O Estado e a sociedade civil precisam reconhecer que a neurodiversidade existe, foi e é essencial para a ciência e a inovação de um país. Países que têm uma cultura favorável à neurodiversidade desenvolvem os seus autistas e, por isso, impulsionam o desenvolvimento nacional. É só pensar em Bill Gates, Leonardo da Vinci, Ellon Musk, Steve Jobs e tantos outros autistas, que indicam a relação entre superinteligência e o espectro autista.

Para combater os estigmas, é necessário trabalhar com o paradigma da neurodiversidade
Para combater os estigmas, é necessário trabalhar com o paradigma da neurodiversidade | Foto: iStock

A afirmação é de Igor Luis Pereira e Silva, advogado especialista em direitos dos autistas. Ele explica que o autismo não é uma doença. É uma condição mental diferenciada e uma questão de identidade.

“Para reduzir o estigma, devemos combater o preconceito. Dizer que autista tem uma doença é como dizer que negros são doentes por causa da cor da pele ou que mulheres são inferiores pelo sexo. Não faz nenhum sentido e é uma violação de direitos humanos.”

O advogado Igor Pereira explica que o autismo é uma condição mental diferenciada
O advogado Igor Pereira explica que o autismo é uma condição mental diferenciada | Foto: Acervo Pessoal

Para combater os estigmas, o advogado defende ser necessário trabalhar de acordo com o paradigma da neurodiversidade. “Você diria que Ellon Musk, Greta Thunberg e Steve Jobs tinham uma doença que os fizeram desenvolver grandes feitos? Não faz sentido. O autismo é uma dádiva, um superpoder, se a pessoa tem a sabedoria e as condições de inclusão para utilizá-lo em seu favor.”

A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que há 70 milhões de pessoas com autismo em todo o mundo, sendo 2 milhões somente no Brasil. Estima-se que uma em cada 88 crianças apresenta traços de autismo, com prevalência cinco vezes maior em meninos.

O especialista acrescenta que o autismo é uma questão complexa, já que envolve vários casos distintos. Existe desde o autista que tem uma superinteligência e supera os padrões sociais, como aqueles que têm mais dependência e precisam de assistência médica ou psicológica do governo ou da sociedade civil.

“As dificuldades variam muito do autismo que a pessoa tem. O autismo, no entanto, tem sido abordado por alguns neurologistas de ponta como uma nova tendência mental. Costumamos chamar isso de neurodiversidade. Poderíamos colocar, então, como maior dificuldade o reconhecimento desta neurodiversidade na sociedade. É a velha questão da inclusão, mas com as especificidades do autismo.”

DIREITOS

Em vigor desde janeiro de 2020, a Lei Romeo Mion cria um documento de identificação dos autistas. Isso facilita a obtenção de direitos para eles, pois ainda há estereótipos sobre quem são os autistas.

“Eles precisam se encaixar nestes estereótipos ou não são reconhecidos como tal. Então, se a pessoa não é tímida, isolada, fala baixo, não é autista. Essa é uma visão estereotipada, que não está de acordo com a realidade. Autista é quem tem uma mente diferente, oriunda de uma mutação genômica. Se a pessoa deu sorte nesse processo (o que envolve ter inclusão na vida), terá uma supermente, que pode alcançar grandes feitos. Se não fossem os autistas, não teríamos nossos IPhones ou computadores.”

Criada em 2012, a Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas Autistas determina que os autistas são considerados deficientes para todos os efeitos legais. Isso significa que as normas que protegem os deficientes também protegem os autistas.

“A deficiência é uma questão contextual, ou seja, autistas não são deficientes porque possuem algum problema intelectual (em casos significativos, o que ocorre é o inverso). Eles são deficientes porque possuem uma mente diferente, que pensa de modo distinto, de acordo com outra lógica, que não é prevista pelo Estado e as instituições públicas e privadas, colocando-os em uma situação de desvantagem.”

