Em que pese às previsões negativas, o papel resiste à avalanche digital. E o argumento é mais psicológico do que da qualidade física do material. A superioridade do papel em relação à tela é uma ideia defendida pela maioria dos consumidores entrevistados pela empresa de pesquisa Toluna. A análise feita em 10 países em 2017 mostrou que os leitores confiam e entendem mais o que leem em papel do que no digital.

Imagem ilustrativa da imagem A arte de ler com as mãos
| Foto: Gustavo Carneiro


O impresso ainda está suportando os maus presságios trazidos pelo surgimento do e-book em 2007. O prognóstico do fim não enterrou o livro. Também segundo o instituto Pew Research Center, os livros impressos continuam mais populares do que os digitais. Duas de cada três pessoas continuam lendo livros impressos nos Estados Unidos e na Espanha.

Em 2015, de acordo a consultoria Forrester Research, foram vendidos 12 milhões de livros digitais nos Estados Unidos, contra 20 milhões em 2011. Na Espanha, o e-book representa 5,1% do faturamento total do setor, segundo a Federação de Grêmio de Editores.

O FÍSICO

Persiste a sinestesia que a leitura física causa, conforme argumenta o bibliotecário Marcos Moraes, 34. Doutorando em ciência da informação e servidor da Biblioteca Pública de Londrina há cinco anos, ele explica que a leitura em papel é mais prazerosa se comparada ao ecrã.

As estatísticas contradizem o avanço tecnológico, de acordo com o bibliotecário. "A gente vê um pouco desse fenômeno que as pessoas acabam preferindo ler no papel. Quem gosta de literatura tem um apego ao livro físico. A imagem do livro, o folhear, o contato físico. Até mesmo os mais jovens, que já nasceram nesse contexto de publicações digitais, gostam da imagem física do livro", argumenta.

Para a pessoa que ama o livro, não é só a literatura, mas todo o objeto. Moraes lembra edições luxuosas que acabam sendo um atrativo. Para presentes, livros trazem dedicatórias, carregam histórias. "É muito mais do que a leitura, tem até um fetiche", conta. A moda da nostalgia trouxe de volta a vitrola e o vinil e também o impresso, mesmo entre os mais jovens. "Boa parte dos leitores que frequentam a biblioteca pública municipal são jovens, adolescentes", afirma.

"Aqui na Biblioteca o que eu percebi a princípio com o 'boom' da Internet é que houve uma queda muito grande. Mas já há algum tempo estabilizou. Principalmente entre os leitores de literatura. Para fins de estudo, a Internet acabou suplantando boa parte das fontes. Artigos científicos, publicações mais curtas, pelo computador não são tão cansativas". É o caso do estudante Alexandre Anami Júnior, 20, que prefere ler artigos no digital. "Pela facilidade mesmo", justifica.

O PSICOLÓGICO

Os leitores do Brasil, Austrália, Alemanha, França, Itália, Nova Zelândia, África do Sul, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos disseram desfrutar mais e compreender melhor as informações quando impressas. A fundo, isso se dá porque hoje se vê um patamar da fadiga digital, além da preocupação com segurança e privacidade, segundo o estudo da Toluna.

Doutor em Estudos Literários pela UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) e professor de comunicação da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Rodolfo Rorato Londero acredita que várias razões justificam essa preferência, mas a principal seria o tipo de atenção envolvida na leitura de material impresso.

"Trata-se de uma atenção profunda, voltada quase exclusivamente para o conteúdo, pois o ambiente da mídia impressa não oferece distrações. A única distração é a própria imaginação do leitor, seus devaneios, mas isto não só faz parte da leitura, como também contribui significativamente para sua qualidade".

Em concordância com Londero, a retenção do conteúdo também é citada pelo artigo "Por que o cérebro prefere o papel", publicado pela Scientific American em outubro de 2013. As telas são menos eficazes no entendimento semântico.

Para o professor, "se considerarmos que a sinestesia é a regra, e não a exceção, como dizia o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, então a experiência é tanto mais enriquecedora quanto mais sentidos são envolvidos". Essa seria uma vantagem para a mídia impressa.

"Também devemos considerar como o ritmo lento da leitura cria brechas para a imaginação, e a imaginação é uma espécie de sinestesia interna: não é fantástico quando as palavras evocam um cheiro, barulho, frio ou calor, quando somos transportados para uma realidade sensorial poderosa que parecia impossível existir em meras palavras impressas? Isto é a imaginação funcionando", pondera.

Parte por nostalgia, também pelo modismo explorado pelo mercado, conforme acrescenta Londero. "Entretanto, também não deixa de ser um sintoma, um indicativo que precisamos urgentemente desacelerar. Até mesmo no campo da economia já estamos falando em decrescimento, ou seja, em desacelerar a produtividade para alcançar mais qualidade de vida. Acredito que a nostalgia do impresso apenas expressa esse movimento geral".

