Em meio a suspensão pelo STF (Superior Tribunal Federal) do julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas no Brasil, uma ameaça de morte contra indígenas no extremo oeste do Paraná escancara a urgência pela reparação devida ao povo Avá Guarani, expulso de suas terras para construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.

"Se você não me pagar esse porco vou te meter bala. Se não me pagar, você vai pagar com a sua saúde. Vou atrás de você." O aviso partiu de um produtor rural vizinho à aldeia índigena Pyahu, no município de Santa Helena, a 120 quilômetros de Foz do Iguaçu, ao final da manhã de 18 de agosto passado. No mesmo dia, o cacique da aldeia se dirigiu à delegacia local para registrar um boletim de ocorrência.

Com medo do que poderia ocorrer, dias após o registro do BO a comunidade decidiu publicar uma carta escrita à mão para pedir ajuda da Funai sobre o caso. “Desde o ano passado nós estamos passando por (...) ameaças de fechar nossa estrada (...) e, este mês, sexta-feira, dia 18/8, ele [fazendeiro] ameaçou as famílias guarani de morte. Nós estamos com medo. Nossas famílias estão com medo. E hoje, dia 22 de agosto, ele está exercendo sua atividade para fechar nossa estrada”, diz trecho.

Também acionado pelos indígenas, o procurador da República Raphael Otavio Bueno Santos, lotado na 6ª Câmara - Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, vinculada ao MPF (Ministério Público Federal), detalhou a situação à reportagem e destacou sua posição sobre o conflito indígena considerado por ele como "o mais grave do Paraná".

"Inicialmente a situação aparenta ser uma ameaça de morte resultado de uma briga entre vizinhos. Entretanto, não podemos considerar isso como um fato isolado. Essa ameaça ilustra o risco iminente de conflito a que estão expostos os indígenas no Oeste do estado. Um problema que só terá perspectiva de ser resolvido a partir da demarcação das terras que são devidas ao povo Avá Guarani", defendeu o procurador em entrevista.

A preocupação é reforçada pelo sentimento de medo recorrente aos Avá Guarani desterrados por Itaipu. Em março de 2020, um grupo de indígenas foi atacado com pedras e golpes de facão após uma partida de futebol no município de Diamante D’Oeste. Um jovem de 24 anos foi morto e outros três ficaram feridos.

Com três aldeias devidamente demarcadas na região, (Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, e Añetete e Itamarã, em Diamante D’Oeste), o povo Avá Guarani no extremo oeste do Paraná aguarda há mais de dez anos pela regularização de novas porções de terra. Enquanto a decisão judicial não é cumprida, outras 24 aldeias não demarcadas passaram a integrar a luta dos Avá Guaranis. A maioria delas está situada em áreas de propriedade da hidrelétrica.

Em julho de 2017, a Justiça Federal de Foz do Iguaçu determinou à Funai que concluísse os procedimentos para início das demarcações em dois anos. Paralisada durante a gestão dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, a discussão pela demarcação de novas terras foi retomada pelo governo Lula a partir da criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI).

REPARAÇÃO

Em abril passado, durante cerimônia de encerramento do 19º Acampamento Terra Livre (ATL 2023), em Brasília, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, anunciou que o MPI e Itaipu iriam compor um grupo de trabalho para estudar possíveis reparações aos povos avá-guarani. Com expectativa de ser iniciado já a partir do segundo semestre deste ano, a proposta ainda não saiu do papel.

"Sobre a criação do GT, o MPI informa que, por orientação da Casa Civil, entendeu-se pela criação de uma instância de maior abrangência, intitulada Comitê Interministerial de Políticas de Reparação Histórica para os Povos Indígenas, possibilitando-se a análise e adoção de providências para diferentes casos", informou o ministério.

Ainda por meio de nota, o MPI garante que "estão sendo realizados os devidos trâmites para a emissão do decreto de criação do comitê, cuja primeira ação, assim que instalado, será a criação de um Grupo de Trabalho específico para o caso Avá-Guarani".

Para o procurador Raphael Otavio, o risco social a que estão expostos os Avá Guarani na região Oeste exige celeridade para resolução do conflito. "Observamos a boa vontade por parte da nova gestão de Itaipu, do Ministério dos Povos Indígenas, da Funai e do próprio governo federal. Porém, entendemos que, passado esse período de nove meses, chegou o momento de vermos ações concretas para que estes indígenas tenham acesso à terra que lhes é de direito", pontua o MPF.

Procurada, Itaipu informou que aguarda a publicação do decreto para dar início às tratativas sobre "possíveis reparações aos indígenas".