Apenas metade das escolas públicas brasileiras mantinham políticas de combate ao racismo em 2021, aponta levantamento da ONG (Organização Não-Governamental) Todos Pela Educação divulgado nesta terça-feira (25). De acordo com a entidade, houve uma queda acentuada em projetos com esta finalidade quando comparado com 2015, quando três em cada quatro instituições de ensino públicas (75,6%) tinham políticas internas de conscientização contra a discriminação por raça.

O levantamento foi feito com base em respostas de diretores e diretoras de instituições de ensino ao Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), aplicado de forma bienal. De acordo com as respostas dos dirigentes escolares, verificou-se uma progressão de 2011 (66,7% das escolas) e 2013 (68,8%) até 2015 (75,6%), quando começou a apresentar queda em 2017 (72,5%) e, mais acentuadamente, em 2019 (52,2%) e 2021 (50,1%).

O mesmo estudo indica queda nos projeto de combate ao machismo e homofobias em escolas públicas: se, em 2017, 43,7% (quase metade) das escolas trabalhavam os temas contra estes preconceitos, o percentual caiu para 25,5% (uma a cada quatro escolas) em 2021.

Para a analista de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, Daniela Mendes , o avanço de uma pauta ultraconservadora nos últimos anos, os impactos da pandemia e a falta de coordenação nacional durante a última gestão do Ministério da Educação são fatores que podem ter influenciado o cenário.

“A Educação vai além da transferência de conteúdos técnicos para os estudantes. A escola precisa ser um espaço de acolhimento, respeito e valorização das diversidades. Melhorar a qualidade da Educação brasileira significa também promover um ensino intencionalmente antirracista e voltado para as relações étnico-raciais, além de olhar com atenção para ações de combate ao machismo e à homofobia”, afirma.

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REFLEXO DO CONSERVADORISMO

Para a gestora de Promoção de Igualdade Racial da Prefeitura de Londrina, Maria de Fátima Beraldo, a constatação da Ong Todos Pela Educação reflete uma denúncia que o movimento negro e outros movimentos sociais vêm fazendo sobre a não efetivação da implantação da Lei Federal 10.639/2003 a partir de 2015.

“Até [os anos de] 2014, 2015, tivemos, por todo o país, um trabalho muito aprofundado de implantação desta lei, que trata da obrigatoriedade da inclusão da história da cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar. A partir de 2015, diante de um outro contexto político, principalmente nos últimos quatro anos [2019-2022], vimos um refluir destas políticas afirmativas”, analisa a professora.

Foi em 2015 que a ex-presidenta Dilma Roussef (PT) teve o mandato cassado e o então vice-presidente Michel Temer (MDB) assumiu o poder, dando um direcionamento mais conservador e à direita para as políticas nacionais. O novo viés se intensificou diante da bipolaridade acentuada que marcou o governo de Jair Bolsonaro (PL), que terminou em dezembro de 2022.

O técnico pedagógico do Departamento de Educação Inclusiva da Secretaria Estadual de Ensino do Paraná Galindo Pedro Ramos, que atua na coordenação de diversidade de direitos humanos, na equipe de educação das relações étnico-raciais e na educação escolar quilombola, afirma que não é possível fazer uma avaliação certeira sobre os motivos desse recuo em âmbito nacional, mas acredita que as dificuldades trazidas pelo ensino a distância exigido pela pandemia de Covid-19 tenha acentuado este movimento.

“Ficamos dois anos em aula online e estas questões [étnico-raciais] são muito mais complexas de serem tratadas a distância. Estando em sala de aula, é possível fazer interferências tanto no modo como [o professor] está falando quanto na resposta que obtém [dos alunos]”, afirma.

Entretanto, ele concorda que os direcionamentos políticos e a bipolaridade também influenciaram, assim como questões religiosas e tudo permeia estes aspectos entre a sociedade. “Isso tudo se reflete dentro da escola, porque ela é espelho da sociedade”, recorda.

INCENTIVO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

A assessora de Promoção da Igualdade Racial e Valorização à Diversidade da Secretaria Municipal de Educação de Londrina, Juliana Bueno Grizos de Carvalho, diz ser difícil analisar o contexto nacional porque “vai na contramão da realidade das escolas de Londrina”.

“Embora [o levantamento] reflita um balanço nacional e a gente possa compreender que, talvez, o avanço do discurso extremista e a intolerância possam ter contribuído para a diminuição do trabalho dessas temáticas, seria necessário se debruçar com mais cautela e compreensão acerca das regiões para compreender de fato o porquê deste declínio. Talvez, políticas públicas que não se mantiveram seja um indicativo muito maior que qualquer coisa”, avalia.

Quando comparado com a realidade local, em que as 169 unidades de ensino municipal têm comissões que tratam de temas de diversidade, Juliana Carvalho ressalta a importância de fazer a promoção de igualdade racial e combate ao racismo uma política púbica. “O que podemos inferir é que sair de um governo federal que não demonstrava preocupação com a diversidade racial talvez tenha refletido diretamente a níveis estadual e municipal no Brasil, de forma que o índice de trabalho de combate ao racismo nas escolas caiu”, analisa.

Ela ainda complementa: “Aqui em Londrina, podemos ver que, embora não tenha havido, por um período de tempo, o incentivo por parte do governo federal, em nível municipal, a SME conseguiu construir, em diálogo com o movimento negro, a UEL (Universidade Estadual de Londrina) o Neab (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros) e Conselho Municipal de Diversidade Racial, um terreno fértil para debater estas pautas.”