Ao redor de todo o ícone existem objetos, imagens e sons que precisam coexistir geralmente em diferentes graus de interdependência, porém harmoniosamente. Alguns lugares também se tornam icônicos por seus cheiros, sabores e convenções sociais que, somados aos outros signos, marcam com ainda mais força a memória coletiva.

Homens como James Dean também não estão imunes a este processo que lembra uma espécie de canonização. Tanto que no filme "September 30, 1955" (James Brigdes, 1978), um grupo de amigos, fãs incontroláveis do eterno "Jim Stark" de "Juventude Transviada" (Nicholas Ray, 1955), se recusa a acreditar que um acidente com um Porsche teria encerrado a passagem pela Terra de um símbolo da década de 50. Na história, inspirada nos os últimos momentos da vida de Dean, a notícia da morte prematura em 30 de setembro de 1955 trouxe à tona um sentimento de melancolia e até causou danos emocionais mais sérios nos personagens que chegam a tentar se comunicar com o ídolo por meio da famosa "brincadeira do copo". Entre outras peripécias juvenis de fãs incorrigíveis.

Com Deborah Benson e Dennis Quaid, "September 30, 1955" foi lançado no Brasil em janeiro de 1978, duas semanas antes do nascimento de um ícone londrinense cujo anúncio do fechamento forçado por uma pandemia de coronavírus, há duas semanas, também comoveu centenas de admiradores. Símbolo de uma Londrina inovadora, movimentada para a época e cosmopolita na vida cultural, o Vilão Bar logo se tornou um sinônimo de elegância e romantismo. Ponto de encontro de casais e grupos de amigos em busca de um lugar charmoso e intimista, o Vilão está em cena há 42 anos e pode ser considerado o bar mais antigo de Londrina em atividade. Ou pelo menos podia.

No dia 25 de março, o homem cuja personalidade se confunde com a da casa, William Amador Bueno de Moraes, 66, anunciou que havia decidido vender o lendário ponto do número 1.461 da rua Sergipe, deixando muita melancolia e mistério no ar sobre o que deve acontecer. A primeira medida para levantar fundos foi vender boa parte dos discos de vinil. No entanto, a famosa caixa registradora, o gramofone, os rádios e os relógios da década de 40, outros clássicos da decoração da casa permanecem por lá à espera de novas histórias.

Imagem ilustrativa da imagem 'A história só acaba quando você morre', diz dono do Vilão Bar
| Foto: Gustavo Carneiro/Grupo FOLHA

Como estavam as contas do bar antes da pandemia?

Estava equilibrado, conseguia pagar tudo, a partir deste mês já entrou na pandemia. Liguei para o gerente do banco para falar sobre o meu empréstimo e ele falou "olha não vou poder, me passa teu WhatsApp porque está todo mundo fazendo isso". Só que em menos de um mês já estava em 15% de juros, estou fora! Então faz um novo empréstimo, acrescenta ao outro e divide, e começa a cobrar daqui a dois, três meses.

Quando veio a notícia do fechamento do comércio você já decidiu fechar, não chegou a fazer entregas?

É, está fechado. Fizeram uma matéria na Folha de Londrina dizendo “o Vilão fechou”, mas ainda não fechou. Ele fechou por causa do corona, mas vai fechar se eu não conseguir vender, arrendar, algo desse tipo. E já estou cansado. Isso (delivery) não está funcionando.

E os funcionários?

Eu tentei dar para eles, mas ninguém quis não, porque é um "pepino" sabe. É um negócio e você tem que manter o negócio. É complicado. Você tem que trabalhar, trabalhar, trabalhar.

Tem sido muito assediado sobre o preço?

Sim, o que mais tem são os curiosos, a especulação. Eu digo "não! Só converso pessoalmente".

E há possibilidade de se fazer uma vaquinha virtual?

Eu não sei, isso de pegar dinheiro, como eu devolveria para as pessoas se essa pandemia continuar?

Mas você teve o público sempre ao seu lado, fiel.

Sim. Mas não sei o quanto vai ser tão fiel, não dá para saber, só vamos saber no final e ainda não acabou a história. Então não estou muito preocupado, já passei por tanto na minha vida, a história só acaba quando você morre e eu estou vivo ainda. Passei por duas pneumonias, uma infecção, uma cirurgia na perna e estou bem.

O sr. está tranquilo em se separar da caixa registradora?

Não. Talvez é a única coisa que eu leve. Ela está comigo há 45 anos. Ela é interessante, deu trabalho pra transportar de São Paulo. Estava na porta de uma padaria na Praça da Árvore, no Jabaquara. Eu tinha 23 ou 24 anos, montei aqui com 25. [A caixa registradora é de ] 1918. Foi o ano que ele me disse.

E como o sr. se sentiu com essa comoção toda sobre o fechamento do Vilão?

Olha, prazeroso. Hoje um amigo me ligou e falou: "olha aqui, tem uma consulta para você no fisioterapeuta, estão pago cinco dias, você vai adorar o cara". Ele tinha um irmão, o Luizinho. Ele tinha um problema, uma síndrome, acho que era de Down, era baixinho, barbudo, morava ali na Goiás, do lado do Meeting, ali onde era o Maneco com Jaleco e ele morreu há uns dois, três anos. E ele gostava muito de mim, não gostava de muita gente, mas gostava de mim. Então ele vinha aqui toda a quinta-feira comer macarrão. E a gente virou muito amigo. Então imagina ser amigo de um cara que tinha um problema, quer dizer, eu não sei se ele tinha um problema, quem tem problemas somos nós, ele não. Sabe, ele era realmente uma figura.

Apenas porque você o tratava com dignidade.

É, muito mais compreensivo que os outros.

Qual música vem à cabeça de bate-pronto e define essa história toda?

