A família da jovem Cidnéia Aparecida Mariano da Costa, 34, vive uma contradição de sentimentos com a aproximação da data do júri popular marcado para 4 de fevereiro, em Londrina. Néia, como é chamada pela família, foi agredida, asfixiada e abandonada em uma estrada rural na zona norte de Londrina. O crime ocorreu em abril de 2019 e o ex-companheiro Emerson Henrique de Souza é acusado de tentativa de feminicídio.

"Foi muito difícil lidar com a situação desde o início. Especialmente, mãe, irmãs, filhos e filhas se tornam vítimas indiretas de uma agressão nesse nível. Sofremos bastante no período de internação no HU [Hospital Universitário] quando não sabíamos se ela sairia viva. E, quando finalmente ela saiu viva, isso não foi o fim do sofrimento. O que eu mais temia era a perda da autonomia. Ela ficou totalmente incapacitada. Em um primeiro momento, acreditei muito nas possibilidades de reabilitação”, confessa a irmã Silvana Mariano.

A vítima, mãe de quatro filhos, trabalhava como auxiliar de cozinha. Segundo a irmã, Néia tentou romper o relacionamento semanas antes do crime. A família relata que o ex-companheiro ficou incomunicável logo após os fatos. A jovem foi encontrada por uma pessoa que passou pela estrada rural e acionou o Samu. O rapaz, na época com 27 anos, foi preso três semanas depois.

Néia ficou tetraplégica e não recuperou a fala. “Socialmente falando, o feminicídio foi concluído”, lamenta Mariano. Os quatro filhos que estavam com 4, 6, 12 e 17 anos foram acolhidos por parentes e a família assumiu os custos e demandas do tratamento contínuo.

“O núcleo familiar foi destruído. As duas meninas menores, incluindo a filha do Emerson que estava com 4 anos, estão com o pai da menina de 6 anos, outro ex-companheiro da Néia. A mais velha está com a minha mãe que também cuida da Néia. O filho mais velho, na época com 17 anos, tem mantido certa distância. Mudou-se de Londrina”, conta.

A falta de oxigenação no cérebro logo após a agressão causou uma síndrome neurológica chamada encefalopatia hipóxico-isquêmica que culminou na perda dos movimentos. A vítima agora respira sem a ajuda de aparelhos e voltou a se alimentar sem a sonda, mas não há perspectivas de reabilitação.

“Há uma ambiguidade de sentimentos desde quando me deparei com o agendamento do júri. Há um certo alívio com a perspectiva de ver a proximidade de algum desfecho, ainda que seja em primeira instância e com a possibilidade de uma infinidade de recursos. Por outro lado, isso traz também uma série de angústias, ansiedades e inquietações. Relembrar os fatos, repetir testemunhos, isso já é um tipo de sofrimento. Essa possibilidade de ver o réu de frente é algo que ainda nem consigo nomear. Também há a inquietação em saber da contradição que existe em uma sociedade machista como a nossa em que há o grande risco de que a defesa enverede pelo caminho da inversão dos fatos e a vítima seja revitimizada, desqualificada e culpabilizada”, finaliza a irmã da jovem.

Além de respostas para o crime, a família aguarda suporte do SUS para manter os cuidados com a saúde da vítima. Silvana Mariano, que é socióloga e pesquisadora de temas ligados às questões de gênero, tem se engajado em ações pela garantia dos direitos das mulheres.

Emerson Henrique de Souza permanece preso na unidade 2 da PEL (Penitenciária Estadual de Londrina). A informação foi repassada pela advogada dele, Nayara Andrade Vieira. Conforme a advogada, Souza permaneceu em silêncio na delegacia e na audiência de instrução do processo. A versão dele dos fatos só será apresentada no júri popular.

“É um caso bem complexo por conta da repercussão. Em razão de ser um crime contra a mulher, é muito complexo porque ele já vem condenado por esse clamor social. Foi um caso que repercutiu na época e que vem repercutindo em razão do estado da vítima. O Emerson vai trazer a verdade dele para o júri e os jurados é que vão escolher entre a tese da acusação e da defesa”, afirma.

A advogada adianta que não será pedida a absolvição do réu. Porém, no entendimento da defesa, Souza teria cometido o crime de lesão corporal gravíssima e não tentativa de feminicídio.

“Nós, da defesa, não vamos pedir a absolvição dele. Ele vai responder na medida da culpabilidade dele. Ele vai explicar certinho o que aconteceu. Em relação à asfixia, não há o que se falar. Ocorreu o fato, mas ele vai explicar o que causou tudo aquilo. Temos áudios que estão no processo. [...] Ele teve todos os meios para continuar o crime e não o fez. Isso é uma das teses da defesa. Vamos pedir a condenação dele, mas no crime que de fato ele cometeu. Entendemos que não foi tentativa de feminicídio”, alega.

Souza já foi condenado anteriormente por homicídio. Conforme a advogada, ele havia rompido a tornozeleira e era considerado foragido na data do crime cometido contra Cidnéia.

Diante da comoção pública sobre o caso, a advogada protocolou um pedido de desaforamento para que o júri seja realizado em Curitiba. Ela afirma que tem recebido ameaças e críticas por fazer a defesa do réu. O pedido ainda está sob análise. O julgamento está marcado para o dia 4 de fevereiro, às 9 horas, no Tribunal do Júri de Londrina.