"Foi como tirar a dor com a mão." Assim, a aposentada Lucimeiry Maria Minuzzi, 58, descreve a sensação de passar pela cirurgia de retirada da vesícula biliar. As complicações no pequeno órgão localizado abaixo do fígado lhe causavam longas e intensas crises de enxaqueca. Após aguardar pelo procedimento por mais de um ano na fila do SUS (Sistema Único de Saúde), quando finalmente chegou a vez dela, Minuzzi não pôde ser operada porque foi diagnosticada com Covid-19. A solução encontrada, então, foi apelar para o Programa Cirurgia Para Todos.

A iniciativa do Hospital Evangélico de Londrina, criada em agosto de 2022, possibilita a realização de procedimentos de média e alta complexidade com valores até 80% mais baixos do que a média da rede particular. O parcelamento em até 36 vezes também facilitou o acesso no período de represamento das cirurgias eletivas por conta da Covid-19.

Noemi Garcia Moraes, diretora do Hospital Evangélico, explica que o Programa Cirurgia Para Todos tem o intuito de alcançar pacientes que estão há anos na fila do SUS aguardando por um procedimento cirúrgico.

Com um leque amplo, o programa abrange cirurgias de média e alta complexidade, contemplando procedimentos ortopédicos, urológicos, ginecológicos, pediátricos, vasculares e cirurgia geral. “Hoje nós conseguimos atender quase 100% das especialidades dessas filas represadas que existem”, aponta.

De acordo com o hospital, são mais de 1.400 procedimentos realizados desde agosto de 2022. Neste período, a média mensal passou de 4 para 125 cirurgias. “O programa não fica limitado apenas ao público de Londrina. Hoje a gente recebe pacientes de todas as cidades do Paraná e, dependendo, de outros estados, como Mato Grosso e São Paulo, que têm buscado o programa para realizar o procedimento aqui”, conta.

“A gente sabe que a pandemia trouxe um represamento muito grande em função do período em que as cirurgias eletivas, as cirurgias não urgentes, ficaram suspensas”, detalha. “Neste período, a fila de pacientes que aguardam por uma cirurgia cresceu ainda mais”, complementa.

A Sesa (Secretaria do Estado da Saúde) estima que pelo menos 200 mil paranaenses estejam à espera de uma cirurgia eletiva. Aos poucos, a fila está voltando a andar na região de Londrina, já que os hospitais Zona Norte e Zona Sul, juntos, fecharam 2023 com cerca de mil cirurgias eletivas realizadas por mês.

EXPANSÃO

O objetivo, de acordo com a diretora, é ampliar cada vez mais o programa, começando pelo leque de modalidades cirúrgicas contempladas. Segundo ela, o foco está em trazer uma profissional especializada em urologia, que é um diferencial para o público feminino, assim como ampliar as opções dentro da cardiologia. “O nosso intuito agora em 2024 é conseguir ofertar outros procedimentos que hoje ainda não fazem parte do programa”, adianta.

Moraes detalha que após o paciente entrar em contato com a equipe do programa através dos canais de atendimento, já é feita a primeira análise, de acordo com os relatos e a necessidade do paciente, que então é encaminhado para a consulta e para a realização dos exames necessários. A partir do primeiro contato, o paciente pode conseguir passar pela cirurgia em menos de 30 dias.

QUALIDADE DE VIDA

O ortopedista Guilherme Rufini atua no projeto no Hospital Evangélico de Londrina, assim como atende pacientes do SUS. Ele conta que, através do Sistema Único de Saúde, são priorizados os atendimentos de urgência e emergência, ou seja, que envolvem um risco de vida ao paciente caso o procedimento não seja feito o quanto antes.

Rufini realizou pelo menos 200 cirurgias nesse formato ao longo de 2023, que envolvem pessoas que sofreram traumas após acidentes de trânsito ou que quebraram algum membro após um acidente doméstico.

O Cirurgia Para Todos tem foco em outro perfil de paciente, que é aquele que precisa de uma cirurgia eletiva e já está há tempos aguardando na fila de espera do SUS. “O paciente tem uma artrose no quadril, um desgaste no quadril, ele está com dor, já não consegue andar ou fazer uma atividade física, ele só quer dormir. Não consegue se exercitar para controlar as taxas de colesterol, diabetes, enfim, a qualidade de vida inteira foi prejudicada”, detalha.

Segundo Rufini, tem sido muito “gratificante” participar do programa. “É um paciente que chega aqui, a gente vê o quanto ele está sofrendo e o quanto a gente o ajuda com os relatos pós-cirúrgicos”. Apesar de não haver risco de vida, o procedimento devolve toda uma qualidade de vida que ele não tinha antes. “É você mudar a vida do paciente da água para o vinho”, analisa.

O ortopedista reforça que enxerga o Cirurgia Para Todos com um caráter filantrópico, já que o honorário cobrado pelos profissionais tem um valor “diferenciado” do que o praticado na rede particular para que os pacientes consigam realizar o procedimento.