Ele acrescenta que autistas podem precisar de atendimento ou não. “Se nos referirmos a graus mais agudos de autismo, é necessário implementar mais políticas específicas no SUS, para atender essa população autista. Mas quando nos referimos aos autistas leves, o que precisamos é de inclusão, de um sistema de educação e de empregabilidade melhor que acolham os autistas.”

Segundo o advogado, essa inclusão não é apenas por uma questão de direitos humanos, mas de segurança nacional. “Com as novas descobertas científicas que relacionam superinteligência com autismo, os países que se adaptarem mais rápido terão mais chances de dar novos saltos científicos, humanos e tecnológicos.”

O autista tende a ter um superego forte, uma moral robusta. “É hiperconcentrado e tende ao autodidatismo. São excelentes profissionais no mercado de trabalho. O Vale do Silício tem acompanhado estes profissionais com afinco. Precisamos incluir os autistas no mercado de trabalho e dar liberdade pra eles inovarem o sistema ético e a base produtiva das nossas instituições. Autismo é solução”, conclui.

LAUDO TARDIO

A pedagoga e escritora Sinara Desidério Ramos, 26, descobriu o autismo somente aos 24 anos e levou mais ou menos um ano para receber o laudo do transtorno. “Eu descobri porque fiz estágio numa escola de ensino fundamental com uma aluna autista de grau severo com deficiência intelectual e ausência da fala. Eu me via nela em muitas características, apesar das diferenças contrastantes na parte intelectual, no nível de independência e do suporte que ela necessitava por conta disso.”

Autista, a pedagoga e escritora Sinara Desidério Ramos está na fase final do primeiro livro sobre o tema
Autista, a pedagoga e escritora Sinara Desidério Ramos está na fase final do primeiro livro sobre o tema | Foto: Acervo Pessoal

Assim que recebeu o diagnóstico de autismo, Ramos começou a trabalhar nas redes sociais como ativista da causa. “Eu luto junto com tantos outros nomes da causa do autismo, para que as pessoas possam conhecê-lo além daquele autismo clássico, que é mais comentado na mídia e da estigmatização de que autistas batem a cabeça na parede, gritam e não falam.”

Ela transforma as dificuldades que enfrenta em textos e em vídeos, para que mais autistas e familiares de autistas tenham acesso e possam se reconhecer, mesmo sabendo que nenhum autista é igual ao outro, pois o autismo é um espectro.

“O mais legal de tudo isso é receber a devolutiva das pessoas dizendo que, por causa do meu conteúdo, muitos adultos no espectro autista obtiveram seu diagnóstico tardio. Além disso, muitos pais vêm tirar dúvidas comigo sobre como devem agir com os filhos em determinada situação. E mesmo que eu não tenha a resposta concreta sobre aquilo, eu conto sobre situações que passei que foram parecidas e eles conseguem entender melhor o que o filho passa e ajudá-lo.”

Outra frente de luta de Sinara Ramos é para que as mulheres no espectro autista se empoderem, sendo quem são. “Quem disse que autistas são feios, desleixados, não gostam de se arrumar? Isso é um estereótipo antigo que não cabe mais na boca das pessoas, sejam profissionais, familiares ou sociedade”, destaca Ramos, que tem um canal no YouTube (Sinara Desidério), além de páginas no Instagram (@sisadesiderio) e no Facebook (Sinara Desidério).

LIVRO

“Estou acabando meu primeiro livro, que deve ser publicado em breve. Estou em fase de enviar para as editoras e esperando resposta. Caso não consiga a publicação de forma gratuita, farei uma vaquinha para arrecadar fundos para a publicação, pois os autistas e familiares já estão me cobrando o livro”, adianta.

O livro trará uma junção dos melhores textos publicados por Ramos, discorrendo sobre as características do autismo, além de relatar algumas experiências de vida. “É basicamente o autismo sem filtros, nas entrelinhas do que só quem passa na pele diz”, conclui.