Apesar de toda a conjuntura mundial, o Brasil ainda está dentro de uma perspectiva de crescimento. Os efeitos da crise, no entanto, vão depender da velocidade do país de facilitar a atividade econômica e de promover reformas.

A afirmação é do economista Gabriel Vansolini Soldado, sócio da Bravus Investimentos – escritório credenciado da XP Investimentos em Londrina e região. “Teremos que conviver com um câmbio relativamente mais alto com certeza, mas temos um cenário macro interno com uma base boa”, ponderou.

Imagem ilustrativa da imagem Economista destaca que a magnitude da crise depende da velocidade do Brasil de promover reformas
| Foto: Roberto Custódio

Segundo ele, a alta do dólar já provoca reflexos em curtíssimo prazo no Brasil, como o aumento dos preços da soja e do milho. “Esse dólar mais alto é estrutural. Não vai cair, vai ficar num patamar alto, de R$ 4,50 para cima”, pontuou.

Na quinta-feira (12), a moeda americana alcançou a marca de R$ 5 pela primeira vez história do País em razão do impacto mundial provocado pelo novo coronavírus e das medidas restritivas adotadas por diversos países - em especial, os Estados Unidos onde o presidente Donaldo Trump proibiu voos procedentes da Europa, exceção feita ao Reino Unido.

Vansolini acrescenta que a Alemanha e a Itália já caminham para uma recessão e que o Brasil, infelizmente, cada vez mais não pode contar com uma conjuntura mundial tão positiva.

Diante do momento em que a economia mundial sofre com os efeitos do coronavírus e o Brasil precisa consolidar o ajuste fiscal, o economista criticou a aprovação pelo Congresso, na última quarta-feira (11), de um gasto adicional de R$ 20 milhões ao ano. Confira a entrevista:

Qual os principais impactos da alta do dólar na economia brasileira?

A princípio, a alta do dólar favorece as exportações brasileiras e pode encarecer produtos importados que compõem nossa cadeia produtiva. O reflexo, no curtíssimo prazo, foi uma maior demanda por commodities, o que levou ao aumento de preços de produtos, como soja e milho, nos últimos dias.

Em outras épocas, uma alta tão forte no dólar teria impactos devastadores nas companhias brasileiras, desacelerando a economia, encarecendo a dívida externa e provocando um aumento da taxa de juros no médio prazo. Mas hoje a conjuntura é totalmente diferente: temos uma inflação controlada, uma taxa de juros baixa, reservas em moeda estrangeira e um choque desse abre espaço, inclusive, para novas reduções da taxa básica de juros.

Temos também um risco-país em um nível historicamente baixo, o que mostra que o Brasil continua bem avaliado no exterior. O dólar não está se valorizando somente frente ao real, está se valorizando frente às moedas emergentes em geral. Além disso, o Brasil hoje tem uma taxa de juros menor em relação aos países desenvolvidos, o que segura menos capital estrangeiro aqui.

No caso da alta do dólar, quem ganha e quem perde com a valorização da moeda norte-americana?

Setores majoritariamente exportadores já estão se beneficiando. Setores com cadeia produtiva mais dependente de importações de insumos sentem bastante essa oscilação e uma pressão nos custos.

O dólar pode se valorizar ainda mais frente ao real?

Esse dólar mais alto é estrutural. Não vai cair, vai ficar num patamar alto, de R$ 4,50 para cima. Por muito tempo, o Brasil segurou capital estrangeiro aqui através de uma taxa básica de juros muito alta, que pagava um ganho real muito acima da média mundial. Dessa forma, o investidor estrangeiro aceitava correr o risco aplicando dólares aqui devido à alta remuneração de uma taxa de juros alta. Isso mantinha dólares aqui e segurava o câmbio.

Desde o segundo semestre de 2016, o Banco Central vem reduzindo juros no intuito de tirar o país da crise. Essa redução de juros, de 14,25% ao ano para os atuais 4,25% ao ano, coloca o Brasil em um parâmetro normal de juros real em nível mundial, mas não segura mais dólar aqui.

O Banco Central injetou dólares no mercado de câmbio. O que o governo deve fazer para evitar a escalada do dólar?

