Carceragens em condições precárias e superlotadas são problema comum em todo o País
Carceragens em condições precárias e superlotadas são problema comum em todo o País | Foto: Ricardo Chicarelli/25-4-2013



Um detento de presídio de Corumbá (MS) vai receber R$ 2 mil de indenização do Estado por enfrentar condições precárias e superlotação durante o cumprimento da pena. O chamado Recurso Extraordinário apresentado pela Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul foi julgado em fevereiro no Supremo Tribunal Federal (STF). Na decisão, os ministros entenderam que é dever do Estado manter as condições mínimas para o cumprimento da pena e ressarcir os danos "comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento".

No final de março, uma decisão semelhante foi registrada no Rio Grande do Sul. O governo estadual foi condenado a pagar indenização de R$ 5 mil a um preso da Cadeia Pública de Porto Alegre em razão da precária estrutura da carceragem.

Na avaliação do advogado criminalista René Ariel Dotti, as indenizações geram polêmica, mas são necessárias para que haja uma mudança de cultura sobre o sistema prisional. Segundo ele, o entendimento do STF deve "criar uma nova orientação nas administrações públicas para que o problema se atenue".

"O Estado é responsável pelas rebeliões carcerárias porque desde a primeira Constituição do País, a Constituição do Império (em 1824), já estava estabelecido que as cadeias deveriam ser limpas e que os presos deveriam ser separados pelos crimes cometidos. A Constituição vigente estabelece que é dever das autoridades o respeito à integridade física e moral do preso. Embora perante a opinião pública a indenização possa parecer inadequada, ela é adequada porque melhores condições para os presídios significa diminuir o risco da reincidência e das rebeliões carcerárias que matam tanta gente", argumenta.

Para o criminalista, a possível alegação de que os Estados e o País não teriam condições financeiras para arcar com todas as indenizações solicitadas não deve prosperar. "Acredito que, com essa decisão, se forma uma consciência a respeito do sistema prisional, como se formou a consciência popular proibindo o fumo em ambientes fechados, a consciência em defesa do meio ambiente e a de proteção aos direitos do consumidor. São consequências da consciência coletiva e de uma mudança de cultura que também deve ocorrer na política", destaca Dotti.

O professor de direito constitucional Zulmar Fachin avalia que a decisão tem "caráter pedagógico". "É um alerta ao Poder Executivo. As pessoas acham que é um absurdo, mas não tem absurdo. É um prenúncio do que poderá ser normal no futuro se essas questões não forem resolvidas a contento", alega. Fachin destaca que o valor definido para as indenizações foi simbólico e que, por enquanto, "é difícil afirmar se a decisão terá efeito positivo". "O Estado tem que prestar serviços públicos adequadamente. Não pode fazer isso de qualquer forma. Isso serve para todos os tipos de serviço. O objetivo, nesses casos, não foi indenizar as vítimas, mas alertar o Estado sobre as más condições nos presídios", ressalta. Por outro lado, o advogado entende que a sociedade também não iria suportar o impacto financeiro causado pelos inúmeros pedidos de indenização.

Carceragens em condições precárias e superlotadas são problema comum em todo o País. No dia 4 deste mês, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) apresentou um relatório de análise preliminar sobre o sistema carcerário do Paraná. Até novembro do ano passado, cerca de 19,2 mil presos cumpriam pena nas penitenciárias do Estado, que deveriam abrigar 18.103. Outros 9,7 mil detentos estavam em delegacias e cadeias públicas. Eles ocupavam 4.417 vagas que deveriam ser provisórias. Neste caso, o deficit era de 5.320 vagas.

Com baixos índices de ressocialização e falta de informações interligadas para administrar o sistema, o TCE pretende realizar uma auditoria, elaborar um plano estratégico para o setor e solicitar o remanejamento de recursos para a construção de penitenciárias.

Para quem convive diariamente com a realidade dos presos, a determinação de pagamento de indenizações pode não surtir efeito a curto e médio prazo. O delegado Felipe Ribeiro Rodrigues, que atua na cidade de Marilândia do Sul (Centro-Norte), concorda com os pedidos de indenização. No entanto, segundo ele, os pagamentos podem demorar mais de dez anos para serem efetuados. "O único efeito positivo é pressionar o gestor público e obrigá-lo a cumprir a lei, mas a execução dessa indenização demoraria muito tempo, as procuradorias iriam recorrer. A decisão do STF é justa, mas beneficia mais a família do preso do que a população em si, já que, por causa dos recursos, não vai haver uma pressão imediata para o governante tentar sanar essa ilegalidade", avalia.

