A Alep (Assembleia Legislativa do Paraná) decidiu por 36 votos favoráveis contra nove contrários autorizar a venda à iniciativa privada de um terreno de 220 mil metros quadrados, localizado na zona sul de Londrina, que seria destinado para receber um empreendimento financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Encaminhado pelo governo estadual, o projeto de lei trouxe justificativa de que a construção de edificações de interesse social no local seria inviável, uma “vez que o imóvel está localizado em região privilegiada com valor de mercado elevado”. A justificativa da Cohapar (Companhia de Habitação do Paraná) foi alvo de críticas no plenário. O terreno tem 220 mil metros quadrados e está localizado na região do Conjunto Cafezal, entre o Cafezal II e uma pedreira conhecida por ser ponto de prática de escalada e rapel.

Justificativa para venda do terreno do IDR foi alvo de críticas
Justificativa para venda do terreno do IDR foi alvo de críticas | Foto: Gustavo Carneiro

Segundo a Cohab (Companhia de Habitação de Londrina), cerca de 55 mil famílias têm "interesse em adquirir o primeiro imóvel no município". Destas, quatro mil vivem em condições de vulnerabilidade social, em ocupações irregulares que não permitem a regularização fundiária.

Conforme apurou a reportagem, a resistência em destinar a área ao atendimento do interesse social começou dentro do próprio IDR (Instituto de Desenvolvimento Rural)/Iapar/Emater, dono do terreno, logo depois que o ex-governador Beto Richa (PSDB) sancionou a lei estadual 19.451, em abril de 2018, que determinava que o imóvel seria utilizado exclusivamente para a construção de unidades habitacionais do Minha Casa, Minha Vida. A matéria, porém, foi revogada na sessão da Alep desta quarta-feira (5).

Durante a discussão, deputados de oposição criticaram duramente a justificativa de que o valor de mercado da área seria um impeditivo para a construção de edificações do MCMV . “Um absurdo. Uma aberração jurídica em que a justificativa é que não pode construir casa habitacional em terreno privilegiado da cidade de Londrina”, disse Arilson Chiorato (PT). Já o deputado estadual Requião Filho (MDB) afirmou: "O terreno fica numa área nobre e não queremos gente pobre aqui. Porque o terreno já é do estado, não teria custo nenhum a mais na construção”. O deputado Luiz Cláudio Romanelli (PSB) lembrou que a nova lei aprovada não impede que imóveis do MCMV sejam construídos futuramente. "Não há nenhuma restrição na lei em relação a isso", lembrou.

Líder do governo na Alep, Houssein Bakir (PSD) argumentou que a aprovação do projeto é resultado de "uma regra de mercado". Obviamente, que o projeto que lá seria inserido é do Minha Casa, Minha Vida e se trata de uma região muito cara. Não se viabilizou. Não por vontade deste governo, nem de outro governo. É isso. É preciso que haja essa regularização”, encerrou.

LICITAÇÃO

A FOLHA conversou com o diretor de Negócios do IDR, Altair Sebastião Dorigo, que lembrou que a área não serve mais para a pesquisa do instituto por estar muito próxima de chácaras. Questionado, explicou que, em 2020, o terreno foi avaliado em R$ 9,8 milhões. Este deverá ser o valor mínimo a ser arrecadado na venda do terreno, “ideal” para atender o interesse de construtoras e incorporadoras de padrão mais elevado.

Também, de acordo com ele, o montante não poderá ser utilizado para salários, ações trabalhistas ou demais despesas de custeio do órgão. “Você pode comprar um microscópio, um carro, fazer uma construção, tudo o que seja patrimônio, que pode ser um bem móvel ou imóvel. Não posso comprar adubo, por exemplo. Se usar os recursos de capital e usar em custeio, o TCE (Tribunal de Contas do Estado) pode abrir um processo por uso irregular do recurso”, lembrou.

Dorigo afirmou que o objetivo do órgão é publicar a licitação até julho deste ano. Quanto ao futuro do terreno, lembrou que parte dele fica próxima de uma nascente, devendo ser respeitado o distanciamento de uma APP (Área de Preservação Permanente). “Então se perde um pouco. Não adianta colocar um valor muito alto, evidentemente que vai haver uma disputa”, ponderou.

À reportagem, a Cohapar reafirmou que a revogação lei estadual de 2018 foi necessária uma vez que o alto custo do terreno, aliado a um contexto de escassez de recursos destinados do programa Minha Casa Minha Vida, inviabilizaria o desenvolvimento de projetos habitacionais no local, "tendo em vista que a lei 19.451 estabelecia o ônus financeiro da área ao agente financeiro responsável", afirmou em nota.

DÉFICIT HABITACIONAL

Questionado se o interesse público foi deixado de lado com a revogação da lei confirmada pela Alep, o presidente da Cohab (Companhia de Habitação de Londrina), Luiz Cândido de Oliveira, lembrou que o tema ficou "velado" e não foi aberto ao município a oportunidade de manifestação.

De acordo com a Cohab, cerca de 55 mil pessoas têm interesse em adquirir o primeiro imóvel através da companhia em Londrina. Neste grupo, estão incluídas pessoas com as mais variadas faixas salariais, com renda familiar de até R$ 9 mil, por exemplo, até pessoas que vivem em condições de vulnerabilidade social.

Ao mesmo tempo, dois grandes empreendimentos do Minha Casa, Minha Casa em Londrina ainda não foram entregues. O Residencial Alegro Villagio, também na zona sul, é o mais avançado, com 90% da obra executada. Já o Flores do Campo, na zona norte, está ocupado de forma irregular por cerca de 200 famílias em situação de vulnerabilidade social há cinco anos.

Existem outras 67 ocupações irregulares em Londrina. Destas, "13 são passíveis de regularização fundiária, o que vai recompor em torno de duas mil famílias que compõem esta gama", afirmou Oliveira. No entanto, o projeto de lei apresentado pelo Executivo sobre o tema está em tramitação na Câmara Municipal de Londrina desde 2019 e não entra em pauta desde fevereiro deste ano. Os vereadores acabaram se dedicando à discussão de outro PL que trata da regularização fundiária para pessoas de baixa renda e que foi aprovado em segunda discussão nesta semana.

Por parte do governo estadual, 866 unidades serão construídas no escopo do Programa Bem Viver Londrina, de responsabilidade da Construtora Pacaembu. De acordo com o site da construtora, os imóveis serão construídos ao lado da Rodovia Carlos João Strass, na zona norte. Em todo o estado, o governo do Paraná planeja lançar o programa Casa Fácil, com 33 mil unidades que poderão ser adquiridas através de um financiamento em parceria com a Caixa Econômica Federal.