De acordo com a pesquisa, os leitores preferem a versão impressa de livros (72%), revistas (72%) e jornais e notícias (55%) do que as alternativas digitais. Os entrevistados indicaram que a mídia impressa é mais "agradável" do que os meios eletrônicos, 65% acreditam ter uma compreensão mais profunda do texto impresso do que em notícias online (49%). Isso porque, para o doutor, o ambiente da mídia digital é repleto de distrações. "Os e-mails não lidos, as mensagens instantâneas, a infinidade de links. Tudo isto produz uma atenção rasa, inquieta, o que empobrece a qualidade da leitura. A qualidade da experiência depende da qualidade da atenção".

Outro ponto relevante é que os leitores confiam mais nas histórias dos jornais impressos (51%) do que as encontradas nas mídias sociais (24%). Muito por conta da apuração e da checagem – modismo de agências, mas função primordial do jornalismo – que o material impresso detém. Não é editável, está lá, escrito.

O panorama é o mesmo na comunicação publicitária, em que 52% das pessoas preferem ler catálogos impressos, 45% preferem receber folhetos impressos e 46% prestam atenção a eles. Os entrevistados estariam mais propensos a tomar uma decisão depois de ver um anúncio em um jornal ou uma revista impressa do que se tivessem visto o mesmo anúncio online, de acordo com o estudo. A segurança e a privacidade dos dados pessoais é outra preocupação dos consumidores (71%), que acreditam que cópias impressas de documentos são mais seguras.

A televisão não matou o rádio. O problema apontado pelo estudo não é a mudança de formato, mas sim a mudança de hábito da sociedade. Basta olhar ao redor e verificar no ônibus, no aeroporto, nas universidades: pessoas com cabeça baixa olhando a tela do celular. Maioria das vezes, em redes sociais, que ocupam boa parte do tempo dos usuários de smartphones.

O levantamento apurou que o tempo gasto na leitura de um livro (45%), revista (63%), ou jornal (61%) é menor nos dias de hoje. Pouco mais da metade dos entrevistados concordaram que passam muito tempo em dispositivos eletrônicos e 53% se mostraram preocupados com a saúde pelo uso excessivo de smartphones e tablets, como a fadiga ocular, privação de sono e dores de cabeça. Mais de um terço concorda que sofre de "sobrecarga digital". Só no Brasil, 67% acreditam que passa tempo excessivo em dispositivos eletrônicos.

O JORNALISMO E O DIGITAL

Ao sopesar o impresso e o digital, o primeiro ainda tem um poderoso impacto na leitura recreativa. Segundo o estudo da Toluna, ainda com a previsão de que os e-books expulsariam os livros de bolso, 72% dos entrevistados preferem livros impressos. Mesma porcentagem também gosta mais de revistas impressas. Só na França, 85% escolhem o formato em papel.

Querer ler notícias em papel é o desejo de 55% dos entrevistados, 27% usam computador e apenas 17% o celular. Na Alemanha, 75% dos consumidores ainda preferem receber as notícias diárias por meio de um jornal impresso. Na Espanha, os fãs de periódicos são 42% dos entrevistados.

Ainda não se sabe qual efeito a longo prazo o ambiente digital causará no psicológico humano. Doutor em estudos literários pela UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), Rodolfo Rorato Londero cita uma pesquisa encabeçada por cientistas espanhóis e israelenses que afirma que associamos a mídia digital a "interações curtas e recompensas imediatas", isso por conta do conteúdo encontrado nessas plataformas.

"Pense nas notícias curtas, nos memes, nos tweets, nas mensagens instantâneas. Por outro lado, a mídia impressa, frequentemente vinculada a conteúdos aprofundados, exige uma leitura prolongada, acompanhada de uma recompensa duradoura. Na verdade, a recompensa é duradoura porque a experiência é prolongada: o prazer está no processo, e não no resultado".

Com o advento do digital, o excesso de informações também pode esvaziar o conteúdo de algum acontecimento. O atentado terrorista na escola em Suzano (SP) na quarta-feira (13) mostra como o luto pode não ser valorizado quando a rapidez do digital já anuncia análises sobre mortes cujos cadáveres tampouco esfriaram.

"O luto demanda tempo e a rapidez do digital nos rouba justamente esse tempo necessário. Quando não temos tempo para preencher o vazio formado pela ruptura do acontecimento, ou seja, quando não temos tempo para encaixar esse acontecimento em uma narrativa que faça sentido, o que resta é o próprio vazio", opina.

Londero concorda que tal excesso de informações passa por um filtro em casos de jornais impressos, mas não se pode ignorar que o próprio jornalismo, independentemente do tipo de mídia, contribuiu para a aceleração de informações no caso de Suzano.

"Alguns dizem que uma sociedade complexa exige cidadãos bem informados, mas essa complexidade também é resultado do jornalismo. Somos cobrados de acompanhar todas as notícias simplesmente porque elas estão aí. Por que eu preciso saber de um atentado que ocorreu em Suzano? O drama humano está presente em cada esquina, em cada estória contada ou imaginada".