"O Estado tem que cuidar do preso e dar condição mínima de dignidade humana", destaca Nakadomari
"O Estado tem que cuidar do preso e dar condição mínima de dignidade humana", destaca Nakadomari | Foto: Anderson Coelho



Para juiz da VEP, é necessário construir unidade
As carceragens do 4º e do 5º distritos policiais de Londrina foram esvaziadas no segundo semestre do ano passado. Os detentos foram transferidos para unidades do sistema penitenciário. O Centro Integrado de Triagem (CIT), antes instalado na 10ª Subdivisão Policial, passou a funcionar no antigo 4º DP como Central de Flagrantes. Apenas as mulheres continuam na carceragem do 3º Distrito, na zona oeste de Londrina. No entanto, o setor administrativo da unidade foi transferido para outro local. A intenção é instalar na unidade uma Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac).

Com os remanejamentos, a realização de audiências de custódia e o uso de tornozeleiras, os distritos policiais da cidade já funcionam sem carceragem, segundo explica o juiz da Vara de Execuções Penais (VEP) de Londrina, Katsujo Nakadomari. No entanto, de acordo com o juiz, a superlotação na Central de Flagrantes, constatada pela Comissão de Direitos Humanos da OAB, só será resolvida com a construção de uma nova unidade prisional em Londrina.

"Eu tenho meus limites: 950 presos na PEL 2 [Penitenciária Estadual de Londrina], 680 na PEL 1, 480 na CCL [Casa de Custódia de Londrina] e 300 no Creslon [Centro de Reintegração Social de Londrina]. Não abro mão desses limites justamente para evitar indenizações de presos. Qualquer um desses que estão no sistema, se entrarem com ação, não vão levar porque eles têm comida, dormem em uma cama, estudam e trabalham. Se eu colocar mais presos, fico sem agente penitenciário para tirar o preso para estudar, por exemplo. Eu não tenho agente para isso. Se entrar mais preso, perco o controle", pondera.

Para o juiz da VEP, o pedido de providências feito pela OAB em Londrina teria que gerar uma mobilização em todo o Estado e uma reclamação junto ao governo estadual. "A solução é construir a Casa de Custódia que o Estado prometeu e até agora não levantou um tijolo. Eu não tenho verba para construir e eu não tenho essa atribuição", critica.

Quanto a decisão do STF, Nakadomari é favorável a indenizações. "A partir do momento que o Estado prende e condena, o Estado tem que cuidar do preso e dar condição mínima de dignidade humana. A partir do momento que ele falha, ele é omisso e tem que indenizar. Essa decisão é para forçar os Estados a resolver o problema. Até quando vai isso? A população cresce, a crise aumenta, aumenta a criminalidade e produz insegurança à comunidade. A população não pode reclamar da decisão do STF. A população tem que cobrar do governo porque não podemos esquecer que quem está preso merece ser tratado com dignidade. Todos nós estamos sujeitos a cometer crimes. Ninguém sabe", finaliza. Em média, 120 pessoas são presas por mês em Londrina.(V.C.)

Melhorias sem prazo definido
A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp) informa que pretende construir penitenciárias para reduzir o problema da superlotação nas carceragens do interior do Estado. Os contratos de sete dos 14 projetos de ampliação e construção de penitenciárias em andamento serão reavaliados pela Caixa Econômica Federal. De acordo com informações da assessoria da pasta, a revisão está relacionada ao fim da desoneração da folha de pagamento da mão de obra, medida anunciada pelo governo federal.

Outros três projetos também sofrerão ajustes ao contrato e estão sob a análise de funcionários da Sesp e da Paraná Edificações. Já os quatro projetos restantes (do total de 14) terão que ser licitados novamente, já que não houve interessados. A construção de uma cadeia com 764 vagas em Londrina está entre as propostas que serão licitadas mais uma vez.

O uso de tornozeleiras eletrônicas e o funcionamento da Penitenciária Central do Estado (PCE), segundo o governo estadual, contribuíram para a redução na quantidade de presos nas delegacias e cadeias públicas. O número caiu de 15 mil em 2011 para 9 mil em 2016. As 14 obras previstas devem gerar, aproximadamente, 7 mil vagas nas unidades prisionais. No entanto, os prazos para conclusão não foram informados.

A pasta acrescenta que penitenciárias foram reformadas e que obras estão em andamento em unidades de Guarapuava, Londrina e Cruzeiro do Oeste, locais onde ocorreram rebeliões. O governo do Estado espera receber R$ 58 milhões do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para investimentos em obras e equipamentos. Entre as contratações, a Sesp destaca 520 novos agentes penitenciários durante a gestão, 39 que devem ser nomeados em breve e 1.201 agentes de cadeia chamados por meio de processo seletivo.(V.C.)