'Foi como tirar a dor com as mãos'

As dores de cabeça acompanharam a aposentada Lucimeiry Maria Minuzzi por longos anos. Ela tentou diversos tratamentos, mas nunca encontrou uma solução para a dor de cabeça constante. No final de 2020, testou positivo para a Covid-19, o que agravou ainda mais a enxaqueca, já que a dor era contínua e não dava trégua. Além da piora nas dores de cabeça, o coronavírus deixou outras sequelas, como problemas na digestão, o que motivou uma visita a um gastroenterologista.

As dores de cabeça acompanharam a aposentada Lucimeiry Maria Minuzzi por longos anos
As dores de cabeça acompanharam a aposentada Lucimeiry Maria Minuzzi por longos anos | Foto: Jéssica Sabbadini

Na consulta, o profissional identificou que ela estava com “barro biliar”, que é o acúmulo de determinadas substâncias na vesícula biliar e, frequentemente, antecede a formação do cálculo biliar, mais conhecido como “pedra na vesícula”. Com indicação de cirurgia, Minuzzi entrou na fila de espera do SUS para realizar o procedimento.

Pouco mais de um ano depois, no final de 2022, ela foi chamada para realizar o procedimento no Hospital Zona Norte, entretanto, uma nova infecção pela Covid-19 impediu com que ela passasse pela cirurgia. O tempo passava e as dores da enxaqueca persistiam.

Ao ver um cartaz sobre o Programa Cirurgia Para Todos, resolveu procurar o Hospital Evangélico para passar por uma consulta. No dia, a aposentada relatou todos os problemas de saúde, desde a enxaqueca até as sequelas da Covid-19, como a dificuldade para respirar e o ganho de peso. “Aí eles fizeram os exames pré-operatórios e [o resultado] deu pedra na vesícula. O barro já tinha virado pedra”, relembra.

Com a indicação de uma colecistectomia, deu entrada no hospital no início da manhã para retirar a vesícula biliar, sendo liberada no final da tarde. A partir da primeira consulta, nos primeiros meses de 2023, já pôde realizar a cirurgia menos de 60 dias depois, no mês de junho.

“Foi como tirar a minha enxaqueca com a mão. Nunca mais tive. Eu fico até emocionada de falar porque eu não sabia que problema na vesícula causava estrago desse jeito na vida da gente”, relata.

O resultado foi tão positivo na vida de Minuzzi que ela passou a ter mais ânimo para fazer tudo o que tinha vontade, já que não tinha mais que suportar aquela dor constante. Antes da cirurgia, ela não conseguia nem mesmo comer ou beber alimentos considerados saudáveis, como água de coco, que intensificavam o quadro de dor de cabeça. “Antes, se eu fosse comer fora, eu evitava porque tudo fazia mal, então a gente vai ficando com uma vida bem restrita. Hoje não, hoje eu posso me alimentar de tudo”, compara.

Logo após a retirada da vesícula biliar, o SUS entrou em contato para agendar o procedimento, mas ela liberou seu lugar na fila, que é longa. “E eu não me arrependo, porque o jeito que foi a cirurgia, a qualidade que foi, o depois da cirurgia e o efeito que me deu dessa libertação da enxaqueca, eu faria tudo de novo.”

De volta à rotina

Aos 73 anos, Aparecida Crude Martinez enfrentou dores nos dois joelhos há mais tempo do que se lembra. No começo, as dores eram toleráveis, mas foram piorando com o tempo, até que mesmo as atividades mais simples, como andar, exigiam um grande esforço. A pensionista aponta ainda que os joelhos se deformaram ao longo dos anos, o que dificultava ainda mais a vida.

“Deu tudo certo e as dores que eu tinha passaram e também corrigiu a deformação da perna.", conta Aparecida Martinez
“Deu tudo certo e as dores que eu tinha passaram e também corrigiu a deformação da perna.", conta Aparecida Martinez | Foto: Jéssica Sabbadini

Os problemas fizeram com que ela procurasse uma UBS (Unidade Básica de Saúde) para passar pela consulta e pedir encaminhamento a um ortopedista. Após quase dois anos de espera, recebeu a carta com o agendamento da consulta, em que o profissional solicitou alguns exames. “Aí eu comecei a pensar que se a consulta demorou esse tempo, depois ainda tinha que pedir exame e entrar na fila da cirurgia. Ia demorar muito. Então, o Cirurgia Para Todos foi uma luz no fim do túnel”, explica. “Pela rede particular eu não teria condições, já que precisaria fazer o procedimento nos dois joelhos.”

Martinez diz entender a demora para realizar determinados procedimentos pelo SUS, já que são muitas pessoas que aguardam cirurgia. Mas, por não ser tão jovem, não quis esperar muito mais tempo, pois o quadro poderia piorar.

Ao saber do programa por um amiga, agendou uma consulta no início de abril do ano passado e já saiu com a cirurgia para a colocação de uma prótese no joelho esquerdo marcada para o dia 28 do mesmo mês. “Deu tudo certo e as dores que eu tinha passaram e também corrigiu a deformação da perna. Não 100%, mas ficou bem melhor”, avalia.

Para a pensionista, o resultado trouxe tantos benefícios que ela retornou para colocar a prótese no direito também, que fez há cerca de 30 dias e já está andando com o auxílio de um andador. “Assim como a outra [cirurgia], essa já corrigiu o defeito do joelho”, comemora.