Jerusalém, 22 (AE) - Um eventual acordo de paz entre Israel e a Síria (cujas negociações foram interrompidas na semana passada), ao mesmo tempo em que poderá acabar com a era do ódio declarado entre judeus e árabes no Oriente Médio, já está sendo encarado como um marco de mudança interna na sociedade israelense. Caso haja acordo, o plebiscito em que a sociedade votará pela devolução ou não das Colinas do Golan também representará a opção entre a manutenção de ideais sionistas puros (a construção braçal do Estado judeu), a paz e sobretudo o desenvolvimento econômico.
Em um país onde a chuva é motivo de reza, é no Golan que está localizado o único reservatório de água natural: o Mar da Galiléia, responsável por 30% do abastecimento de água de Israel.
Sabendo disso, os colonos começaram a montar, há cerca de dez dias, uma campanha de propaganda para convencer a população a votar contra a devolução desse território. Os dois comitês de moradores das colinas (o de Katzrin, a maior cidade, e das comunidades) juntaram-se a um movimento, criado em Jerusalém, chamado "O Povo com o Golan", e estão se preparando para uma batalha em que grande parte dos argumentos se baseia em ideologia e sentimento. "Estamos sendo tratados como cidadãos de segunda categoria", diz Gur Bar Lev, de 26 anos, representante do comitê regional do Golan em Tel-Aviv. "Para conseguir a paz, o governo está passando por cima dos nossos direitos e nossa história."
Desde que o primeiro-ministro Ehud Barak e sua comitiva começaram a segunda rodada de negociações nos EUA, no dia 4, os movimentos contrários à devolução do Golan começaram a arregimentar voluntários. Somente em Tel-Aviv e região central, cerca de 400 jovens trocaram a escola e as horas de lazer para fazer plantão nos semáforos. Todos os dias, eles distribuem 10 mil adesivos contra a devolução para os motoristas da maior cidade do país. "Estamos nos preparando para a votação", explica Bar Lev, que deixou de frequentar as aulas de física e computação na Universidade de Tel-Aviv para coordenar o comitê regional. "Vamos chegar ao ponto de estar em cada bairro, conhecer os moradores e levá-los pela mão para votar", acrescenta ele, que nasceu e se criou em Katzrin.
Em função da importância estratégica do Golan, a eventual devolução da região deverá ser referendada em plebiscito (depois de aprovada no Parlamento). Além disso, segundo a imprensa local
a sociedade está dividida e o primeiro-ministro não pretende arriscar seus bons índices de popularidade comprometendo-se por escrito a sair do Golan (e estabelecer fronteiras) antes de um acordo final. É por isso, dizem analistas políticos do Oriente Médio, que Barak ainda não assinou nenhum documento assegurando à Síria que se retirará do Golan.
Barak já declarou que a "base da discussão" será a fronteira anterior à guerra de 1967. O problema é que, sem esse documento, a negociação, que deveria ter sido retomada no dia 19
foi suspensa pela Síria por tempo indeterminado. Analistas políticos israelenses dizem que uma crise antes da terceira rodada de negociações estava sendo "prevista". Eles acreditam, no entanto, que as negociações continuarão.
As pessoas e grupos que defendem a devolução do Golan baseiam seus argumentos em alguns dos poucos consensos existentes em Israel, sobre os quais, aliás, Barak se elegeu. Em primeiro lugar, é preciso retirar, com urgência, o exército do sul do Líbano. Também é preciso atrair investimentos estrangeiros para possibilitar a criação de novos empregos. Esses dois problemas, especialmente a retirada dos soldados (na maioria, garotos de 18 anos) só serão solucionados, dizem os especialistas, por meio de um esquema de paz. "Um acordo com a Síria é inevitável", disse Ehud Yaari, analista de assuntos militares da televisão estatal.
O acordo de paz com árabes e judeus aumenta a possibilidade de ampliar os investimentos estrangeiros. Desde que Barak assumiu o cargo de primeiro-ministro, os investimentos estrangeiros começaram a chegar. Os bancos Chase Manhattan e o Citibank foram os primeiros a investir na Terra Santa. Heimann, porta-voz do partido de Barak, lembra que só com a paz poderão ser feitos acordos de cooperação econômica entre os países da região ou até mesmo um bloco, como existe nas Américas e na Europa.
O caminho para isso, dizem os políticos alinhados à esquerda, vêm sendo construído lentamente e agora precisa ser acelerado. Israel já assinou acordos de paz com dois vizinhos árabes, o Egito e a Jordânia. Para completar o ciclo, faltam a Síria, de Hafez Assad (que traz a reboque o Líbano), e os territórios palestinos, cujas negociações estão adiantadas. "Temos nas mãos a oportunidade histórica de fazer a paz", diz Yossi Gazit, porta-voz do Meretz, um partido de esquerda que apóia Barak.
Pesa na argumentação da turma de Barak, a favor da devolução, o fato de o grupo guerrilheiro libanês Hezbollah estar pressionando Israel a sair do sul do Líbano. Quando fala do Hizbollah, Gazit o descreve como um exército com dois senhores: depende financeiramente do Irã e ideologicamente da Síria. Tanto é assim, diz ele, que desde o início das conversações com a Síria, não tem havido mais atentados contra o soldados israelenses no sul do Líbano. Os analistas de assuntos estratégicos de Israel referem-se ao Líbano, que já foi a "Suíça do mundo árabe", como sendo um país "vassalo". "Por isso, esta é a hora de sairmos do Líbano", diz Heimann.