O pessoal gostava muito de "A Horse With no Name", do grupo America. É interessante.

O que mais?

Tudo, até "Zorba, O Grego (Syrtáki, trilha do filme, com Anthony Quinn)". De tudo, "As Quatro Estações", de Vivaldi, toquei em um sábado, Mozart, Beethoven, "O Fantasma da Ópera". Era isso que o povo gostava.

E de Londrina?

Tinha o Arrigo (Barnabé), o pianista, esqueci agora o nome.

Marco Antonio?

Marco Antonio. É, mas não tanta gente. O pessoal gostava muito de jazz, sempre funcionava. Algum samba ou outro, mas pagode, essas coisas não, nunca. Eu gosto de uma música que me agrada. Rock nunca gostei muito, só dos clássicos, alguns, tanto que eu não tinha. Se tivesse dois mil discos de rock teria vendido todos em meia hora. Engraçado, jazz demorou três dias para vender e ainda sobrou umas pilhas. Engraçado isso.

Nesse momento mais nostálgico, quais histórias você leva do bar?

São várias, você acaba arrumando muitos amigos e eles acabam te defendendo, sabe? Já teve caso que um cara chegou falando mais alto e o que estava na mesa falou "meu, aqui não! Se quiser gritar vamos lá fora, aqui não". Eles beberam um pouco demais. É igual agora que estou fechando, tentando vender ou arrendar. Tem um amigo meu do Rio de Janeiro que falou "cara, não vamos fechar isso não, vamos transformar, fazer uma vaquinha, fazer qualquer coisa", e já tem várias pessoas interessadas, vamos ver se vai dar certo, eu não sei o que vai acontecer. Eu gostaria que o negócio permanecesse, até que ficasse para alguém que gostasse e continuasse. Eu estou cansado, não consigo ficar aqui o dia todo, mas o negócio funciona. Eu estou aqui até hoje, 42 anos! Sinal de que funciona.

Muitos “altos” e “baixos”?

Teve, na época do [presidente Fernando] Collor, mas sempre se manteve. Mas o grande problema também foi que eu sempre fui meio "mulherengo". É ué? Eu tive três ex-mulheres, cinco filhos e um enteado.

E hoje?

Estou solteiro. Tive outra namorada, mas na situação que eu fiquei, ela olhou para mim e falou “não quero não”. Racional, não é ? Eu não acho que ela esteja errada em ponto nenhum, eu também me livraria de mim. Só ia dar trabalho? “Tchau”. Mas ela virou minha amiga, a gente conversa todo dia.

Mas esse teu lado “romântico” foi fundamental para o sucesso do Vilão entre os casais.

É, você vê que nas churrascarias o casal paga "menos" para o estabelecimento atrair mais e eu consigo atrair sem isso. Mas teria que ser muito mais. No Dia dos Namorados isso aqui "entope", é o meu Natal, minha Páscoa.

Já recebeu muitos artistas?

Alguns. O Ricthie. Atores de novelas, uns três ou quatro. Mas eu esqueço os nomes, sou muito ruim. O meu cunhado, o Frank, casado com a Lena, ela é irmã do César Camargo Mariano. Ela mora nos Estados Unidos hoje e foram casados alguns anos.

Então o sr. conheceu a Elis Regina? Ela veio aqui?

Conheci. Ela veio para cá, pra fazenda de um amigo nosso, mas faz tempo. É muita história, 40 anos atrás.

E lá em janeiro de 1978, quando o sr. decidiu abrir um bar chamado Vilão, o que tinha em mente?

Eu cheguei no dia 19 de dezembro e fiquei na casa da minha cunhada que tinha uma escola de inglês ali na Alagoas com a Pernambuco. Até ajudei a fazer a decoração e tal. Eu ia nos botecos beber. Ela falou "p...", você não vai procurar uma casa?" Eu disse "já chamei um cara que vai me mostrar, era da imobiliária Franco aqui na Higienópolis, Milton Passarinho, e trouxe o corretor. Isso aqui não tinha nada, estava um ‘caco’".

E o cardápio?

Montei com ideias do meu ex-sogro e da minha primeira mulher. O chilli é dele, ele era do Texas, então outras coisas fomos implantando. E o que deu certo, a gente deixou.

E o nome do bar tem um duplo sentido?

Sim, porque toda a "m..." está onde? Cadê o seu marido? Está naquele boteco, não é? O que está acontecendo de “errado”? É no boteco. É o vilão, sempre vai ser o vilão. É mais ou menos isso e funcionou. Mas aqui tinha 20 portas na época, parecia uma vila. Aí para virar “Vilão” ficou fácil. Eu não tive muito tempo de pensar. Eu comecei no dia 19 (de dezembro de 1977), fiquei bebendo até o Natal e fui conhecendo as pessoas. Aí fui para tudo o que é lugar, Apucarana, Arapongas e comecei a trabalhar mesmo no dia 1º de janeiro. E funcionou, dia 27 de janeiro estava aberto. Era aniversário da minha primeira mulher, ela que nasceu aqui, conhecia um monte de gente, aí já fizemos esse gancho. Mas aí depois não aconteceu nada, demorou uns quatro meses até "começar".

Por que o vilão é mais interessante do que o "mocinho"?

O vilão se arrisca mais, o mocinho não, ele vai pelos outros. É um rebelde, do contra.

E quando o vilão dessa história se for, como ele será lembrado?

Como um dono de bar (risos). Não sei como eu seria lembrado porque tem uns que gostam e outros que não gostam, é assim que funciona. Não se preocupe com os outros, preocupe-se com você. Você é o dono da sua vida, os outros são os outros, vão querer te derrubar, a grande maioria. Tem gente boa também, mas está cada vez mais raro.