Levantamento feito pela primeira vez pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que 94,8% das pessoas de 18 anos ou mais no país se declaram heterossexuais. Entre os entrevistados, 1,8% se disseram homossexuais (1,13%) ou bissexuais (0,69%).

Divulgados nesta quarta-feira (25), os dados referentes à orientação sexual autodeclarada da população foram levantados em um módulo inserido na PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), realizada em 2019, em parceria com o Ministério da Saúde.

Entre os entrevistados, 1,8% se disseram homossexuais (1,13%) ou bissexuais (0,69%).
Entre os entrevistados, 1,8% se disseram homossexuais (1,13%) ou bissexuais (0,69%). | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A pesquisa foi realizada em 108 mil domicílios, por amostragem probabilística. De forma inédita, os entrevistados foram questionados sobre sua orientação sexual, com seis opções de resposta –heterossexual, homossexual, bissexual, outra, não sabe e recusou-se a responder.

Cerca de 2,3% escolheram não responder, porcentagem superior à soma de homossexuais e bissexuais. Outros 1,1% disseram que não sabiam e 0,1% afirmaram que têm outra orientação sexual (como assexual e pansexual, por exemplo).

A soma das porcentagens passa de 100% em função do arredondamento, informou o instituto. Não houve coleta a respeito da identidade de gênero da população. O IBGE afirmou que ainda estuda metodologia para incluir o tema em suas pesquisas.

Segundo a PNS, em 2019 havia 159,2 milhões de pessoas acima de 18 anos no país. Assim, de acordo com a estimativa da pesquisa, eram 1,1 milhão de bissexuais, 1,8 milhão de homossexuais e 150,8 milhões de heterossexuais.

Considerando o sexo biológico dos entrevistados, o percentual de mulheres bissexuais (0,8%) é maior do que o de homens bissexuais (0,5%). Em paralelo, a porcentagem de mulheres homossexuais (0,9%) é menor do que a de homens homossexuais (1,4%).

Do total de 1,1 milhão de pessoas declaradas como bissexuais, a maioria são mulheres (65,6%). Já das 1,8 milhão de pessoas declaradas como homossexuais, os homens são a maioria (56,9%). A idade aparece como um fator que influencia a autodeclaração -conforme mais velhos os entrevistados, menor o percentual de não heterossexuais. Na faixa entre 18 e 29 anos, 4,8% se declararam homossexuais ou bissexuais. Esse percentual cai para 0,2% entre os que têm 60 anos ou mais.

O nível de instrução também pareceu impactar os resultados. Entre aqueles com superior completo, 3,2% se disseram homossexuais ou bissexuais. O percentual cai para 0,5% no caso dos entrevistados sem instrução ou com o fundamental incompleto. A porcentagem de pessoas que se recusaram ou que não sabiam responder também foi menor entre os que completaram o ensino superior.

O percentual de homossexuais e bissexuais também aumenta conforme cresce o rendimento domiciliar per capita. Entre os entrevistados que ganham até meio salário mínimo, 1,3% se declararam dessa forma. Já entre aqueles que recebem mais de cinco salários mínimos, 3,5% se disseram homossexuais ou bissexuais.

Na área urbana, 2% das pessoas informaram ser homossexuais ou bissexuais, enquanto na área rural esse percentual ficou em 0,8%. A cor dos entrevistados não teve impacto significativo sobre os percentuais.

O IBGE diz que os dados são experimentais e que ainda estão sob avaliação por "não terem atingido um grau completo de maturidade em termos de harmonização, cobertura ou metodologia, sendo, portanto, um primeiro exercício para a captação do tema em questão". O instituto lista ainda algumas limitações da pesquisa. Na maior parte dos casos, o preenchimento foi realizado pelo entrevistador, o que poderia influenciar a pessoa a fornecer uma resposta que ela considerasse mais bem aceita socialmente.

O IBGE também afirma que houve uma recomendação expressa para que fosse assegurada a privacidade do entrevistado, mas diz que isso nem sempre foi possível. "Ainda que com limitações, a divulgação desses dados permite dar visibilidade à população de homossexuais, bissexuais e outras orientações sexuais, com estimativas, em âmbito nacional, relacionadas a uma amostra probabilística e representativa das diferentes regiões do país", afirma o instituto.

