar esse garoto, mostrar para ele o que o crime quer com ele e que ele roubar e matar não é se revoltar, é apenas fazer parte de um sistema", avaliou.