O ensino médio brasileiro passa por uma grande transformação a partir do primeiro ano, em 2022, e que deve ser concluída em 2024, quando todos os três últimos anos da educação básica serão contemplados pelas mudanças de nomes das disciplinas e carga horária. E vai além: o novo ensino médio traz uma nova forma de entender, pensar e fazer a educação, um desafio para alunos e professores. É a escola assumindo a formação de indivíduos comprometidos com a sociedade e isso fica mais evidente no Projeto de Vida, um dos elementos inovadores e mais interessantes do novo modelo, com uma dimensão pessoal, profissional e social.

Imagem ilustrativa da imagem As dimensões pessoais, profissionais e sociais do Projeto de Vida
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De acordo com o coordenador do ensino médio do Colégio Marista Londrina, Nilson Douglas Castilho, o Projeto de Vida poderia ser definido como um componente que vai acompanhar o aluno ao longo de todo o ensino médio e que pode ajudar o estudante a concretizar seus objetivos profissionais e no seu desenvolvimento como cidadão. “O nome, apesar de parecer muito subjetivo, não tem um caráter assertivo. Ele acontece a partir do entendimento do aluno no seu aspecto emocional e entender o emocional também é uma forma de criar estratégias, dinâmicas e atividades pra que o estudante possa conhecer as suas habilidades socioemocionais e entender como elas se aplicam nas ações e decisões que eles vão tomar pela frente, sejam elas na escolha da profissão ou nas estratégias de estudos. Não diz respeito só ao profissional, é pensar no jovem enquanto cidadão e ser humano”, comenta.


No Colégio Marista, os aspectos propostos pelo Projeto de Vida já faziam parte da filosofia da instituição que se apresenta como um colégio confessional. “Sempre foi uma premissa desenvolver valores e habilidades. O nosso Projeto Interioridade, com material e metodologia próprios, é aplicado desde a educação infantil e a partir deste ano será implementado em todos os segmentos. Ele tem objetivos que coincidem com os do Projeto de Vida, ou seja, aquele de dar aos alunos condições para que eles se conheçam e assim possam entender um pouco mais de si mesmo. Conhecendo o seu interior, o aluno vai entender a aplicabilidade desse conhecimento nas decisões que ele vai tomar na vida”, diz.

Nilson Douglas Castilho, coordenador do ensino médio do Marista: pensar no benefício a longo prazo
Nilson Douglas Castilho, coordenador do ensino médio do Marista: pensar no benefício a longo prazo | Foto: Gustavo Carneiro

NAS ESCOLAS PÚBLICAS

Para o coordenador, a realidade nas escolas públicas pode ser bem diferente na hora de inserir o Projeto de Vida no cotidiano dos estudantes. “Acredito que isso vai depender muito do perfil de gestão de cada escola. Agora, essa metodologia está institucionalizada pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e vai exigir pesquisa e um trabalho que envolve profissionais que não estão envolvidos diretamente com a parte pedagógica, temo que poucas escolas conseguirão fazer isso de forma efetiva em um primeiro momento justamente pela demanda de uma expertise nem sempre disponíveis. É preciso também um aporte da parte do governo, da garantia de instrumentos, materiais e de profissionais das diversas áreas que possam dar suporte para esses alunos”, avalia.

No ensino público, continua Castilho, os obstáculos devem ser maiores. “As implementações são graduais e muito morosas. Acredito que em um primeiro momento, o foco será na carreira profissional que é algo mais fácil de relacionar com o mercado. Conseguir trabalhar as habilidades socioemocionais será mais difícil, poucas escolas públicas dispõem dessa expertise para colocar dentro da sala de aula, infelizmente”, afirma.

No Colégio Marista, os primeiro resultados positivos começam a aparecer graças às dinâmicas aplicadas e no perfil de alguns profissionais. “Hoje, temos na nossa equipe professores com uma linguagem muito próxima a dos adolescentes, com uma facilidade de mediação. O que temos feito tem surtido efeito graças à articulação bem feita pelo professor que tem a sensibilidade para entender os alunos e o período pelo qual eles estão passando”, explica.

Castilho ainda conta que o Projeto de Vida ajudou a quebrar o paradigma de que a avaliação do desempenho do aluno tem que passar, obrigatoriamente, por uma prova. “O professor pode avaliar os alunos a através de pautas de observação, a partir das posturas, comentários, daquilo que ele sente e diz, do seu envolvimento. Uma nota que vem de uma participação qualificada. Projeto de Vida não reprova nem deixa de recuperação, mas pode nos ajudar a desmistificar essa ideia do estudo para fazer uma prova. É pensar no benefício a longo prazo, o quanto isso pode ajudar o aluno em vários campos da vida, para muito além do colégio”, diz.