Essas injeções do Banco Central não surtem efeito no longo prazo, e é importante que o câmbio continue livre. O governo deve seguir a agenda que se propôs a fazer para que, estruturalmente, tenhamos mais credibilidade lá fora e para recuperar o grau de investimentos. Assim, atrairíamos muito capital estrangeiro. Já houve avanços na área fiscal, mas tem muita coisa a ser feita para que tenhamos um país menos estatizado e mais produtivo, como as reformas administrativa e tributária. O próprio Congresso já poderia adiantar a votação de projetos de lei que estão em tramitação e que poderiam adiantar uma reestruturação da economia, tais como a autonomia do Banco Central, a Nova Lei do Gás e o Plano de Equilíbrio Fiscal.

Sobre o preço do barril do petróleo. Qual o impacto da queda do preço para a economia brasileira?

A queda no preço do barril do petróleo pode prejudicar a Petrobras, já que o preço do seu produto está mais baixo. Mas parece que o mercado financeiro não reflete que um preço menor do petróleo pode ser positivo. Nos anos 70, a economia mundial sofreu com aumento do preço do petróleo promovido pela Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]. Agora temos uma queda. Será que é tão ruim assim para as economias como um todo? Ou só para alguns setores ou países? Acredito, sim, que teremos reflexo nas bombas, pois não houve mudança na política de preços.

Se a Europa entrar em recessão como estão dizendo, quais seriam as consequências para o Brasil? Essa recessão pode atingir os EUA e a América do Sul?

A Alemanha e a Itália já caminham para uma recessão. Já a economia americana é mais vibrante e ágil que as economias europeias e da América Latina. É uma economia que, mesmo com a crise de 2008, se recuperou rápido e que vem apresentando forte crescimento de renda e emprego nos últimos anos. Olhando de forma global, o mundo inteiro cresceu nos últimos 10 anos. O Brasil não aproveitou esse crescimento global e vai viver sua pior década perdida em termos de crescimento, com uma taxa média de 0,7%, 0,8%. Infelizmente, não aproveitamos essa onda global de crescimento que aconteceu, que pode ser menor ou não existir daqui em diante.

Está pessimista ou otimista com relação ao enfrentamento disso?

Temos que ser realistas. As reações dos mercados no curto prazo lá fora podem ser justificadas, mas aqui dentro temos uma perspectiva de crescimento ainda. As empresas estão adaptadas e podem crescer, mas a magnitude disso depende da velocidade dos nossos poderes de facilitar a atividade econômica e de promover reformas. Teremos que conviver com um câmbio relativamente mais alto com certeza, mas temos um cenário macro interno com uma base boa.

E possível saber até quando o mercado ficará "nervoso"? Por que ele está "nervoso"?

O mercado está nervoso devido ao coronavírus, que pode retardar o crescimento das economias, e devido à tensão entre os países da Opep, que culminou na queda forte do preço do petróleo. É um impacto geral, sistêmico e que pode durar dependendo da disseminação do vírus. Não acho que a Opep queira ficar sem combinar preços por muito tempo.

O que o governo brasileiro deve fazer para blindar a economia do país?

Continuar o ajuste fiscal, promover reformas e votar projetos que façam sentido para o crescimento da economia. A própria redução de juros desde 2016 começa a gerar efeitos na economia em geral e temos credibilidade a recuperar frente ao mundo. Se não fizermos isso, o crescimento fica estagnado e, aí sim, o dólar pode disparar, como disparou na Argentina, por exemplo. A Câmara e o Senado têm grande responsabilidade na aprovação de reformas. Em um momento que a economia mundial está sofrendo com os efeitos do coronavírus e que a economia nacional precisa consolidar o ajuste fiscal, é absurdo o Congresso derrubar o veto ao aumento do Benefício de Prestação Continuada. O Congresso criou um gasto adicional ao ano de R$ 20 bilhões, sem saber de onde esse dinheiro virá, e dá uma péssima sinalização em um momento inoportuno.

É possível dizer quando sairemos dessa situação?

Acreditamos que a economia cresça, sim, este ano. Tanto que nossa área de análise tem perspectiva positiva para a Bolsa até o final do ano. Acreditamos em um Ibov [Índice Ibovespa] em 132 mil pontos em dezembro de 2020 e em uma taxa de juros levemente mais baixa, em uma inflação sob controle e um câmbio num patamar mais alto, superior aos R$ 4,50 pelos motivos que comentei.

Nosso crescimento poderia ser maior se os governos falassem menos, se dedicassem a votar o que tem que ser votado e fizessem o que tem que ser feito para recuperar de vez a economia. Temos um longo caminho pela frente e, ao que parece, cada vez mais não poderemos contar com uma conjuntura mundial tão positiva. A bola está conosco.