Adoção não é caridade.” A frase dita de imediato pelo professor e artista plástico Marcos Antônio da Silva alerta para a necessidade de desmistificar o conceito e conversar sobre o tema ainda visto como tabu. Ele e a professora Vanessa Dantas aguardam ansiosos a chegada do novo filho ou filha. O casal faz parte do Cadastro Nacional de Adoção. A espera já dura dois anos e meio.

Nesse período, de preparação e debates, os dois se aprofundaram no tema, frequentaram grupo de apoio Trilhas do Afeto, participaram de projetos de pesquisa e leram sobre os desafios da chegada do novo filho. A decisão de adotar foi conversada antes mesmo do casamento, há 10 anos. Tempos depois, o casal descobriu que não poderia ter filhos biológicos. “Quando digo isso, muitos acham que aí está a razão para a gente querer adotar, mas não é isso. Não é pela infertilidade. É que queremos ser pais dessa forma”, conta Vanessa.

O casal ingressou com o processo de adoção no início de 2016. Após uma série de entrevistas com psicólogos e assistentes sociais e ainda a participação em um curso oferecido pelo Ministério Público do Paraná e pelo Tribunal de Justiça do Estado, os dois foram habilitados junto ao cadastro nacional. O processo durou, aproximadamente, um ano. “Gera muita ansiedade. Em algum dia, esse telefone vai tocar”, diz esperançosa.

Enquanto aguardam, ambos mudaram de profissão na expectativa de dedicar mais tempo à criança. Vanessa e Marcos Antônio sabem, porém, que o desafio vai muito além de educar e criar um vínculo de afeto. O casal também se prepara para enfrentar o preconceito social.

Conceitos de família precisam ser trabalhados na sociedade e na escola. Há escolas que ainda pedem fotos das mães grávidas para a homenagem do Dia das Mães, por exemplo. Outra situação, é que quando você diz que vai adotar, muitos contam histórias negativas e situações que não deram certo. Dizem que o adotado é problemático, mas, naturalmente, as pessoas não têm problemas com os filhos? Então não é isso. Na verdade, o ser humano é que é problemático”, ressalta Marcos Antônio. “Adotado também se tornou um rótulo. Adotado não é adjetivo”, completa Vanessa.

A única característica desejada pelos dois é que a criança tenha menos de 2 anos de idade. “Queremos vivenciar essa fase da infância”, explica a futura mãe. Os dois compreendem, porém, que a restrição deve aumentar ainda mais a espera.

LONGA FILA

No Brasil, há uma criança ou adolescente para cada nove pretendentes habilitados à adoção. Enquanto 5.031 crianças e adolescentes aguardam para serem adotados, 45.992 pessoas permanecem na fila do cadastro nacional, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). No Paraná, há 3.639 pretendentes habilitados e 493 crianças e adolescentes disponíveis atendidos pelos serviços de acolhimento.

Em Londrina, para cada criança ou adolescente apto à adoção, há sete pretendentes habilitados. Ao todo são 207 pessoas na fila e 29 crianças e adolescentes disponíveis. As preferências reduzem as possibilidades, mas nem todas as pessoas habilitadas a adotar estão preparadas para mudar o perfil da criança desejada. Grande parte dos pretendentes prefere apenas bebês ou crianças de até 4 anos. O Dia Nacional da Adoção é comemorado neste sábado (25).

O perfil exigido tem se modificado com o passar dos anos, segundo a juíza da 1ª Vara da Infância e Juventude de Londrina, Camila Tereza Gutzlaff. No entanto, ela reforça que é importante respeitar o desejo dos pretendentes para evitar que crianças e adolescentes enfrentem nova rejeição. “Nem todos estão preparados. É importante que tenha sido observado o perfil que realmente as pessoas querem para evitar inclusive devoluções. Se os pretendentes não estão preparados, qualquer probleminha que a criança apresente pode ser motivo. A adoção não é destinada aos pretendentes, mas às crianças e adolescentes. Deve-se buscar sempre o melhor para elas”, destaca a juíza.

Neste ano, houve dois casos de devolução em Londrina. Em um deles, os pretendentes que haviam adotado irmãos procuraram o judiciário para devolver o mais velho. “As pessoas percebem que estão há muito tempo na fila e começam a querer modificar o perfil a todo momento com o objetivo de reduzir essa espera. Mas, nesses casos, eles precisam ser reavaliados para ver se realmente darão conta e se é isso mesmo que eles querem”, explica.

Das 107 crianças e adolescentes acolhidos em Londrina, apenas 29 estão disponíveis para adoção. Nos demais casos, a equipe técnica ou a rede de assistência avalia a possibilidade de retorno ao vínculo familiar. Quando isso não é possível, há a destituição do poder familiar que ocorre em até 120 dias.

No ano passado, 23 crianças e adolescentes foram encaminhados para adoção. Neste ano, a Vara da Infância e Juventude de Londrina realizou oito encaminhamentos. Para adotar uma criança ou adolescente é necessário procurar uma Vara da Infância e Juventude. A juíza reforça que o cadastro nacional não tem restrição de perfil dos pretendentes. Pessoas solteiras e casais homoafetivos também podem ser habilitados. “Serão avaliadas apenas as condições de exercer a paternidade ou a maternidade.”

FAMÍLIA

Sempre pedi uma família para Deus, mas não tinha mais esperança”, confessa o adolescente Luiz Guilherme Martins, 16. Aos 3 anos, o menino passou a morar no Lar Anália Franco. Aos 13, ele seguiu para o Nuselon (Núcleo Social Evangélico de Londrina) onde conheceu os novos pais. Em visita à instituição, o publicitário Daniel Martins e a empresária Mariana Martins viram Guilherme pela primeira vez. “Corri para ver se meu guarda-roupa estava arrumado”, conta o adolescente. A cobrança por organização era constante no serviço de acolhimento.

O casal sempre pensou em adoção, mas não havia delimitado um perfil específico. Os dois apadrinharam Guilherme até a decisão final de tê-lo como filho. O período de, aproximadamente, dois anos, serviu para ambos se conhecerem mais a fundo. O processo de adoção foi concretizado em menos de seis meses, no final de 2017.

O começo foi muito difícil. Pensava muito nos meus irmãos. Uns tiveram oportunidade. Outros não”, explica o adolescente que tem oito irmãos. Nem todos vivem em Londrina. “O que eu mais sentia falta era de carinho e amor. Na minha infância, eu nem sempre tive isso. Sentia falta de alguém para me aconselhar, de alguém para, sei lá, me ver casando, tendo filhos.” Guilherme trabalha como menor aprendiz e cursa o ensino fundamental. “Agora é uma fase nova. O futuro deixei nas mãos de Deus.”

O casal que vivia em um apartamento pequeno viu a família aumentar consideravelmente. Mariana engravidou logo após a adoção. “Estamos em aprendizagem constante. Aprendendo a se doar sempre, por cada um da família para que a gente cresça de forma sadia, entendendo as vulnerabilidades um do outro. Não é porque a gente não vem de um abrigo que a gente não tem a nossa carga de infância. Empatia é muito importante e, acima de tudo, o amor”, ressalta Daniel.

O publicitário também trabalha como pai social no Nuselon e passa as noites no serviço de acolhimento. O filho, às vezes, o acompanha para conversar com os meninos atendidos. “Adoção é uma entrega total. É um propósito de existência”, resume.