O trabalho de mais de uma década dizimado por um inimigo invisível. A agitação das colmeias foi aquietada e a produção natural do mel estancada em três dias. O silêncio indicava a ausência das abelhas abatidas e a infertilidade das colheitas vindouras.

Enquanto isso, o apicultor Jairo Carneiro Gomes transformava a tragédia em números e calculava o que foi perdido na área de produção em Mauá da Serra, no Norte do Paraná: 8 milhões de abelhas mortas, caixas de colmeia vazias e um prejuízo de mais de R$ 150 mil por colheita.

“Trabalho com abelhas há mais de uma década e tinha colmeias com dez anos, que produziam por causa da manutenção correta que sempre é feita. A vida da abelha é de 60 dias, mas a colmeia pode produzir por muito mais tempo. Agora estamos trabalhando na limpeza e esterilização das caixas para não perder o local das abelhas para as traças e começar tudo de novo”, lamentou.

Além da propriedade em Mauá, Gomes também produz mel e derivados em Marilândia do Sul e Ortigueira e recorda que já viveu o mesmo drama em 2021, quando um número parecido de abelhas foram mortas na mesma região por causa do uso indevido de agrotóxicos.

“Mesmo problema, mesmo impacto e um prejuízo semelhante, exatamente, na mesma área. Em um apiário de 50 caixas investimos R$ 22 mil com esperança de sucesso na safra de abril”, calcula.

Depois de se recuperar do prejuízo há dois anos, ele apostava no ano de 2023 e ainda comprou R$ 30 mil de maquinários de extração e pretendia alçar voos maiores com a multiplicação de abelhas-rainhas para laboratórios.

“Não é só a produção de mel, também fiz cursos de manipulação e trabalhamos com extração de própolis. Assim, dá para produzir pomadas, ceras e derivados e as abelhas ainda podem ser usadas nos processos de polinização de flores e plantas", explicou.

Depois da limpeza das caixas, o apicultor pretende fazer a captura de enxames até abril, quando termina o período propício para a coleta das abelhas. Mas, ele alerta que o número de abelhas encontradas nos apiários caiu drasticamente nos últimos quatro anos.

“Esperamos uma conscientização maior dos outros produtores rurais sobre o uso de agrotóxicos por causa do dano ambiental que isso pode provocar. As empresas e o poder público devem trabalhar neste sentido, pois é possível trabalharmos juntos. Eu mesmo arrendo produção de laranja e coloco as abelhas no meio, com segurança, para polinização e existem instruções corretas para esse convívio ser benéfico para todos”, avalia.

DERIVA

O técnico agrícola do IDR-PR (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná) Higor Henrique Silva afirmou que nos últimos casos de deriva, em Mauá da Serra, foram identificadas substâncias com fipronil. “A deriva é a porção do agrotóxico aplicada que não atinge o alvo desejado. Durante a pulverização, pode ser depositado em áreas vizinhas, com potencial de impacto no ambiente”, explicou.

Já o fipronil não mata as abelhas imediatamente, mas deixa o inseto atordoado ainda com capacidade de retornar à colmeia, onde acontece a contaminação das outras abelhas, provocando a aniquilação em massa. “O fipronil é um inseticida de amplo espectro. Ele perturba o sistema nervoso central dos insetos”, esclareceu Silva.

Outras propriedades da região também sofreram prejuízos com a mortandade de abelhas. “A maioria das mortes aconteceu nas caixas, mas o impacto pode ser muito maior. Se houver deriva, outros insetos também podem morrer em áreas mais distantes e animais também podem ser atingidos”, alerta.

“Temos as fases corretas e as formas corretas para se fazer o uso dos defensivos agrícolas. A pulverização forma gotículas muito pequenas e pode ser arrastada pelo vento ou pelo calor. Assim, a deriva é muito suscetível”, acrescentou o técnico agrícola.

A FOLHA entrou em contato com a Polícia Civil do Paraná para questionar sobre a investigação do suposto crime ambiental, mas foi informada que a delegacia local não foi notificada sobre o caso.

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