CENSO

Em março, o MPF (Ministério Público Federal) ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal do Acre para que o Censo 2022 incluísse perguntas sobre população LGBTQIA+. A Procuradoria pediu que o IBGE, responsável pelo Censo, fosse obrigado a adicionar campos referentes à identidade de gênero e à orientação sexual nos questionários básico e amostral do estudo. O MPF afirma que a limitação na identificação desse grupo configura um impedimento para a formulação de políticas públicas específicas.

"É somente a partir do momento em que são vocalizadas, que as demandas sociais passam a integrar a agenda estatal: a miséria, as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, o baixo desempenho escolar e a violência são exemplos de problemas sociais diagnosticados por instituições brasileiras de pesquisa e estatística ao longo das últimas décadas que foram incorporadas ao centro das discussões da gestão pública", diz o órgão na inicial. À época, o instituto respondeu em nota que o Censo "não é a pesquisa adequada para sondagem ou investigação de identidade de gênero e orientação sexual".

"A metodologia de captação das informações do Censo permite que um morador possa responder por ele e pelos demais residentes do domicílio. Pelo caráter sensível e privado da informação, as perguntas sobre a orientação sexual de um determinado morador só podem ser respondidas por ele mesmo", disse o IBGE.

O MPF argumenta que quesitos sobre cor e raça também já foram considerados dados sensíveis e que, ainda assim, o IBGE faz as perguntas, com a orientação para que a resposta seja dada de acordo com a identificação do entrevistado, sem questionamentos. Além disso, a Procuradoria afirma que a legislação assegura o caráter sigiloso das informações e que, por isso, não se pode falar em exposição da privacidade.

Após ter sido acionado pelo MPF, o instituto informou que os indicadores referentes à orientação sexual seriam divulgados em maio, como parte da PNS realizada em 2019. O IBGE diz que a divulgação da pesquisa já estava prevista e que o comunicado foi apenas antecipado. A ação foi ajuizada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, Lucas Costa Almeida Dias. Ele diz à reportagem que considera insuficiente a inclusão da pergunta sobre orientação sexual na Pesquisa Nacional de Saúde. "A PNS objetiva conhecer o perfil epidemiológico de uma população, não tem nada a ver com censo demográfico. De forma alguma supre", afirma.

Dias também ressalta que não foram coletadas informações sobre a identidade de gênero dos entrevistados e lembra que a PNS envolve uma amostra reduzida, bastante inferior à do Censo.

Aliança Nacional LGBTI+

Em nota oficial, a Aliança Nacional LGBTI+ endereçou congratulações ao IBGE pela pesquisa inédita. "É louvável percebermos que em um cenário onde o preconceito segue presente e cada vez ganhando mais forças, existem pessoas que tem a coragem de se assumir, tornando-se exemplo de resistência frente a este quadro."

A nota diz que a visibilidade acerca de quem são e quantos são, como vivem, renda familiar, grau de escolaridade, acesso à saúde e demais que constituem o rol dos direitos essenciais, alicerçados pelaa Constituição Federal e que, comumente são negados para população LGBTI+ brasileira, são essenciais para a construção das políticas públicas que atendam às necessidades desta população.

"A luta e o reconhecimento dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sem sombra de dúvidas constituem os pilares do Estado democrático de direito. A construção de uma nação justa e igualitária é feita sob pilares essenciais, pilares estes que são responsáveis pela manutenção das liberdades individuais, da dignidade da pessoa humana e todos os seus direitos", acresenta a nota.

"É essencial que compreendamos a importância de ações como esta, que se pautam pelos princípios constitucionais da igualdade de direitos, pelas decisões da mais alta corte de justiça do país, o Supremo Tribunal Federal – STF no julgamento da Ação direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 e Mandado de injunção 4733 que equiparou os crimes de LGBTIfobia aos crimes de racismo."

"Nos tempos presentes, em que vivemos a todo momento sob fortes ameaças aos Direitos Humanos e até mesmo à nossa jovem democracia, observar atitudes como a inclusão da população LGBTI+ nas pesquisas oficiais, acende uma luz para dignidade de pessoas LGBTI+, que, historicamente, sofrem com a discriminação e a exclusão, alimentando em todos nós o sentimento de esperança.", complementou o texto assinado por Toni Reis, Diretor Presidente da Aliança Nacional LGBTI+; Gregory Rodrigues Roque de Souza, Coordenador Nacional de Comunicação da Aliança Nacional LGBTI+; Heloisa Helena Cidrin Gama Alves, Coordenadora Titular da Aliança Nacional LGBTI+ em São Paulo; Eleine Brandão, Colaboradora da Área Jurídica da Aliança Nacional LGBTI+.

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