Na densidade das plantas ao redor, o agricultor aposentado Takefumi Kumagai jura que não é dele o crédito por todas as flores que embelezam o cotidiano dos moradores do Jardim Império do Sol, na zona norte. “Eu não plantei todas essas flores, mas plantei para o lado certo, as sementes foram multiplicando. Cada ano que passa vai aumentando, aumentando e aí o jardim começa a florar. Ainda tem mais brotos para florar.” O jardim ocupa uma área pequena perto dos 9,5 mil metros quadrados do terreno de gramado bem aparados pelos moradores do bairro com a ajuda da CMTU (Companhia Municipal de Trânsito de Urbanização). Um olhar atento, no entanto, pode observar as mudas e pequenas árvores em crescimento tímido e outras bem desenvolvidas na orla do local que no papel deveria ser uma escola municipal.

O casal Rie Itiyama e Takefumi Kumagai entre  as Palmas de Santa Rita e as zínias
O casal Rie Itiyama e Takefumi Kumagai entre as Palmas de Santa Rita e as zínias | Foto: Patricia Maria Alves

“Na esperança que a escola viesse eu fui plantando as árvores ao redor do terreno, entre um ipê e outro”. Kumagai é natural de Assaí, na Região Metropolitana de Londrina. Trabalhou com o cultivo do café até a Geada Negra em julho de 1975 quando decidiu junto da família erradicar os pés de café que sobraram e investir na cultura de algodão. O êxodo rural da época prejudicou as escolas rurais que começaram a ficar sem alunos e fecharam. O agricultor, com duas meninas pequenas, Claudia e Katia, sentiu a necessidade de mudar para a cidade pela educação das crianças. “Deixei o sítio e mudamos para a cidade e eu trabalhei por lá até me aposentar ainda no ramo da agricultura”. No ano de 2001, já aposentado, mudou para a casa que mora até hoje em Londrina, próxima do pomar que cultiva.

Imagem ilustrativa da imagem Agricultor aposentado cria um pomar em terreno abandonado na zona norte de Londrina
| Foto: Patricia Maria Alves

“A terra era para ser uma escola, e eu tinha esperança que fosse construída a escola. Fui plantando, nos vãos dos ipês, as árvores frutíferas. Mas a escola nunca veio. Fizemos uma votação no bairro elegemos um presidente e fizemos um manifesto para o (então) prefeito Nedson Micheletti para requerer a escola; a prefeitura alegou que não havia verbas, eu resolvi fazer um pomar. E no futuro alguém vai poder colher as frutas que estou plantando agora e vai ser bom para o futuro”, declara.

"Comecei com um pé de quiabo", conta o agricultor Takefumi Kumagai sobre o início do pomar que hoje tem mais de sete espécies de árvores frutíferas
"Comecei com um pé de quiabo", conta o agricultor Takefumi Kumagai sobre o início do pomar que hoje tem mais de sete espécies de árvores frutíferas | Foto: Patricia Maria Alves

Em 2019, o jardineiro, resiliente, completou 81 anos, festejou bodas de ouro com Rie Itiyama, de 79 anos, e comemora 14 anos construindo "cápsula do tempo” em forma de pomar. Esse mar de flores guarda uma particularidade que Rie conta com prazer: para cada neto há uma árvore frutífera. “Há um lugar onde se costuma dizer que quando nasce uma criança, se planta uma árvore. Caio e Satomi já tinham suas árvores, então eu plantei um abacateiro e dois caquis para a Lina e a Mia. Caqui é uma árvore fraquinha então plantei logo duas.”

Imagem ilustrativa da imagem Agricultor aposentado cria um pomar em terreno abandonado na zona norte de Londrina
| Foto: Patricia Maria Alves

A ideia de plantar as árvores frutíferas veio com o tempo. O primeiro cultivo foi um pé de quiabo em 2004; depois, flores, feijão, hibisco e um melãozinho e uma beringela japonesa, mas o que ele gostava de plantar era couve-flor. “Eu plantava aqui em casa, mas elas não se desenvolviam porque é muito sombreado, então eu levei para lá e ‘vingou’. Estava grande, bonita. Mas infelizmente aparecem os sócios, os que não ajudam a plantar, mas ajudam a colher. Um dia a Rie estava fazendo feijão e eu disse vou ali buscar a couve, quando cheguei lá, fiquei só na vontade. Tinham arrancado o pé inteiro. Também plantei manjericão, hortelã eu plantava lá”.

"Essa fruta é preferida para fazer doces chiques" ensina enquanto segura uma physalis
"Essa fruta é preferida para fazer doces chiques" ensina enquanto segura uma physalis | Foto: Patricia Maria Alves

"E, jabuticaba, caqui, abacate, pitanga, manga, calabura - uma frutinha pequena bastante doce original da Colômbia - amora, laranjas, poncã, tem três tipos de laranjas lá, graviola, cerejeira gaúcha: 'aquela mais achatada, sabe? A jabuticaba e manga já deram frutos, tem um pé de goiaba, um de limão, toda a vez que vinham roçar o pessoal cortava o limoeiro e ficava só o toco. Eu pedi para parar de cortar o limão e agora tem grande, limão rosa. Tem lichia também. A minha intenção era se der fruto, alguém vá aproveitar. Então tenho que plantar e fui plantando.”

Imagem ilustrativa da imagem Agricultor aposentado cria um pomar em terreno abandonado na zona norte de Londrina
| Foto: Patricia Maria Alves

Carrega uma fruta de physalis ainda verde nas mãos e passeia por entre as flores. “Eu comecei a plantar as árvores frutíferas quando meu neto Caio ganhou a calabura, ele ainda estava no jardim de infância, hoje já está com 12 anos. A escolinha distribuiu mudinhas para os pais plantarem e acompanharem o crescimento da árvore junto com o da criança. E eu plantei. A árvore da Satomi pegou doença e teve que ser cortada, mas já plantei outra para ela. Também plantei uma araucária.” A vontade de Kumagai é continuar plantando mais árvores e mais frutos, chama pássaros, abelhas, mas reclama que está se sentindo sem ânimo. No início do ano de 2018, ele descobriu um câncer na próstata e iniciou tratamento com radioterapia. “Estava praticamente curado, mas surgiu metástase. E depois da rádio agora estou sendo medicado via oral para baixar a testosterona. E o tratamento me dá muita fraqueza. Tem dia que não dá coragem para fazer nada e lidar com a terra é pior porque precisa de força, para capinar, para cavar, plantar. Muitas pessoas me traziam mudas, mas agora estou recusando. Parei de plantar agora.”