Xangai (AE-AP) - Quando consideraram que seu apartamento, construído pelo estado e sem graça, muito pequeno, Zhang Ping e seu marido fizeram algo impensável no passado: pediram um financiamento e compraram um maior. O casal tornou-se pioneiro numa revolução que pretende mudar o decrépito sistema habitacional chinês ao encorajar famílias a comprarem seu próprio imóvel.
A principal ferramenta desses esforços é o financiamento, uma rotina para famílias de classe média no ocidente e no Japão, mas um salto radical numa sociedade comunista onde uma década atrás ninguém tinha a posse de uma casa.
Os financiamentos para casa própria, começaram em Xangai em 1996 e estão aumentando em popularidade. Eles são responsáveis por mudanças econômicas e sociais para os chineses, muitos dos quais continuam a depender dos empregadores para assuntos de habitação e geralmente dividem um único quarto com toda a família.
"Dentre nossos amigos, quase ninguém mais paga aluguel", diz Zhang, 38 anos, que trabalha para uma agência estatal de promoção de concertos.
Em Xangai, uma cidade de 13 milhões de habitantes e que é o laboratório chinês para reformas, os financiamentos são responsáveis por 180.000 casas particulares, de acordo com a empresa imobiliária de consultoria Jones Lang Wootton.
Em todo o país, os financiamentos bancários para construções privadas e financiamentos para compra de imóveis totalizam US$ 28 bilhões, informou um jornal oficial em dezembro.
Os financiamentos estão abastecendo um aumento do número de construções, à medida que florestas de novos edifícios e casas crescem em Xangai e de outras cidades. Os investidores podem financiar a construção ao vender apartamentos ainda não construídos com desconto.
Indústrias do governo vendem as casas antes destinadas aos trabalhadores, tornando-as propriedades privadas. Famílias que não sonhariam em decorar um apartamento pertencente a uma companhia ajudam a ociosa economia local ao gastar dinheiro mobiliando casas recém-compradas.
O mais impressionante é o impacto dessas mudanças no estilo de vida chinês. Até o ano passado, a cardiologista Tang Qun e seu marido viviam num apartamento fornecido pelo hospital onde ela trabalha. Custava barato, apenas 100 iuans (US$ 12) por mês. Mas eles tinham de dividir a habitação de 59 metros quadrados com a mãe de Tang, seu irmão e um barulhento filho de cinco anos.
Em fevereiro, o casal comprou um apartamento de 142 metros quadrados, no valor de 370.000 iuans (US$ 45.000), financiado em 10 anos. Agora o filho do casal tem seu próprio quarto, um luxo impossível há poucos anos. "Claro que agora nós estamos muito confortáveis", diz Tang, 34 anos, sorrindo, sentada num sofá de couro na sala de estar decorada em insinuante estilo escandinavo.
O aumento dos financiamentos é parte de uma ampla revisão dos bancos estatais, que estão apenas começando a interessar-se por empréstimos para que os consumidores adquiram casas, carros ou tenham outras despesas.
Os líderes chineses querem que os bancos conduzam o crescimento privado ao realizar empréstimos para empresários e famílias. A pressão competitiva crescerá se a China juntar-se à Organização Mundial do Comércio e abrir sua indústria aos bancos estrangeiros.
Parte da demanda por crédito provém de companhias estrangeiras que querem financiar suas vendas. A Volkswagen diz que sua joint venture em Xangai vendeu mais de 10.000 carros em 1999 graças a financiamentos. A General Motors procura um banco chinês para fazer os mesmo por seus produtos.
A revolução está forçando os comunistas chineses, que mataram os proprietários de imóveis depois da revolução de 1949, a rever suas cultivadas crenças sobre a perversidade da propriedade privada.
O governo começou a emprestar dinheiro em 1991 para ajudar os trabalhadores a comprar seus próprios apartamentos. Mas apenas no ano passado colocou de lado a dúvida ideológica e aprovou uma lei que permite que os imóveis sejam revendidos.
Líderes locais demonstram menos relutância. O governo de Xangai entrou para o negócio de empréstimos, prometendo bilhões de dólares em financiamentos a baixo custo para reviver desativado mercado imobiliário.
Com poucos lugares para investir numa economia que continua a ser dominada pelo governo, os compradores mergulham na compra de imóveis, apesar de as regras ainda estarem tomando forma. As taxas de juro são de cerca de 5,5%. Mas funcionários públicos podem obter financiamentos subsidiados por taxas de 1%. Os bancos exigem o pagamento de pelo menos 40% do valor.
Zhang e seu marido representam o sonho da reforma. A companhia estatal para a qual ele trabalha vendeu a eles o apartamento em que moravam em 1997. Ano passado, eles compraram um imóvel com três quartos, construído por uma empresa privada. Eles pagaram 295.000 iuans (US$ 36.000), sendo que metade do valor foi financiada, e gastaram 197.000 iuans (US$ 24.000) com decoração.
Assim que eles e o filho de 15 anos mudarem-se para o novo imóvel, alugarão o primeiro apartamento. "Cinco anos atrás, isso seria impossível", diz Zhang.
Numa escala mais modesta estão os compradores de primeira viagem Mei Qing, um vendedor de automóveis de 28 anos, e sua esposa, Yuan Yang. Em junho eles mudaram-se para um apartamento de dois dormitórios, que vale 353.000 iuans (US$ 43.000). Eles gastaram 28.700 iuans (US$ 3.500) em sofás, mobília de pinho e uma cozinha que viram numa revista de decoração americana. Antes
eles viviam com os pais de Mei e quase não gastavam dinheiro. "Quando você paga aluguel, não sabe o que vai acontecer com seu apartamento. Por que gastar dinheiro com isso?", diz Mei. "Mas quando você compra, sabe que é seu para sempre."