Você já fez uma obra em casa e precisou comprar uma quantidade a mais de materiais para garantir que não faltasse na hora da "mão na massa"? Depois de finalizada, se deu conta de que a quantidade de pisos e de tinta foi superior ao necessário. E agora, o que fazer com tudo isso?

É nesse cenário que muitas pessoas acabam fazendo o descarte irregular de materiais da construção civil. De acordo com estudo feito pela Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente), o país gerou 45 mil toneladas de resíduos de construção civil e demolição no ano de 2022. Em Londrina, de acordo com dados do PMGIRS (Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos), relativos ao ano de 2018, existiam pelo menos 367 pontos irregulares de descarte de resíduos da construção civil.

Um grupo de arquitetas de Londrina lançou há poucas semanas uma plataforma online voltada a atender quem quer vender ou comprar materiais de construção novos ou seminovos. A S’Obra - da minha obra para sua obra, explica Silvana Bonafine, é um marketplace para quem deseja dar uma destinação correta para materiais que sobraram de uma obra, ao mesmo tempo em que pode fazer um dinheiro com a venda. Além de Bonafine, encabeçam o grupo as arquitetas Claudia Meyer, Lilian Simões, Guta Amorim, Mônica Nakabayashi e Elisangela Teodoro.

A arquiteta detalha que a ideia nasceu dentro do IARQ (Núcleo de Negócios em Arquitetura de Londrina), vinculado à Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina), após uma experiência do grupo na maior feira de design do mundo, em Milão, na Itália. O meio ambiente e a sustentabilidade, aponta, são as principais dores enfrentadas pelos profissionais da construção civil, já que o setor é um dos mais poluentes pelo fato de que apenas uma pequena parte dos resíduos é reciclada, ficando na casa dos 20% de acordo com dados da Abrecon (Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição).

No dia a dia de uma obra, é comum fazer a substituição de uma bancada de cozinha por outra, e é aí que entra o S’Obra. O objetivo da plataforma é atender as necessidades de pessoas que precisam dar um destino para materiais de construção que estão parados em casa, assim como ajuda na sustentabilidade e na preservação do meio ambiente.

“É menos caçamba, menos entulho sendo gerado e a gente faz a economia circular”, explica. Além disso, o material encostado em um canto qualquer pode ser um ambiente de proliferação de zoonoses, como a dengue.

A opção pela plataforma pode render uma economia de até 60% em uma obra. “A gente conecta as pessoas: quem quer vender e quem quer comprar”, afirma. Além disso, a plataforma também auxilia lojistas que têm um estoque grande e precisam fazer a mercadoria circular para adquirir e armazenar produtos novos.

Para fazer o cadastro para anunciar na plataforma, é necessário preencher alguns dados e aí já entra a parte das mercadorias. É preciso escolher a categoria em que o produto se encaixa, fazer a inserção de algumas fotos e a precificação. Antes de ir para a plataforma, o anúncio passa por uma curadoria do grupo de arquitetas, que avalia se o produto segue os critérios da plataforma. Também há uma categoria para quem quiser fazer a doação de produtos. A retirada e o pagamento são feitos entre entre vendedores e compradores.

Os produtos podem ser novos ou seminovos em bom estado de conservação e vão desde pisos, louças sanitárias, portas, janelas, iluminação e até mesmo móveis, que é uma categoria nova.

Bonafine adianta que o próximo passo será a inserção de filtros para que as pessoas possam selecionar a localidade e conferir o que há disponível na região em que moram. “A gente está conseguindo ver que não é uma necessidade só da cidade de Londrina”, afirma.

Para ela, as ferramentas tecnológicas trazem mais conforto e praticidade para que as pessoas possam anunciar ou comprar algum produto. “É muito mais rápido e ágil. Às vezes eu preciso só de uma torneira e não preciso ir de loja em loja, eu tenho ali uma vitrine em que eu posso estar pagando mais barato”, aponta.

EXPERIÊNCIA DE QUEM COMPROU E DE QUEM VENDEU

Através do S’Obra, a cartorária Daiane Minelli, 42, vendeu bancadas em granito e mármore que estavam em um apartamento que comprou. Segundo ela, apesar de estarem em perfeito estado, ela preferiu trocar por peças de outra cor. “Se não tivesse a plataforma, acabaria dando para algum interessado ou descartando mesmo em algum local apropriado”, afirma.

Para ela, a iniciativa é inovadora e necessária, já que existe a demanda por esse serviço por conta da grande quantidade de empreendimentos imobiliários. “Eu considero a plataforma muito importante, não só pela questão financeira, mas também pelo seu caráter de sustentabilidade, já que possibilita a negociação de bons materiais que poderiam ser descartados, dando a eles nova utilidade”, admite. Com uma experiência positiva, a utilização da plataforma, segundo ela, é fácil e rápida, assim como o contato com o cliente.

A imobiliarista Priscila Scandelae, 42, aproveitou para comprar uma pia e um tanque em granito, peças que foram colocadas em um apartamento da família. “Ficou super bonito”, opina. O preço? A metade do que se fossem comprados em uma loja convencional. “Valeu muito a pena, inclusive, vou reformar um outro apartamento e já estou fuçando aqui na plataforma novamente”, admite.

ECONOMIA CIRCULAR

Fernando Moraes, presidente da Faciap (Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Paraná), afirma que toda iniciativa que traz facilidade aos empresários e promova o bem-estar da população merece uma atenção especial. “Em um momento em que a consciência ambiental é cada vez mais cobrada e valorizada, uma ferramenta como essa não apenas atende a uma demanda do mercado, mas também contribui para um futuro mais sustentável e responsável”, ressalta.

Lilian Aligleri, coordenadora do Ninter (Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Resíduos), vinculado à UEL (Universidade Estadual de Londrina), reforça que o S'Obra demonstra que é necessário ampliar a visão sobre os novos negócios e as oportunidades de mercado. Ela explica que a plataforma está alinhada ao conceito de ciclo técnico da economia circular, abrangendo materiais que não são biodegradáveis, como os materiais da construção civil, que precisam ter o seu ciclo de vida ampliado por meio do reúso ou da reciclagem. “No caso do S'Obra, o foco é o reúso, o que reduz a extração de matérias-primas e a geração de resíduos, preserva recursos naturais e amplia o valor econômico e a vida útil do material”, detalha.

PEQUENAS OBRAS E REFORMAS

Vice-coordenador do Ninter e professor do Departamento de Engenharia Civil, Caio Victor Lourenço Rodrigues avalia a iniciativa das arquitetas como "muito positiva", principalmente para os pequenos e médios geradores de resíduos da construção civil. “O resíduo de uma obra pode ser o insumo para outra obra e, além das vantagens econômicas, haverá redução no volume de resíduos gerados”, aponta.

Ele explica que o maior problema quando se fala no descarte de resíduos da construção civil está nas pequenas obras e reformas. Os grandes geradores, como as construtoras, atendem às legislações e a destinação é feita de maneira adequada por empresas especializadas, que coletam, transportam e, em muitos casos, reciclam os resíduos.

No caso das pequenas obras e reformas, o que acontece com frequência é o descarte irregular em pontos costumeiros ou em fundos de vale. “Para uma obra pequena, o custo para a destinação se torna elevado, desestimulando a correta destinação”, aponta Rodrigues. Esse descarte irregular pode acarretar problemas, como a formação de criadouros para o mosquito da dengue, o arraste de resíduos e entupimentos das galerias de água pluvial, o que provoca enchentes e culmina no assoreamento de rios e lagos.