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Instituto sem fins lucrativos dá uma força a professores

O iungo é um instituto sem fins lucrativos que, em parceria com redes de ensino e outras organizações públicas e privadas da educação, gera e dissemina conhecimento através de programas gratuitos para formação dos professores brasileiros com uma atenção especial ao desenvolvimento integral do educador. Com sede em Belo Horizonte e atuando em 19 estados brasileiros, ele reúne professores, secretarias da educação, universidades e outras organizações do terceiro setor com o objetivo de promover uma nova visão de educação capaz de inspirar, gerar engajamento e transformar. O iungo quer dar aos educadores que estão na sala de aula as melhores oportunidades de formação e de construção de seus projetos de vida.

Samuel Andrade: “A própria prática de trabalho, que envolve estudo, formação, diálogo com outros professores, pode ser permeada de oportunidades para os docentes refletirem sobre suas identidades, seu desenvolvimento pessoal e profissional, suas perspectivas de futuro"
Samuel Andrade: “A própria prática de trabalho, que envolve estudo, formação, diálogo com outros professores, pode ser permeada de oportunidades para os docentes refletirem sobre suas identidades, seu desenvolvimento pessoal e profissional, suas perspectivas de futuro" | Foto: Divulgação

Para Samuel Andrade, líder da frente de Materiais Pedagógicos do Instituto iungo e professor do Instituto de Educação Continuada da PUC Minas, o Projeto de Vida no Novo ensino médio teria duas abordagens, uma bem específica e outra transversal. “A maior parte das redes de ensino tem optado por incluir o componente Projeto de Vida no ensino médio. Isso significa que os estudantes terão aulas especialmente desenhadas para que construam seus projetos de vida: poderão refletir sobre suas identidades, desenvolver competências relacionadas ao autoconhecimento e ao autocuidado, se envolver em ações e projetos colaborativos, participar de atividades que os ajudem a definir objetivos e metas, levando em conta o contexto socioeconômico do país e de seus territórios. Já a abordagem transversal parte do entendimento de que o trabalho com projetos de vida é um compromisso de todos os profissionais da escola, e não só das professoras e dos professores de Projeto de Vida. Isso está relacionado ao esforço de construir a escola como um espaço democrático e de participação efetiva dos estudantes, de construção de vínculos, bem como de incentivar os estudantes a conectarem aquilo que aprendem na escola a suas vivências cotidianas e ao futuro que desenham para si”, diz.

Em escolas públicas no Brasil, continua Andrade, já existem diversas experiências positivas de trabalho com Projetos de Vida, experiências essas que acontecem em contextos variados e fica impossível determinar uma única fórmula para equalizar as diferenças. “A resposta é complexa e passa, dentro outros fatores, pela formação continuada dos professores; pelo entendimento dos projetos de vida como eixo central da educação; pela construção de um compromisso individual e coletivo, da comunidade escolar, pela formação dos estudantes; pela configuração de espaços e tempos escolares que favoreçam o trabalho com projetos de vida e deem condições para que os professores façam um bom trabalho”, comenta.

RESSIGNIFICAR A PROFISSÃO

A maior parte das pessoas que trabalham na área da educação não teve oportunidade de viver experiências escolares focadas nos Projetos de Vida e mais do que um impedimento, a novidade pode contribuir para fortalecer, ou mesmo, ressignificar a profissão docente e seu compromisso com a formação dos estudantes. “Nas conversas com docentes que atuam há mais tempo com projetos de vida não são raros relatos de como esse trabalho contribuiu para que eles pudessem encontrar mais significado e realização na profissão. Esses exemplos nos mostram a importância de tematizar os projetos de vida dos próprios profissionais, para que eles possam experenciar, viver na pele, aquilo que vão ensinar”, afirma Andrade. Um desafio que deve se apresentar de forma distinta para os professores e comunidades escolares.

“A própria prática de trabalho, que envolve estudo, formação, diálogo com outros professores, pode ser permeada de oportunidades para os docentes refletirem sobre suas identidades, seu desenvolvimento pessoal e profissional, suas perspectivas de futuro. Acreditamos muito fortemente nisso. Além disso, o desenvolvimento pessoal e profissional está previsto nos documentos orientadores da formação inicial e continuada dos educadores, como a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada) e deve ser garantido”, sentencia Andrade.

O Instituto iungo mantém um programa de formação continuada e gratuita focado no ensino médio. O “Nosso Ensino Médio ( www.nossoensinomedio.org.br) tem como foco o desenvolvimento de competências pelos educadores, entendendo-os como sujeitos ativos de sua própria formação - em um processo muito similar ao que é proposto pelos novos currículos do ensino médio, e também é flexível o suficiente para que as redes de ensino adaptem o programa aos seus planos de formação. A iniciativa é de três organizações da sociedade civil com sólido compromisso e expertise na área de Educação e formação docente: Instituto iungo, Instituto Reúna e Itaú Educação e Trabalho.

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